Entenda o que são mutações virais e quais os efeitos na transmissão de doenças como a Covid-19

Transformações dos vírus são processos naturais, mas podem aumentar contágio de crianças e jovens; medicamentos e vacinas devem ser adaptados para impedir disseminação em massa

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Pessoas aglomeradas no Centro de Eventos no primeiro dia da vacinação (25/01/2021). Campanha de vacinação; fila de espera; aglomeração de pessoas.
Legenda: A alta transmissibilidade da nova cepa é explicada pelo fato de que ela se multiplica mais velozmente no organismo humano
Foto: Camila Lima

Quando um vírus não consegue infectar a célula humana, ele se adapta, se molda ao organismo para consertar o que não deu certo. Até conseguir. É daí que surgem as mutações virais, que tornam os agentes infecciosos mais fortes e mais transmissíveis – como é o caso das novas cepas do coronavírus, uma das quais já circulante no Ceará.

Segundo Mário Oliveira, biomédico e virologista, “mutação é a coisa mais comum que existe na natureza, mas em se tratando de um vírus, ela acontece por pressão do sistema imune”. Em resumo, enquanto o organismo tenta impedir o vírus de entrar, ele se modifica para sobreviver. “Quando consegue ter esse poder de alteração, ele muda o código genético, tornando possível aquilo que ele não conseguia causar no seu corpo antes”, frisa.

O coronavírus, como aponta o especialista, é um dos vírus mais mutáveis da natureza: então, “quanto mais ele se espalha, mais barreiras pode encontrar e mais mutações vai sofrer. Pessoas são diferentes, ele encontra barreiras diferentes. E a cada adaptação, vai se tornando mais forte”, salienta Mário.

“O vírus tenta se replicar, procura hospedeiros pra isso e consegue empatar rapidamente o seu sistema imune. Mas, para sobreviver, ele não pode matar você. Por isso o número de casos aumenta, mas não necessariamente são mais letais”, explica o biomédico.

Contágio mais rápido

A alta transmissibilidade da nova cepa é explicada pelo fato de que ela se multiplica mais velozmente no organismo humano, aumentando a carga viral de uma pessoa infectada de forma muito rápida, facilitando a contaminação de outras e expondo, inclusive, quem antes tinha certa resistência à Covid-19, como as crianças.

“Se antes eu passava mil partículas infectantes do vírus para você, agora, com a nova cepa, estou passando 5 mil. Uma criança, por exemplo, poderia conseguir debelar as mil, mas não vai conseguir as 5 mil. Normalmente, crianças de 1 a 5 anos têm sistema imune mais jovem, e aí não conseguem debelar tudo. Pela quantidade de vírus, as crianças são mais afetadas, estão pegando mais”, lamenta Mário Oliveira.

Lígia Kerr, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC), observa que “a situação das UTIs infantis já está grave”, e aponta que as novas cepas já devem estar circulando no Ceará “há muito tempo”, o que se prova pela “mudança de comportamento que temos observado em relação à doença, nos últimos meses”.

Ela analisa que, desde o ano passado, estudos têm identificado a queda de imunidade intensa de pacientes com Covid. “Após termos a doença, temos queda de imunidade intensa. O vírus aprendeu a cruzar isso. Mesmo pessoas que tenham tido e tenham anticorpos estão tendo de novo”.

O vírus quer sobreviver

As novas cepas, então, potencializam isso. “Essas cepas já estão em transmissão comunitária, podem e estão afetando todos os grupos etários. O vírus quando vai se mutando quer sobreviver, mas não quer matar o hospedeiro. Embora mate menos, tem muito mais casos. É possível termos até outras cepas aqui também: a P2, quase tão grave quanto a P1; a da Inglaterra. Precisa haver mais testagem para identificar isso”, defende a pesquisadora.

Fábio Miyajima, pesquisador da Fiocruz Ceará, também frisa a importância de investir na ciência para identificar os problemas e frear o avanço das cepas de coronavírus no Estado. “O Brasil tem mais de 2.200 sequências de Sars-CoV-2, comparados a 200 mil do Reino Unido. Precisamos de esforços concentrados e articulados, numa agenda de médio e longo prazos, com mais de 3 mil sequências por mês durante 12 meses”, calcula.

Impacto nas vacinas

Outra preocupação é a possibilidade de o maior potencial de transmissibilidade da mutação impactar quem já teve a doença e até quem já foi vacinado. Por isso, a imunização em massa e o respeito às medidas sanitárias são indispensáveis para frear a presença do vírus.

De acordo com Fábio Miyajima, a transmissão mais veloz acontece porque a variação do Sars-CoV-2 tem uma maior capacidade de “enganar” o sistema imune humano.

“A variante pode causar reinfecções em pessoas que já tiveram Covid ou que já foram vacinadas, também. Então, o potencial epidemiológico e de relevância à saúde pública é muito grande. Teremos um 2021 muito mais parecido com 2020 do que com o ano normal de 2019, mesmo com o programa de imunizações", pontua.

Apesar de afirmar que “a pessoa que foi vacinada pode, sim, ser infectada”, o estudioso ressalta que, “obviamente, é importante monitorar todos após a segunda dose e dar um tempo para o organismo dar uma resposta completa”. “O que a gente alerta as pessoas é sobre a capacidade de produzir novas infecções e reinfecções. É importante que todas mantenham as medidas de isolamento social”, frisa Fábio Miyajima.

Butantan testa eficácia da CoronaVac contra variante amazônica

A vacina CoronaVac, produzida em parceria com a farmacêutica Sinovac, está sendo testada contra a variante amazônica do coronavírus, que já foi identificada no Ceará

Análises do instituto já mostraram que o imunizante tem bom desempenho contra as cepas sul-africana e britânica. As informações foram divulgadas pelo Governo de São Paulo, ao qual o Butantan é vinculado.

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