Além do preconceito, direitos de LGBTQIA+ esbarram na falta de leis específicas e de acolhimento
Advogadas e ativistas afirmam que Legislativo é omisso – e que conquistas da comunidade são fragilizadas pela falta de apoio da sociedade
Família expulsa adolescente de casa porque é lésbica. Político se assume gay e sofre ataques. Homem persegue, aborda, agride, derruba a travesti no chão. Ela bate a cabeça. Morre. E, para grande parte da sociedade, tudo está normal.
Antes e depois de 1990, quando homossexualidade deixou de ser oficialmente considerada doença, foram muitas as conquistas da população LGBTQIA+ no Ceará e no mundo – mas os direitos de ser e de existir ainda esbarram na falta de leis específicas e de respeito, como analisam advogadas e ativista ouvidas pelo Diário do Nordeste.
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Muitos dos direitos assegurados no papel à população LGBTQIA+ não vêm por meio de leis, mas de normas impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – instáveis e “muito mais suscetíveis a revisões”, como pontua Kol Nunes, advogada do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra.
No Ceará, temos leis estaduais e municipais. Mas não fica algo coeso no Brasil, a pessoa depende do território para acessar. Algumas leis garantem direitos apenas no serviço público, não no privado. É uma legislação recortada.
A advogada alerta, ainda, que essa falta de coordenação resulta num dos maiores e mais graves problemas: a efetivação das denúncias de violência. “Muitas vezes, as pessoas não sabem que instrumentos acessar, a que órgão recorrer”, afirma.
Outro aspecto que agrava essa subnotificação dos casos de LGBTfobia é a falta de um sistema de proteção. “Na realização da denúncia, a vítima fica vulnerável. Com a Lei Maria da Penha, foi criado todo um sistema de proteção à mulher, e ele também é necessário para a população LGBT”, frisa.
O que falta ainda, segundo Kol, é uma legislação que proteja essa população de maneira integral. “A lei do racismo, utilizada para criminalizar a LGBTfobia, foi pensada para atender a população negra: mas algumas particularidades da violência contra pessoas trans, por exemplo, não estão lá”, destaca.
Ainda está pendente um julgamento do STF em relação ao uso dos banheiros, o que é fundamental para a educação, já que o constrangimento é um grande motivo de evasão escolar. Existe uma lacuna.
Corpo de leis deve ser ‘mais robusto’
Em teoria, os direitos da população LGBTQIA+ deveriam, sim, ser os de qualquer ser humano, como os previstos por vários artigos da Constituição Federal – que prega que todos são iguais perante a lei.
O problema é que no país que mais mata essas pessoas no mundo, “é preciso de algo mais concreto e específico”, como pontua Eridiana Macedo, membro da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da OAB Ceará.
Assim como existem os Estatutos do Idoso, da Criança e do Adolescente e das Pessoas com Deficiência, por exemplo, é preciso um corpo legal mais robusto, mais claro e menos omisso sobre a população LGBTI+.
Assim como Kol, Eridiana também alerta para o fato de que STF e CNJ precisam intervir para assegurar as conquistas. “Existem vários projetos de lei que caducam e não são votados. Precisamos cobrar o Legislativo em todas as esferas: municipal, estadual e federal”, destaca.
Para ela, três pontos são cruciais para mitigar a discriminação sexual e de gênero: “o combate à omissão do Legislativo; disseminar informação na mídia, que precisa falar do tema; e criar políticas públicas afirmativas”.
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É preciso acolhimento
Parte desse universo de problemas que atingem as pessoas LGBTQIA+, aliás, começa dentro de casa: na falta de acolhimento familiar, embasada numa sociedade que alimenta o preconceito e o ódio contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e todas as sexualidades e identidades rotuladas como “fora do normal”.
Dediane Souza, pesquisadora e diretora da Rede Trans Brasil, aponta que muitas das demandas da população LGBTQIA+ estão, sim, no campo da execução de leis e políticas públicas, mas que muitas ainda são subjetivas – conquistou-se o direito à retificação do registro civil de pessoas trans, por exemplo, mas o simples nome social é desrespeitado num atendimento médico.
Precisamos refletir, enquanto sociedade, na mudança de uma norma em que ainda é aceitável discriminar o outro. Isso leva tempo e precisa do engajamento do Estado, do terceiro setor, da comunicação.
A pesquisadora destaca ainda que, no campo legislativo, apenas dois dispositivos incluem expressamente os LGBTI+: “a Lei Maria da Penha, que inclui transexuais e travestis, e o Estatuto da Juventude, que reconhece o direito à diversidade”.