Apesar da demanda, regionais que concentram 31 bairros de Fortaleza não têm CAPS

A necessidade de atendimento em saúde mental é intensa. Nas regionais sem Caps, há ao menos 703 mil moradores. A ampliação é vista como urgente.

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
caps fortaleza
Legenda: Fortaleza tem 6 Caps Gerais que atendem pessoas de todas as faixas etárias em sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistente
Foto: Kid Júnior

A cada mês, ao menos, 26,5 mil atendimentos são realizados nos 15 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Fortaleza, segundo a Prefeitura. Se a conta evidencia a alta demanda, na realidade, a necessidade de existência e ampliação dessas estruturas é ainda maior. As unidades são distribuídas em 9 das 12 regionais da Capital. Com isso, na divisão administrativa, regionais que chegam a concentrar 31 bairros, com 703 mil habitantesnão dispõem de nenhum equipamento do tipo, seja Caps geral, Álcool Drogas (AD) ou infantil.  

No fim de setembro, a Câmara Municipal de Fortaleza aprovou um projeto de indicação - aquele na qual o vereador sugere algo ao prefeito, mas o gestor não tem obrigação de acatar - propondo a ampliação da rede de atenção psicossocial, com a criação de Caps 24h, como dos demais tipos, em cada regional de Fortaleza. A proposta aguarda análise da gestão municipal. 

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Hoje, Fortaleza tem 3 Caps 24 horas, mas conforme mostrado pelo Diário do Nordeste no começo de setembro, destes, em dois o serviço de acolhimento de pacientes para internação, apesar da demanda, não estava sendo ofertado

Na atual estrutura, os 15 Caps têm os seguintes perfis: 

6 Caps Gerais

Atendem pessoas de todas as faixas etárias que apresentam sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes;

7 Caps AD

Serviço de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas;

2 Caps infantil

Atendem a crianças e adolescentes que tenham sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes. 

Distribuição na cidade

Conforme a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), em média, são realizados por mês: 14,5 mil atendimentos nos seis Caps Gerais, 8,5 mil nos sete Caps AD e 3,5 mil nos dois Caps Infantis.

Dentre as principais demandas, estão: os transtornos mentais comportamentais, como autismo e esquizofrenia, episódios depressivos, distúrbio de conduta, bipolaridade e dependência de álcool e outras drogas. 

Contudo, os 15 equipamentos estão distribuídos em 14 bairros (o Rodolfo Teófilo é o único com duas unidades) e em 9 regionais. Dentre elas, a área administrativa que concentra o maior número de equipamentos é a Regional 3, com 4 unidades. 

Essa Regional tem os bairros: Antônio Bezerra, Olavo Oliveira, Quintino Cunha, Padre Andrade, Presidente Kennedy, Bairro Ellery, Farias Brito, São Gerardo, Amadeu Furtado, Parque Araxá, Monte Castelo, Parquelândia e Rodolfo Teófilo. Os três últimos, juntos, têm 4 Caps. 

Já nas Regionais 9 (Barroso, Cajazeiras, Conjunto Palmeiras, Jangurussu, Ancuri, Pedras e Santa Maria), 10 (Canindezinho, Parque Santa Rosa, Presidente Vargas, Conjunto Esperança, Parque São José, Novo Mondubim, Aracapé, Maraponga, Vila Manoel Sátiro, Jardim Cearense e Mondubim) e 11 (Bela Vista, Couto Fernandes, Demócrito Rocha, Panamericano, Pici, Autran Nunes, Dom Lustosa, Henrique Jorge, João XXIII, Jóquei Clube, Genibaú, Conjunto Ceará I e Conjunto Ceará II), não há nenhum equipamento do tipo. Juntos, esses bairros concentram, ao menos, 703.122 moradores. 

No projeto de indicação, a vereadora Larissa Gaspar (PT) que o propôs, justifica que, apesar da existência dos 15 Caps, “o atendimento ainda é escasso, visto que o deslocamento a bairros mais distantes se torna inviável para o atendimento integral da população, necessitando assim de uma interação maior por região geográfica”.

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Mas, apesar da cobrança por ampliação, segundo o Ministério da Saúde não há nenhum parâmetro de cobertura ideal estabelecido para os Caps. Em nota, o órgão disse que “os estados dispõem de recursos para acolher, orientar e indicar a melhor estratégia de organização da Rede de Atenção Psicossocial, de acordo com as demandas e necessidades locais”. 

Custos para manutenção e ampliação

Atualmente, para manter os 15 Caps, o custo, por mês, conforme a SMS, é de: R$ 2,7 milhões, distribuídos da seguinte forma: 

  • R$ 1.349.520,24 para os seis Caps gerais;
  • R$ 1.323.033,88 para os sete Caps AD; 
  • R$ 114.638,28 para os dois Caps infantis.
     

Desse valor, segundo a SMS, o Ministério da Saúde realiza repasse mensal de R$ 621.949. O  restante, portanto, cerca de 77,6%, equivalente a R$ 2,1 milhões, é custeado pelo tesouro municipal. 

Em uma projeção feita pelo Diário do Nordeste, considerando o atual custo médio de cada tipo de Caps, por mês, para garantir o funcionamento de 3 Caps (Geral, AD e infantil) em cada Regional, por mês, o município precisaria ao todo de R$ 5,6 milhões. 

Se for mantida a forma de distribuição do financiamento atual, o tesouro municipal precisaria custear R$ 4,3 milhões e o Ministério da Saúde o restante. Ou seja, seria necessário a Prefeitura investir ao menos o dobro do que se disponibiliza hoje. No valor do custeio das unidades, segundo a SMS,  “já está incluso o pagamento dos profissionais”. 

Ampliação da rede

A SMS também reforça que “o serviço é porta aberta, no qual o usuário pode procurar diretamente, ou ser encaminhado por um dos 116 postos de saúde da Capital, que atendem, entre outras coisas, demandas de saúde mental”. 

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Legenda: Segundo o Ministério da Saúde não há estabelecido nenhum parâmetro de cobertura ideal para os Caps
Foto: Fabiane de Paula

Na avaliação de Crispim Alves, morador do José Walter, usuário do Caps Geral do bairro Jardim América e integrante do Fórum Cearense da Luta Antimanicomial - movimento que reúne usuários, familiares e profissionais da área da saúde mental - a demanda nos serviços cresce a cada dia e, com a pandemia. 

"Sabemos que mais pessoas estão precisando de cuidado em saúde mental,  além disso durante o primeiro ano da pandemia houve uma redução dos atendimentos coletivos, com os grupos Terapêuticos, de orientação de família, e também as atividades de acompanhamento domiciliar”.
Crispim Alves
Usuário do Caps Geral do Jardim América e integrante do Fórum Cearense da Luta Antimanicomial

De acordo com ele, “tudo  isso ficou prejudicado por causa da pandemia, gerando aumentos de filas de espera e ou aumentos das demandas por acompanhamento  psiquiátrico, psicológico, de terapia ocupacional, do serviço social  dentre outros”.

Ele relata dilemas relativos tanto à quantidade insuficiente de profissionais nos Caps, como à precariedade de vínculos das contratações. Crispim reforça que o Fórum considera urgente a ampliação dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de Fortaleza,  incluindo, os os serviços de Atenção Psicossocial 24 horas, como os Caps geral, AD e infantil conforme o número de habitantes de cada regional de Fortaleza. 

De acordo com Crispim, as limitações hoje são diversas pois, “o primeiro seria a falta de uma Rede de Atenção Psicossocial diversificada e qualificada, temos Caps em cada regional (pela antiga divisão em 7 regionais),  mas não quantidade necessária para a população de cada regional, por exemplo, a população infanto juvenil, que precisa de atenção psicossocial, só conta com 2 Caps para toda a cidade de Fortaleza”. 

Abertura de novas unidades

Em relação à necessidade de ampliação dos serviços, a presidente da Comissão de Psicologia em Saúde do Conselho Regional de Psicologia da 11ª Região, Joyce Hilário Maranhão, acrescenta que “existem as pessoas que estão em situação de sofrimento intenso, que são aquelas que vão para os Caps, e tem aquelas pessoas que têm um sofrimento que é considerado leve. Leve em relação ao que isso impacta na vida do sujeito. Elas são encaminhadas para os postos de saúde. Só que nos postos de saúde não há psicoterapia, que é uma das intervenções que os psicólogos fazem. E aí essas pessoas nem fica no perfil do Caps, nem no perfil do posto de saúde"

A psicóloga também reitera que nos equipamentos, como os Caps, há grandes gargalos relacionados à forma de contratação dos profissionais, com vínculos frágeis já que são feitos via “seleções públicas porque os profissionais são temporários”, diz.

Joyce reafirma a necessidade de ampliar as equipes de saúde mental nos Caps de Fortaleza, segundo ela, não só psicólogos, mas também enfermeiros, técnicos de enfermagem e assistentes sociais. “Porque há questões sociais que causam sofrimento no sujeito como a pobreza, a fome, as questões familiares, a violência, isso tudo precisa de abordagem multi e interdisciplinar”.
 
O Diário do Nordeste questionou a SMS se há planos de abertura de novos Caps em curto prazo na Capital. A pasta informou, em nota, que “está em fase de planejamento para a expansão da rede, com um processo já em curso para a implantação de mais um CAPS infantil, que contemplará a população do Grande Bom Jardim”.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que atualmente apoia a manutenção da Rede de Atenção Psicossocial de Fortaleza, composta por 15 Caps e 37 leitos de saúde mental em hospitais gerais, com repasse anual de R$ 13,5 milhões. Conforme a pasta, “até o momento, não há solicitação de novos serviços pelo município”.
 
 

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