Cearenses relatam cansaço do ensino remoto e ânimo para retorno

Depois de quase sete meses, retorno às escolas está autorizado pelo Governo do Estado, mas previsto para acontecer apenas na iniciativa privada. Estudantes e profissionais da Educação convivem com restrições

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
Legenda: Ansioso pelas aulas presenciais, Heytor acredita que teve bom aproveitamento dos estudos em casa.
Foto: Camila Lima

Após mais de seis meses sem aulas presenciais, estudantes e profissionais da educação de algumas etapas do nível médio e fundamental estão autorizados a retornar hoje às atividades em escolas de 44 cidades da macrorregião de Fortaleza. Em meio à pandemia de Covid-19, os desafios da educação têm se multiplicado.

No Ensino Médio, os impactos são ainda mais imediatos. Nesse processo, estudantes de escolas particulares que irão retornar às salas de aula nos próximos dias relatam que o momento agora é de ânimo e expectativa, mesmo com a mudança no cenário, com maior rigor sanitário impondo o uso obrigatório de máscaras, o distanciamento entre carteiras e a menor quantidade de presentes.

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As aulas presenciais já estão parcialmente autorizadas e ocorrem, desde o início de setembro, nas creches e pré-escolas da rede privada. No último dia 19, o Governo do Estado autorizou o retorno das seguintes séries: 

  • Educação de Jovens e Adultos com 35% da capacidade; 
  • 9º ano do Ensino Fundamental com 35%;
  • 3ª série do Ensino Médio com 35%;  
  • Educação Profissionalizante com 35%;
  • Educação Infantil com 50%;
  • 1º e 2º do Ensino Fundamental com até 35%.

Pelo menos, 120 escolas devem recomeçar as atividades presenciais hoje, de acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe). 

Ansiedade pelo retorno

Na casa do estudante Heytor Grangeiro, 17, a rotina de aprendizado remoto é compartilhada pela irmã pequena e pela mãe, que cursa o Ensino Superior, desde março com a chegada do novo coronavírus. "Tô ansioso pelo retorno há muito tempo porque sou uma pessoa muito social, não consigo ficar em casa sem falar com ninguém. Só de estar lá, ter o convívio do colégio e voltar ao ambiente social, eu acredito que vai melhorar minha rotina de estudos", ressalta o aluno do Colégio 7 de Setembro.

Do período em casa, o balanço de Heytor é de um bom aproveitamento dos estudos, mesmo com mais distrações e maior exigência por disciplina com o uso do tempo. "Antes eu passava o dia todo na escola e não tinha descanso. Em casa é mais flexível. Se o dia é muito estressante pelos conteúdos, eu posso tocar violão nos intervalos de aulas para descansar a mente".

Em meio à pandemia da Covid-19, o estudante segue em preparação para disputar vaga no curso de Medicina por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que deve acontecer nos dias 17 e 24 de janeiro do próximo ano. "Já que o Enem foi adiado, vamos ter mais tempo para revisar, cerca de três meses, fazer questões para reforçar esse estudo. Em casa você perde alguns momentos do dia, por causa da desconcentração, e eu acredito que essa volta vai melhorar a eficiência e me ajudar na preparação", conclui.

Queda no rendimento

Para a estudante Ana Clara Araújo de Albuquerque, 17, do 3º ano do Ensino Médio, o momento é de animação por conta do retorno presencial. De acordo com ela, no início da pandemia o ritmo de estudo teve uma elevação, "por talvez não precisar me deslocar, eu não ficava cansada e estudava mais. Mas, depois ficou muito monótono. Tinha aulas que a gente já não tinha tanta vontade".

Ana Clara mora na Parquelândia e estuda no Colégio Ari de Sá, no Centro e, segundo ela, as aulas na unidade só retornarão na próxima segunda-feira (5). A estimativa feita no grupo de alunos, conforme Ana Clara, é que dos 55 estudantes da turma, 70% irão voltar às aulas presenciais. Isto, dividido em um rodízio no qual metade terá aula presencial em uma semana e a outra parte segue acompanhando a distância. Na semana seguinte, os grupos são invertidos.

Antes da pandemia, Ana Clara, que irá tentar Medicina, tinha aula das 13h30 às 19h10. Durante a crise sanitária, conta ela, a escola manteve o cumprimento dessa jornada de forma remota. "Ficamos tendo aula por videochamada todos os dias. No começo era uma coisa nova. Nada que incomodasse muito. Mas a partir do terceiro mês ficou bem difícil. Senti muita falta da interação dos professores. Uma coisa que tinha muito (nas aulas presenciais) era descontração. Sentir falta de olhar no olho, ter contato com as pessoas que estão passando pela mesma coisa que você", relata.

Em relação ao retorno, a estudante acredita que o cumprimento das normas sanitárias não será um grande obstáculo no ambiente escolar, pois, segundo ela, "como a gente já tá um tempo nessa nova realidade, de prestar mais atenção na coisa da higiene, usar máscaras, usar álcool em gel, acho que já estamos acostumados".

Adaptação escolar

Também na busca por vaga concorrida, André Diogo Firmino dos Santos, de 18 anos, se prepara no Colégio Master para entrar na Engenharia de Computação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), com primeira fase da seleção marcada para o dia 22 de novembro. "Quando chegou a pandemia, foi um baque porque a maioria dos alunos tinha uma rotina bem definida de estudos. O próprio colégio se adaptou bem rápido, usando plataformas e simulados online, então a gente se acostumou", lembra.

A contribuição dos professores com a flexibilização dos horários e o envio de materiais de apoio, como destaca André, facilitaram o processo de acompanhamento dos assuntos tratados nas aulas remotas. Poder voltar à escola, mesmo assim, é importante nessa reta final até a aplicação do vestibular. "Eu estava esperando bastante por isso porque, querendo ou não, sem o contato às vezes cansa e eu queria ver meus amigos, saber como eles estão. Foi uma época complicada para todo mundo, então eu queria saber como eles estão se sentindo", afirma.

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Monitoramento de alunos com sintomas

"Nós estamos muito felizes com a possibilidade do retorno porque, por mais que os alunos tenham que assistir aula numa semana e na outra continuar no remoto, é uma forma de ter convívio social para muitas famílias que estavam em isolamento até agora", comenta Fernanda Denardin, diretora técnica da rede Farias Brito. Na nova rotina, um questionário diário é encaminhado às famílias para monitorar os estudantes com sintomas ou que tiveram contato com casos suspeitos e confirmados de infecção pelo novo coronavírus.

A educadora ressalta que os estudantes do 3º ano são mais disciplinados devido aos vestibulares previstos na conclusão do Ensino Médio e, com isso, o engajamento no ensino remoto foi efetivo. "Agora os alunos estão um pouco cansados, a gente sente que já deu, mas o engajamento é real. A gente percebe que os alunos estão assistindo aula, participando das atividades, desenvolvem as avaliações contínuas, mesmo não valendo nota", pondera.

Apoio a professores e estudantes

A psicopedagoga e presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, seção do Ceará, Luciana Bem, ressalta que na retomada "é preciso olhar para todas as esferas", o que inclui apoiar alunos, profissionais e pais. Ela pondera que nesta etapa os alunos se mostram muito desejosos de estarem na escola novamente, mas é necessário relembrar que, em paralelo ao reencontro, há "uma demanda pedagógica que certamente precisará de um olhar cuidadoso".

Luciana explica que nas atividades remotas o ritmo dos alunos foi bastante diferenciado e no retorno às salas de aula poderá ficar evidente "aqueles que tiveram dificuldades de se adaptar e não tiveram uma evolução pedagógica. É como se eles tivessem acompanhando o sistema, mas sem ter um aproveitamento como deveria", diz.

Portanto, agora, todos os agentes envolvidos no processo educacional, afirma Luciana, precisam de cuidado. "Os alunos estão desejosos de estar no contexto coletivo com seus pares. Mas muitas vezes não estão em sintonia com a turma. Para os professores é um desafio que continua. É o reinventar-se após a reinvenção. Eles vão precisar adaptar o planejamento de acordo com a realidade que vão encontrar. Alunos que vão precisar de uma reaproximação maior. E muitos professores estão cansados porque precisam estudar e trabalhar em demasia para se adaptar às novas demandas que estão surgindo. Nesse momento, todo mundo está precisando de amparo, de um olhar mais sensível", conclui.

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