Aos cientistas e profissionais da saúde foi entregue o enfrentamento à pandemia da Covid-19 em meio à disseminação de caminhos desconhecidos para prevenção e tratamento da doença. O Diário do Nordeste reúne momentos em que substâncias do ‘kit Covid’ começaram a ser utilizadas no Ceará, o desenvolvimento de pesquisas e a conclusão internacional sobre a ineficácia dos medicamentos em relação ao coronavírus.
Confira as etapas de uso dos remédios pela Secretaria da Saúde do Ceará, Ministério da Saúde e análise feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A combinação de medicamentos - entre eles hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina - ganhou notoriedade popular como ‘kit Covid’ para prevenção e tratamento da Covid-19. As substâncias chegaram a ser utilizadas pelos hospitais públicos e privados do Estado logo quando confirmados os primeiros casos da doença, em março de 2020. O Ministério da Saúde manteve a posição de recomendar o combo de remédios mesmo com o avanço dos estudos científicos contrários até voltar atrás em julho deste ano.
“No início da pandemia, a Ciência passa a buscar alternativas de tratamento com medicamentos utilizados em outras infecções virais. Se buscou avaliar a eficácia, inclusive, de remédios não antivirais, mas com o potencial de ter algum benefício”, lembra o médico infectologista, Robério Leite. Assim iniciaram estudos clínicos e autorizações para constatar se os protocolos testados possuíam efeitos positivos.
RECOMENDAÇÃO SECRETARIA DA SAÚDE
No dia 23 de abril de 2020 a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) divulgou nota técnica sobre o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina como medicamentos experimentais para o tratamento da Covid-19. Na ocasião, a Sesa orientou o uso das substâncias para a recuperação de pacientes internados em hospitais públicos e privados.
Entre as considerações da Sesa para prescrição dos medicamentos à época está o fato de não haver vacina ou tratamento eficaz seguro disponível para a doença que os profissionais da saúde desconheciam.
A Secretaria da Saúde orientou por meio da nota técnica o diálogo entre médicos e familiares para a explanação de dúvidas sobre os medicamentos. "Tais orientações, levaram em consideração que não há estudos robustos efetivos que demonstrem eficácia da Hidroxicloroquina e Cloroquina na redução de mortalidade ou melhora dos desfechos clínicos no paciente com COVID-19 e que a prescrição do seu uso deverá ser feita por decisão do médico com o paciente e com familiares".
Mesmo com a recomendação inicial, a Sesa ponderou quanto aos efeitos colaterais como falência cardíaca, supressão medular, insuficiência hepática, insuficiência renal.
MUDANÇA NO POSICIONAMENTO ESTADUAL
Ao considerar "as melhores evidências científicas disponíveis", a Sesa resolveu retirar a recomendação, no dia 25 de maio de 2020, para uso da Hidroxicloroquina e da Cloroquina no tratamento de pacientes com a Covid-19. Na nova nota técnica, a Secretária destacou a autonomia dos médicos em tomar decisões que prevaleçam à recomendação - cabendo aos órgãos de fiscalização e regulação o julgamento e as providências éticas, caso necessário.
Para a decisão foi considerado estudo feito em 671 hospitais em seis continentes, com a participação de 14.888 pacientes que fizeram uso dos medicamentos. Eles "apresentaram significativamente maior risco de arritmias cardíacas, sobretudo com a combinação de Hidroxicloroquina e azitromicina, em comparação a pacientes que não fizeram uso dessas medicações". Os resultados foram publicados na revista internacional The Lancet.
A Secretária destacou não haver evidências científicas de que os medicamentos poderiam ser usados de forma profilática, ou seja, como prevenção à doença. Na ocasião, a Sesa também condicionou a prescrição dos medicamentos com o preenchimento do Termo de Ciência e Consentimento (TCC), aplicado pelo médico responsável.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE
A OMS resolveu suspender temporariamente as análises sobre a eficácia da Hidroxicloroquina com a divulgação feita no dia 29 de maio - motivada pelo estudo divulgado na The Lancet. Os dados de segurança foram revisados e avaliados quanto aos danos e benefícios pelo Conselho de Monitoramento de Segurança de Dados.
No dia 3 de junho foi divulgado que a OMS decidiu continuar o teste com hidroxicloroquina sobre tratamento contra Covid-19. O diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, explicou que a comissão examinadora não considerava a taxa de mortalidade como motivo para suspender os testes. Mais de 200 medicamentos foram analisados para determinar a eficácia no tratamento do novo coronavírus na época, com recrutamento de 3,5 mil pacientes em 35 países para ensaios clínicos.
No dia 1º de março de 2021 a OMS confirmou que hidroxicloroquina não serve para evitar Covid-19 com base nos estudos realizados. Os especialistas do Grupo de Desenvolvimento de Diretrizes da OMS, analisaram os resultados de seis ensaios clínicos com mais de 6 mil participantes.
As análises demonstraram que "a hidroxicloroquina não teve efeito significativo algum sobre os níveis de morte e admissão no hospital. Ao mesmo tempo, com grau de certeza moderada, é possível concluir que o medicamento não influencia a taxa de infecção e provavelmente aumenta o risco de efeitos adversos", como divulgado pela agência de notícias da OMS.
MINISTÉRIO DA SAÚDE
O Ministério da Saúde, na época liderado por Luiz Henrique Mandetta, anunciou, no dia 25 de março de 2020, o uso da cloroquina no tratamento de pacientes com quadros graves da Covid-19. O titular enfatizou que a substância deveria ser usada apenas em ambiente hospitalar pelo risco de arritmia como efeito colateral. Naquele momento o país tinha, oficialmente, 57 mortes e 2.433 casos da doença.
No dia 18 de junho de 2020 o Ministério da Saúde divulgou a ampliação da indicação de uso da cloroquina como tratamento precoce para crianças, adolescentes e gestantes. A possibilidade da prescrição da substância era válida de casos leves a graves com base no critério médico e consentimento do paciente ou responsável.
No dia 23 de outubro de 2020 o Ministério da Saúde divulgou balanço padrão das ações no enfrentamento à pandemia da Covid-19 e ressaltou a distribuição de 24 milhões de medicamentos. Foram 5,8 milhões de unidades de cloroquina e aproximadamente 18 milhões de oseltamivir para todos os estados com investimento de mais de R$ 67 milhões. “Ainda de acordo com o balanço de entregas da pasta da Saúde, foram atendidas as demandas dos estados para Hidroxicloroquina. Ao todo foram distribuídos 289 mil comprimidos em 11 municípios para oito estados”, informou o Ministério em informativo no site.
RECONHECIMENTO DA INEFICÁCIA
O Ministério da Saúde reconheceu a ineficácia de muitas substâncias disseminadas entre a população como possibilidade para o tratamento ou prevenção da doença em nota técnica enviada à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado - que investiga as ações do Governo Federal durante a pandemia. O documento foi assinado eletronicamente no dia 27 de maio, mas ganhou repercussão nacional no dia 14 de julho.
“Alguns medicamentos foram testados e não mostraram benefícios clínicos na população de pacientes hospitalizados, não devendo ser utilizados, sendo eles: hidroxicloroquina ou cloroquina, azitromicina, lopinavir/ritonavir, colchicina e plasma convalescente. A ivermectina e a associação de casirivimabe + imdevimabe não possuem evidência que justifiquem seu uso em pacientes hospitalizados, não devendo ser utilizados nessa população”, apresentou o texto.
EFEITOS PREJUDICIAIS DO ‘KIT COVID’
O risco evidente do uso excessivo das substâncias do ‘kit Covid’ podem ocasionar problemas cardíacos até insuficiências renais. “Existe potencial explosivo nos danos que isso pode provocar para a saúde humana. Com os estudos avançados, infelizmente, se identificou que esses medicamentos são ineficazes. Esses medicamentos, isoladamente ou em combinação, não têm eficácia”, completa.
Os prejuízos também são observados no relaxamento das medidas comprovadas como eficazes para a prevenção da doença. “Essas substâncias não têm potencial para tratar e nem prevenir a Covid-19, mas tem pessoas que seguem tomando e se sentem seguras para abdicar de se vacinar e de usar máscaras porque acham que estão livres”, conclui Robério Leite.