A cidade ideal para se viver. O conceito é mesmo possível?

Com mais de 2 milhões de habitantes e em grande crescimento, Fortaleza respira por mudanças significativas e urgentes sob áreas diversas

Escrito por
Renato Bezerra - Repórter producaodiario@svm.com.br
(Atualizado às 10:53)

Caminhar por uma calçada no bairro Jóquei Clube, cheia de buracos, pedras e deformação do solo, é um exercício diário de concentração e cuidado para não cair, especialmente pela alta demanda de pedestres no trecho, em virtude do ponto de ônibus instalado no local. Independente da incidência de chuva, o problema parece crônico, pois há anos permanece imutável. Por outro lado, as ilhas de calor, potencializadas por uma cidade que perdeu ou não cuidou devidamente do seu verde com o crescimento, traz incômodo, especialmente para quem gosta de andar ao ar livre. A falta de acessibilidade em alguns pontos de Fortaleza e os efeitos do clima sobre a cidade são somente exemplos do cenário que esbarra no conceito de cidade ideal para se viver, assim como problemas no trânsito, a ocupação desordenada em áreas deficientes de serviços, insegurança na cidade, entre outras questões que afligem o cidadão, se tornando um grande desafio para o Plano Fortaleza 2040. Mas afinal, qual o conceito de cidade ideal? E o que fazer para conseguir tal feito? No dia em que a Capital completa 291 anos, a reportagem que fecha o especial referente à data responde essas questões pela avaliação de especialistas nas áreas de mobilidade, urbanismo, segurança e meio ambiente.

Meio ambiente

Preservar e potencializar as áreas verdes

Do ponto de vista ambiental, potencializar as unidades de conservação, parques ecológicos e demais áreas verdes, é a solução para uma cidade que sofre com a degradação, segundo avaliação do professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Jeovah Meireles. É urgente, segundo Meireles, a viabilização de uma rede de saneamento básico de forma universal. “Desde a água que sai das casas até o saneamento básico dos sistemas hídricos. Associada a essa dimensão, a revegetação das margens dos sistemas fluviais, a retirada das construções irregulares das margens dos rios e canais. Nessa dimensão estaríamos tratando de cidades com sistemas ambientais dotados de recursos hídricos que são a base da qualidade de vida, da saúde comunitária e do bem-estar coletivo”. Outra solução apontada é a adoção de políticas públicas de gestão de resíduos sólidos, transformando os lixões em grandes sistemas colaborativos e de reciclagem. 

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Espaços públicos

Valorizar o pedestre e a história da cidade

Para o professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Almir Farias, o conceito de cidade ideal passa pela perspectiva de promover mais espaços públicos de convivência, com praças e passeios adequados à população, onde os moradores possam andar pela cidade, reafirmando uma boa relação com ela. “Não é uma solução simples e não existe uma solução única possível. É preciso tratar uma política de pedestrianismo, de mobilidade de massa, de vontade de ir para rua”. Em reforço a isso, o especialista defende uma maior valorização dos centros históricos, já tão prejudicados pela modernização da cidade. “Se mantivéssemos os casarios dos anos 20, 30, hoje teríamos um centro primoroso, sendo uma das áreas mais reluzentes do Brasil em termos de preservação patrimonial. Ao se destruir essa grandes casas se destruiu também as áreas verdes, e a cidade perde o microclima. E o sol na nossa terra é difícil, o que faz com que as pessoas evitem andar”, diz.

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Acessibilidade

Mobilidade e acessibilidade sustentáveis

Segundo o professor doutor André Lopes, do Laboratório de Pesquisa e Inovação em Cidades (Lapin), da Universidade de Fortaleza (Unifor), resolver a mobilidade de uma cidade é pensar na acessibilidade, de forma que as pessoas alcancem seus destinos gastando o mínimo de recurso possível. Para isso, conforme avalia, não basta se ater a alterar o sistema de transportes, sendo necessário planejar a cidade de modo integrado. “Solução para os transportes associada a soluções para o uso do solo, como localizações das atividades, controle das ocupações, da criação de polos geradores de viagens. Isto é urgente e indispensável”, diz. Além disso, defende a criação de uma cultura de transporte menos individualista e mais coletiva. “Menos apoiada em consumo energético e mais sustentável. A melhor política que qualquer cidade ou estado pode implementar para alcançar bons resultados e benefícios equanimemente distribuídos à população, seria de uma verdadeira política de participação popular”.

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Segurança

Ocupar como um exercício de cidadania

Um ambiente seguro, onde é possível desfrutar a cidade em sua plenitude é desejo de todo e qualquer habitante. Para o sociólogo César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da UFC, isso passa a ser possível quando há uma ocupação generalizada das ruas e de todos os demais espaços públicos, inibindo a sensação de insegurança, e acabando com a classificação de locais seguros ou perigosos. Para isso, defende discussões e adoção de campanhas de incentivo. “É um exercício de cidadania. Deveríamos ter muitas discussões sobre o que é um espaço público, levar a uma efetiva consciência de cidadania, de igualdade, de tolerância, de respeito. Acima de tudo, é preciso campanhas educativas de práticas de cidadania. Uma cidade ideal para mim é aquela que pudesse manter uma perfeita integração entre idosos e jovens, pobres e ricos, uma cidade que tivesse e fosse cultivado o respeito, a cidadania e as diferenças”, comenta César Barreira. 

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