Crise financeira e dívidas ameaçam continuidade de times do interior do Ceará; veja raio-x

Clubes tradicionais do estado encontram dificuldades para seguir em frente e buscam resistir da maneira que conseguem

Legenda: Icasa disputou a Série D em 2022.
Foto: Matheus Amorim / Icasa

Na última segunda-feira (12), o Guarany de Sobral, tradicional clube do interior cearense, anunciou a suspensão de suas atividades por tempo indeterminado. A decisão ocorreu devido a uma grave crise financeira que assola o clube. Mesmo a equipe sobralense já tendo anunciado o retorno de todos os trabalhos, um alerta é ligado e fica a pergunta: como estão outras equipes tradicionais do nosso estado? 

Dos 184 municípios cearenses, apenas oito cidades do interior têm representantes nas três primeiras divisões do futebol estadual. Barbalha, Guarani de Juazeiro e Iguatu disputaram a Série A neste ano. O Guaraju foi rebaixado para a segunda divisão. Na Série B de 2023 estiveram Crateús e Crato, que foram rebaixados para a Série C, Guarany de Sobral, Icasa e Itapipoca. Já na última divisão estadual, que começou no fim de semana passado, estão o Cariri e o Limoeiro.

Tendo apenas dois clubes do interior para o ano que vem - Barbalha e Iguatu -, hoje, podemos dizer que a Série A do Campeonato Cearense se tornou praticamente um campeonato metropolitano. Com o passar dos anos, equipes tradicionais, que fizeram história em nosso estadual, como Itapipoca, Quixadá, Boa Viagem, Limoeiro, Cratéus e tantas outras, foram perdendo força e seguem longe de retomar os tempos de protagonismo, figurando nas divisões inferiores do futebol cearense ou até mesmo encerrando suas atividades profissionais de forma definitiva.

A partir desta breve explanação, o Diário do Nordeste ouviu representantes dos tradicionais Guarani de Juazeiro, Icasa e Iguatu para entender a realidade do interior do nosso estado. A dupla de Juazeiro do Norte vive uma situação um pouco mais complicada do que o Azulão do Centro-Sul, que vem conseguindo estabilizar suas finanças com bons resultados em campo. 

Guarani de Juazeiro

A situação do Guarani de Juazeiro não é muito diferente da do homônimo de Sobral. Bicampeão da Taça Fares Lopes em 2012 e 2016 e vice-campeão cearense em 2011, o Leão do Mercado esteve 10 anos consecutivos na Série A do Campeonato Cearense, entre 2010 e 2019, e viveu o momento mais difícil de sua história em 2020, quando caiu para a Série C do Campeonato Cearense. 

Porém, o clube rubro-negro deu esperança ao seu torcerdor e, de forma meteórica, voltou para a elite estadual, sendo campeão da terceira e da segunda divisão estadual em sequência, nos anos de 2021 e 2022. 

guarani
Legenda: Equipe do Guarani recebendo a taça do Campeonato Cearense Série B de 2022, seu último título.
Foto: Ednardo Alves/SVM

Já em 2023, na atual temporada, a expectativa era de uma boa campanha na Série A, mas o clube decepcionou e foi rebaixado novamente para a segunda divisão em sua 38ª participação na elite estadual. Sofrendo com a falta de apoio, a equipe de Juazeiro do Norte agora se prepara para disputa da Taça Fares Lopes, porém apenas para cumprir tabela, como revela de forma direta e objetiva o presidente Suárez Leite Machado. 

suárez
Legenda: Suárez Leite Machado é o atual presidente do Guarani de Juazeiro.
Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal

"O apoio é zero. O Guarani não recebe absolutamente nada. Nós iremos com a equipe apenas para cumprir tabela e evitar punições. Não temos apoio do município, da federação, nem de ninguém. Estamos trabalhando somente com alguns atletas profissionais que permaneceram da equipe que disputou o Campeonato Cearense, além de alguns jogadores da base do Campo Grande que farão parte do nosso time’, afirma.

Icasa

Icasa
Legenda: Icasa disputou a Série D em 2022.
Foto: Matheus Amorim / Icasa

Atualmente, o Icasa, o maior time da Região do Cariri, está distante de seus melhores dias e vive uma realidade não muito diferente dos outros clubes do interior brasileiro, que dependem do apoio público. No entanto, o Verdão ainda encontra em sua torcida o suporte e a determniação necessários para seguir adiante, como explica Fabiano Rodrigues, diretor executivo de futebol do clube. 

Fabiano
Legenda: Fabiano Rodrigues é diretor executivo do Icasa desde o início de 2022.
Foto: Reprodução / Instagram

"A realidade financeira do Icasa hoje não é muito diferente da maioria dos clubes do interior. Infelizmente, ainda enfrentamos no futebol cearense uma situação bastante comum em outros estados, que é a dependência dos clubes em relação ao apoio público. Essa ajuda, quando ocorre de forma significativa, faz com que alguns times tenham temporadas de destaque. Enquanto o prefeito ou gestor tiver interesse pelo futebol, o clube da cidade estará em boa situação. No entanto, quando isso não acontece, o clube simplesmente desaparece. Porém, o Icasa, diferentemente desses clubes, possui história, tradição e uma torcida. Isso nos permite estar em uma posição um pouco melhor, sem depender tanto do poder público. No entanto, a situação financeira do Icasa é complicada devido a diversos fatores. Existem muitas dívidas trabalhistas, ações judiciais e bloqueios, o que torna a situação bastante difícil", disse.

O que dificulta ainda mais a vida financeira do Icasa são as ações que tramitam na justiça contra o clube. Isso resulta no bloqueio de recursos, que vão desde receitas geradas pelo estádio até cotas que a equipe deveria receber por participar de competições da CBF. De acordo com Fabiano, a possível salvação para o clube de Juazeiro do Norte pode ser o processo judicial movido pela agremiação contra a própria CBF, devido ao prejuízo causado pelo não acesso à Série A em 2013, mesmo com a entidade admitindo que o Figueirense, 4º colocado, escalou um jogador irregular na época. 

"O Icasa possui diversas dívidas em aberto. O clube enfrenta um grande número de processos trabalhistas, com valores vultuosos, resultando no bloqueio de algumas verbas. Cerca de 15% da arrecadação na Arena Romeirão é imediatamente penhorada pela justiça do trabalho logo após os jogos. No ano passado, o clube não recebeu nenhuma cota de participação em competições. Tanto no Campeonato Brasileiro Série D quanto na Copa do Brasil, todo o valor ficou retido. Isso, sem dúvida, dificulta ainda mais o andamento das finanças do clube. Temos um processo judicial de grande montante em curso contra a CBF, amplamente conhecido, que pode ser a salvação para quitar as dívidas e permitir a reestruturação do clube. No entanto, enquanto isso, o Icasa enfrenta de fato alguns bloqueios judiciais", afirmou.

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Legenda: Em 2013, o Icasa ficou muito perto de conquistar um histórico acesso para a Série A do Campeonato Brasileiro.
Foto: Normando Sóracles

Longe dos holofotes de quando esteve próximo de alcançar a Série A do Campeonato Brasileiro, ou mesmo quando participava das competições nacionais na Série B ou C, o Icasa vive uma realidade totalmente oposta. Na segunda divisão do Campeonato Cearense, após um erro considerado amador no meio do futebol, o Verdão não conquistou o acesso à elite na atual temporada e vê na Taça Fares Lopes, competição para a qual está se preparando, uma oportunidade de retornar ao cenário nacional. Segundo Fabiano, apesar de muitos anos figurando entre os principais clubes do país, o Verdão do Cariri não possui um legado para chamar de seu e enfrenta inúmeras dificuldades para manter suas operações mensalmente.

"O Icasa enfrenta atualmente muitas dificuldades decorrentes de gestões prejudiciais. O clube teve quatro participações na Série B do Brasileirão, com boas cotas e condições favoráveis, no entanto, o legado financeiro e estrutural deixado é praticamente inexistente. Atualmente, o Icasa possui um centro de treinamento com uma estrutura básica contendo um campo, além de demandar alguns funcionários. Mesmo quando o clube não está em atividade, sem calendário definido, há despesas mensais a serem cobertas. Quando estamos participando de alguma competição, a despesa aumenta significativamente, principalmente em relação aos salários. Atualmente, o time está se preparando para disputar a Fares Lopes e possui uma folha salarial relativamente alta para os padrões da competição, uma vez que não há nenhum tipo de incentivo financeiro por parte da federação. Portanto, qualquer investimento feito para essa competição acaba se tornando relevante, independentemente do valor. No entanto, devido à natureza do Icasa e às exigências impostas sobre ele, não é possível manter uma operação mensal de baixo custo. É uma situação bastante difícil de ser mantida todos os meses", ressaltou.

De acordo com o diretor, atualmente o clube é gerido por um comitê composto por 10 conselheiros, os quais são responsáveis por buscar o apoio financeiro necessário para manter a equipe em funcionamento. Além disso, ressalta-se que o Icasa segue de pé graças à sua torcida apaixonada, que persiste e enfrenta as dificuldades com determinação.

Torcida icasa
Legenda: Torcida do Icasa segue resistindo e apoiando o time na esperança de dias melhores.
Foto: Matheus Amorim / Icasa

"Além disso, é importante mencionar a questão dos patrocínios e parcerias. Temos um convênio com a prefeitura de Juazeiro do Norte, que embora não seja a principal fonte de recursos do clube, deve ser mencionado. As receitas provenientes dos jogos realizados no estádio também são importantes. O Icasa, por possuir uma torcida expressiva, tem uma média de público considerável e um bom saldo nas partidas. Após a reforma, a Arena Romeirão se tornou uma infraestrutura que, apesar dos altos custos para mandar jogos lá, tem permitido ao clube obter bons lucros. Basta observar que a última rodada da Série B do Campeonato Cearense teve quase 10 mil pagantes, um público significativamente maior do que a final do Campeonato Piauiense da Primeira Divisão, por exemplo. Isso de fato evidencia que o Icasa é um clube com uma torcida presente, que consome produtos licenciados como camisas, copos, chinelos, chaveiros, entre outros. Em resumo, a receita do clube é baseada principalmente nessas fontes", complementou.

POR UM CAMINHO DIFERENTE

Iguatu
Legenda: Iguatu vive o melhor momento da sua história.
Foto: Pedro Chaves / FCF

O Iguatu está vivendo um momento, de certa forma, extraordinário em sua breve história. Fundado em 2010, o Azulão do Centro-Sul obteve o terceiro lugar no Cearense de 2022, o que lhe assegurou um calendário recheado para 2023. Nesta temporada, além do Estadual, a equipe fez sua estreia em competições nacionais, disputando a Copa do Brasil e o Brasileirão Série D.

Segundo Gabriel Uchoa, ex-presidente do clube e atual diretor executivo, a principal fonte de receita para a continuidade do Iguatu é o apoio da prefeitura local e do setor privado da região, representado por empresários e comerciantes locais.

"Nós contamos com um apoio muito importante da prefeitura municipal de Iguatu e também de empresários locais, liderados pela empresa Zenir Móveis. Metade da nossa receita provém do comércio local, o que é extremamente significativo para um time do interior do estado. Acredito que, entre as equipes do interior, o Iguatu seja a que recebe mais apoio da iniciativa privada. Isso representa a nossa principal fonte de renda, sem esquecer, é claro, da nossa torcida. Temos também o programa de sócio-torcedor, no qual alguns torcedores compram ingressos anuais para ajudar a instituição. Além disso, temos as receitas das bilheterias dos jogos, que também são uma fonte de renda importante para a ADI, já que a cidade de Iguatu é conhecida por ser uma das maiores praças esportivas e atrair grande número de torcedores no interior do estado. Portanto, essas receitas têm grande valor e importância para a instituição", afirmou.

Gabriel
Legenda: Gabriel Uchoa (direita) já foi presidente e hoje faz parte da diretoria do Azulão.
Foto: João Marcos Lima / ADI

No Estadual deste ano, o time comandado por Washington Luiz mais uma vez foi semifinalista, garantindo assim uma vaga na Série D e, como bônus, assegurou sua participação na Pré-Copa do Nordeste do próximo ano. Além disso, o Azulão também disputará a próxima edição da Copa do Brasil, graças ao título conquistado pelo Ceará na Copa do Nordeste. Na Copa do Brasil de 2023, o Iguatu fez história ao eliminar o América/RN na primeira fase e se classificar para enfrentar o Santos/SP, na Vila Belmiro.

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Legenda: Equipe do Centro-Sul participa pela primeira vez da Série D em 2023.
Foto: João Marcos Lima / ADI

Gabriel considera que os bons resultados dentro de campo são fundamentais para equilibrar as finanças, porém também ressalta que as despesas aumentam, uma vez que o clube mantém suas atividades ao longo de todo o ano.

"De fato, o time possui atualmente uma estrutura financeira equilibrada, devido à vaga na Copa do Brasil, que já gerou receita, assim como a passagem de fase, que trouxe um valor extra para nossa equipe. Não podemos esquecer também que o Iguatu tem um calendário cheio pela primeira vez. Portanto, essas receitas chegam, mas as despesas continuam. Estamos disputando a Série D do Brasileiro com praticamente o mesmo time e a mesma folha salarial, ou até mais, em comparação ao Campeonato Cearense. Ao colocar tudo isso na ponta do lápis, incluindo a alimentação dos atletas com todas as refeições do dia - café da manhã, almoço, lanche e jantar - despesas de farmácia e suplementação, facilmente ultrapassamos o valor de R$ 200 mil mensais para manter as atividades do clube", frisou.

Mesmo com os gastos elevados para manter a operação do clube, Gabriel afirmou que a diretoria do Azulão se empenha em manter tudo em dia. Ao longo dos 13 anos de história, a instituição teve apenas uma ação na justiça, o que demonstra um cuidado especial. Esses esforços contribuem para a equipe poder continuar se estruturando cada vez mais.

"A Associação Desportiva Iguatu, desde a sua fundação, enfrentou apenas uma demanda trabalhista. Atualmente, todas as suas certidões estão em dia. Isso é resultado de um trabalho obrigatório que realizamos com os colaboradores da instituição. Mantemos o salário de todos do Iguatu em dia e consideramos isso uma obrigação, não uma questão de mérito. Temos honrado nossos compromissos com os atletas e funcionários, realizando os pagamentos rigorosamente em dia e, em alguns casos, até antes da data prevista. Acreditamos que é um direito do atleta receber seu salário em dia e é o mínimo que a instituição pode fazer", finalizou.

 

 
 
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