Aumento populacional desacelera no CE e, em 10 anos, há 710 mil residentes a mais; entenda o impacto
O ritmo de avanço do total de moradores na última década foi menor que na anterior. Especialistas dizem por que as cidades precisam conhecer os índices
Se você mora no Ceará, esse ano, pelas estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divide o território com outros 9.240.579 habitantes. Se residia em 2011, compartilhava o Estado com, pelo menos, 710 mil habitantes a menos. Embora o ritmo de crescimento populacional esteja em desaceleração no Ceará, se comparado à década anterior, o incremento de novos habitantes é significativo.
Mas, o que isso implica na sua vida e o que diz sobre o futuro do Estado, principalmente em relação à organização das cidades e o acesso a serviços como saúde, educação e moradia?
Os dados sobre a projeção populacional de 2021 foram divulgados pelo IBGE na sexta-feira (27). Um dos primeiros pontos de destaque é que para calcular a chamada dinâmica demográfica, que é análise de como as populações naturais de determinados lugares se desenvolvem, três aspectos são fundamentais:
- migração
- taxa de mortalidade
- taxa de fecundidade
E é a partir deles que o IBGE projeta quantas pessoas habitam as cidades, os estados e o país, em um determinado espaço de tempo. Os dados apontam que entre 2011 e 2021 a população do Ceará cresceu 8,33%.
Já na década anterior - 2001 a 2011 - esse aumento foi de 13,02%. Dentre os 26 estados e o Distrito Federal, o Ceará teve o 8º menor aumento populacional de 2011 até este ano. Portanto, apesar de haver crescimento, ele não é intenso.
Veja se sua cidade perdeu ou ganhou residentes
Os números do IBGE não incorporam efeitos da pandemia de Covid justamente porque, segundo o órgão, embora dados preliminares do Registro Civil e do Ministério da Saúde apontam para um excesso de mortes, principalmente entre idosos, e uma diminuição dos nascimentos, esses números ainda precisam ser consolidados.
Somente com a realização do Censo 2022 - que deveria ter ocorrido em 2020, ficou para 2021 e foi novamente atrasado - será possível delimitar esse efeito.
Qual o efeito desse ritmo de crescimento?
“A população do Ceará continua crescendo, mas em menor intensidade por diferentes fatores”, reforça o demógrafo e professor do Departamento de Economia Doméstica da Universidade Federal de Ceará (UFC), Julio Alfredo Racchumi. De acordo com ele, o primeiro passo é que gestores precisam observar se esse aumento ocorre de forma homogênea na região ou se concentra em determinados lugares.
“Sabemos que há migração estadual, mas ela não é tão significativa como na década anterior. Então, tem a migração municipal e é isso que tem que ser levado em consideração”.
Além disso, é necessário avaliar o crescimento da população por sexo e idade, justamente para orientar, por exemplo, os serviços de saúde.
Dados analisado pelo Diário do Nordeste apontam que as cidades de Guaramiranga, General Sampaio, Horizonte, Pacajus, Jijoca de Jericoacoara, Eusébio, Pacatuba, Itatira e Barreira foram as que tiveram os maiores incrementos proporcionais de moradores, quando comparados os contingentes de 2011 e 2021.
“O que acontece é a diminuição severa do número de filhos, da taxa de fecundidade. Nesse processo, há também um crescimento da população urbana em relação à rural. Além disso, tem a entrada da mulher no mundo do trabalho, e as dificuldades financeiras das famílias”, diz o geógrafo, professor do Departamento de Geografia da UFC, e integrante do Observatório das Metrópoles, Alexandre Queiroz, sobre o que pode explicar o ritmo de crescimento no Ceará.
De acordo com ele, o que se tem observado, principalmente, é que alguns “municípios têm perdido população, sobretudo, dos mais jovens, da força de trabalho”. Isso, relata ele, “pode gerar problemas como não ter uma população com a faixa etária de trabalhadores e, por outro lado, um inchaço nas cidades que são o destino dessas migrações”.
As cidades que recebem esses moradores, analisa o professor, “podem não ter condições econômicas para receber esses novos assentados e acabam incluindo um conjunto de pessoas nas atividades informais”. Com isso há, impacto na economia, na geração de empregos, na área da habitação e no acesso a direitos.
Quanto mais pessoas concentradas em um território, mais ciência sobre o perfil dessa população os gestores públicos necessitam ter para garantirem planejamento adequado, de modo que o grande número de habitantes não precise concorrer por oportunidades restritas, como as vagas de emprego, em creche, de serviços de saúde, dentre outros.
O que a concentração evidencia?
Conforme o IBGE, em 2021 quase metade da população cearense (46,5% ou 4,3 milhões de habitantes) concentra-se em apenas 9 municípios que são aqueles com mais de 100 mil habitantes: Fortaleza, Caucaia, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Sobral, Crato, Itapipoca, Maranguape e Iguatu.
“Essa concentração populacional é construída sobretudo a partir dos anos 1970. Não tinha estrutura de atenção aos mais pobres onde viviam. Políticas sociais quase inexistentes. Isso favoreceu a migração desses municípios que são os concentrados demográficos”, explica Alexandre.
O professor analisa que o grande problema, nessas situações, é a demanda por serviços públicos e produção de zonas habitacionais carentes de serviços de saúde e educação. “A concentração tem implicação, sobretudo, na vida dos mais pobres pela dependência dos serviços públicos e mercado de trabalho”, acrescenta.
Ele ressalta que, apesar de esse movimento ser conhecido, “não se observa uma tendência de mudança porque os principais investimentos acabam se concentrando nesses municípios. Então, você não tem uma panorama, pelo menos a curto e médio prazo de mudança. Nada de redefinição. A tendência é que continue se concentrando nessas áreas”, completa.
Habitantes do Ceará mora na Capital em 2021, conforme projeção do IBGE
O professor Julio Alfredo reforça que “percebemos que é um produto da urbanização. A população se desloca para áreas urbanas. A concentração se deve a urbanização que aconteceu. A maioria dos municípios são pólos de atração por boa infraestrutura de educação e moradia. Além disso, algumas dessas cidades são litorâneas”.
“O ideal em termo de planejamento é evitar o esvaziamento das pequenas cidades porque não tem dinâmica econômica e fortalecer a estrutura de serviços públicos em municípios de 50 a 100 mil habitantes. Acerta o governo que busca fortalecer esses municípios que são importantes para articular com as pequenas cidades”.
Impactos na saúde
Assim como em outros setores, na saúde para a adequada execução das políticas públicas, é fundamental conhecer a quantidade e a idade do público-alvo das ações, e isso tem como base o cálculo populacional. Somente assim, explicam os especialistas, é possível direcionar recursos e atenção apropriados.
Como os dados do IBGE ainda não trazem o retrato da pandemia, Julio avalia que, “a mortalidade vai influenciar muito, mas isso não será visto de um ano para o outro, vai ser visto em longo prazo”.
De acordo com ele, antes se estimava que em 2060 o Ceará não teria mais crescimento populacional, pois o número de óbitos poderia ser maior que o de nascimentos. Com a pandemia, sugere ele, isso pode ser antecipado. “Tudo isso está associado à saúde pública. Como está distribuído à população para garantir o atendimento”, completa.
Outro impacto, segundo Alexandre, que já pode ser sentido pelo município é o cálculo do quantitativo de vacinas contra a Covid a ser direcionado a cidades. “Muita vezes, não bate o número de vacinas enviadas com o número de pessoas que habitam esses municípios”, lembra ele.