De diarreia a hepatite: médicos alertam sobre uso indiscriminado de ivermectina contra Covid-19
Além de não terem eficácia comprovada contra a Covid-19, medicamentos podem dar falsa sensação de segurança, alertam especialistas
O aumento da procura por ivermectina em farmácias no Ceará reacende o alerta sobre o uso indiscriminado de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19. Segundo especialistas, além de a ivermectina gerar uma falsa sensação de segurança que prejudica o tratamento adequado da doença, o uso sem orientação médica ou de um farmacêutico pode provocar uma “hepatite medicamentosa que te leva à UTI em 48 horas”, alerta Egberto Feitosa, representante do Ceará no Conselho Federal de Farmácia (CFF).
Pela bula do medicamento, a ivermectina é usada para tratar verminoses. As reações adversas são diarreia, náusea, perda ou diminuição da força física, dor abdominal, anorexia, constipação, vômito, tontura, sonolência, vertigem, tremor e, em alguns casos, urticária. No entanto, por mais que o remédio seja considerado seguro para tratar o que se propõe, o uso indiscriminado dele tem consequências graves, assim como ocorre com outros medicamentos, até mesmo suplementos vitamínicos.
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“A gente vê com bastante preocupação qualquer uso indevido de medicamentos, especialmente agora na época da pandemia”, ressalta Feitosa. Segundo o farmacêutico, por mais que a ivermectina, assim como a cloroquina e a azitromicina sejam remédios tarjados, que exigem receita, muitos os compram e os consomem de forma indiscriminada na esperança de eficácia contra a Covid-19. “Já existe um controle sobre isso [a venda], mas a gente orienta a população que não faça uso sem prescrição, acompanhamento”, reforça.
O infectologista e consultor da Escola Pública de Saúde do Ceará (ESP-CE), Keny Colares, diz que ainda não há no Brasil remédio específico que evite a multiplicação do coronavírus no organismo nos primeiros sete dias da infecção. O ‘Kit Covid’, como é chamado o combo de medicamentos usado de forma indiscriminada, estimulado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, pode, inclusive, ter reações em pacientes com comorbidades que, possivelmente, já tomem outros remédios para a pressão e/ou diabetes.
“E mais preocupante do que isso é o que essas medicações fazem de efeito colateral indireto. Por pessoas que usam achando que elas protegem da infecção e, por causa disso, deixam de fazer os cuidados que realmente são protetores [como distanciamento e uso da máscara] ou por pessoas que estão com a doença e que estão tomando o remédio achando que estão se tratando quando, na verdade, não estão”, analisa o infectologista. Neste último caso, o risco, de acordo com Keny, é de os pacientes buscarem a rede hospitalar já em estado muito grave.
Contraponto
Para o infectologista Anastácio Queiroz, o uso indiscriminado da ivermectina só acontece porque as pessoas, no desespero, buscam sozinhas formas de conter o avanço da infecção no próprio corpo. “A ivermectina, apesar de ser uma medicação antiparasitária, é anti inflamatória e tem efeito direto na divisão do vírus”, defende o médico. Contudo, ele alega que o efeito positivo está associado ao uso orientado de outros medicamentos e que “não protege 100%”, além de que também não desobriga o uso de máscara e o respeito ao distanciamento social.
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Tratamento
Nos primeiros sete dias da doença, a orientação médica, segundo o infectologista Keny Colares, é repouso, hidratação, observação e medicação para controle da febre. Após esse período, diz, a infecção entra na segunda fase, que é quando é necessário ter mais cuidado.
“Nessa fase, existem algumas medicações que estão sendo recomendadas, mas mais pra dentro do sistema hospitalar, pra pacientes que já estão com algum grau de falta de ar”, pontua o infectologista.
De acordo com ele, há uma discussão no âmbito da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) para, nessa etapa, ainda antes de uma possível internação, aplicar medicamentos que “acalmem” o sistema imunológico, que tende a ficar superativo para enfrentar o vírus. “Às vezes ele [sistema imunológico] exagera na reação e acaba danificando o corpo. A gente não pode parar nosso sistema imune, mas pode fazer com que não tenha a ativação exagerada. [...] Um tratamento que a gente chama de ‘imunoregulador’”, explica Keny.
Esse tratamento ainda está em análise e não é aplicado em todos os pacientes, apenas naqueles que os médicos considerarem aptos.
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Controle da pandemia
O ideal, para Keny, seria ter remédios e vacinas para combater a Covid-19. No entanto, desde o ano passado, a maior parte dos investimentos tem sido direcionada para o desenvolvimento de imunizantes, o que não é errado, na opinião do infectologista. “Do ponto de vista de saúde pública, a vacina vai acabar conseguindo beneficiar mais gente e mais rápido do que remédio. Ideal é ter os dois, mas quem vai fazer a diferença no controle da doença vai ser a vacina”.
Anastácio, por sua vez, diz que o combate à Covid-19 tem que ser pautado por quatro pilares: prevenção, tratamento inicial, tratamento hospitalar e imunização. “Se você quebra um pilar desse, a doença terá curso”, assegura.