Há sete anos, a então professora Ana Célia Saldanha iniciou o tratamento no Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária (Mismec), no bairro Pirambu, sem conseguir reconhecer a própria família.
Mesmo ao lado do marido e seus dois filhos, o diagnóstico de depressão agravado pela morte de seu pai a colocou em um período de "angústia muito grande", segundo ela. Na época, não era capaz de lembrar nem mesmo como exercer sua profissão. Ana Célia seguia a receita prescrita por dois psiquiatras, que determinava o uso de 10 comprimidos por dia. Após seis meses sob os cuidados de voluntários do Projeto 4 Varas, como é conhecido o Mismec, ela recobrou "o desejo de viver".
"Eu vinha às 7h, e só saía às 17h. Comecei a me identificar com o local, e não demorou. Eu voltei muito rápido. Não queria mais estar deitada o tempo todo, queria me movimentar. Passou a ser um mundo novo pra mim", relata. Em sua nova rotina, Ana Célia passou a cuidar dos jardins do Projeto e se envolver nas atividades propostas.
É no vasto terreno de frente para o mar que o cronograma gratuito do Mismec se desenrola, de segunda a sexta-feira, começando às 8h e encerrando às 16h. A programação inclui o resgate da autoestima, momento de interação onde é incentivada a esperança, a confiança e a motivação para pacientes que se sentem fragilizados e descrentes de si próprios, como descreve a coordenadora de gestão do Projeto 4 Varas, Cristina Alencar.
"São dinâmicas de grupo onde as pessoas expõem o sofrimento. A gente não cuida da doença. Cuidamos do sofrimento que causa a doença. Nesses momentos, as pessoas se abrem, riem, choram, se abraçam. Elas saem transformadas, por isso dizem que é um lugar de cura", explica.
A terapia comunitária também desempenha um papel central na recuperação de quem chega ao projeto. Durante as sessões, são construídas redes sociais solidárias através de conversas em grupo, que abrem espaço para a partilha de experiências, reclamações, dúvidas e anseios, sempre mediadas por um voluntário ou funcionário.
Afeto
"A gente tem profissionais de Psicologia que vêm estagiar aqui, mas o foco da terapia nesse espaço é o grupo. A maioria das pessoas não tem coragem de se abrir com o filho, com o marido, com a mãe. Quanto tempo a gente passa sem abraçar os pais? A gente esquece desses valores de dentro de casa. E aqui, a primeira coisa que se recebe é um abraço", afirma Cristina.
O terceiro serviço oferecido no Mismec é a massoterapia. Em cabines dedicadas exclusivamente às sessões, massagem, argila, música e aromas são empregados em conjunto, a fim de aliviar dores e tensões, promovendo o relaxamento. No restante da programação, são desenvolvidas atividades como yoga, alongamentos, acupuntura, reiki, terapia para redução do estresse, conversas sobre nutrição e hipnose clínica.
Os pacientes chegam até o Projeto através do encaminhamento feito em postos de saúde ou unidades dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Uma vez encaminhado, cada um tem direito a dez sessões de massoterapia, dez resgates da autoestima e dez sessões de terapia comunitária. O tratamento pode continuar após a conclusão dos serviços, caso seja necessário.
"Nós já formamos três turmas de profissionais da saúde, da atenção básica, que fizeram o curso de terapia comunitária e resgate da autoestima para aplicar nos postos de saúde. Esses profissionais já encaminham para cá", diz Cristina. Ao todo, uma média de 180 pessoas são atendidas diariamente, segundo a coordenadora de gestão. Desde a fundação do Mismec, há 32 anos, já se somam mais de 2,2 milhões de atendimentos.
Doações
O Movimento é um dos polos da Associação Brasileira de terapia Comunitária Integrativa (Abratecom) no Ceará. A organização visa fortalecer o desenvolvimento desse tipo de terapia, congregando instituições responsáveis pelas capacitações de novos profissionais. Até 2014, a Abratecom reconheceu e credenciou mais de 40 Polos Formadores e de Cuidado localizados nas cinco regiões brasileiras.
O Projeto 4 Varas é uma entidade civil sem fins lucrativos, de caráter filantrópico e base comunitária. É também um projeto interdisciplinar do Departamento de Saúde Comunitária da Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC), e se mantém através de uma parceria com a Prefeitura de Fortaleza, que custeia as despesas de energia, água e os salários dos profissionais contratados.
"A gente recebe doações dos alunos da UFC, do curso de Psicologia, que vêm para cá no primeiro e segundo semestres. Eles trazem alimentos, materiais de limpeza, itens de primeira necessidade", revela Cristina. "A gente precisa buscar mais projetos, fazer parcerias com outros órgãos para que possam ajudar na manutenção".
Todos os serviços são prestados por uma equipe de 22 pessoas, formada majoritariamente por voluntários. Entre elas está Ana Cecília, que foi contratada como funcionária em 2019, após seis anos como voluntária. Para ela, esta é uma oportunidade de retribuir o bem que o projeto lhe proporcionou em sua fase mais crítica.
"Eu não vejo diferença entre ser voluntária e ser funcionária. Pra mim, dá no mesmo. Meu amor por essas pessoas é tão grande. Eu acabei esquecendo o sofrimento que tive com meu pai. Meu interesse era estar aqui, ajudando".