Tentativa de chacina no Benfica foi motivada por desavenças entre membros de facções rivais
Moradores relatam sensação de insegurança frequente. A Polícia Civil pontua semelhanças do recente tiroteio com episódio da Chacina do Benfica, em 2018
Um lugar tranquilo, com policiamento e crianças brincando junto aos pais. Assim era a Praça da Gentilândia na noite da última quinta-feira, 48 horas após ter sido cenário de um ataque que deixou seis vítimas baleadas. As casas com idosos nas varandas relembram o tom de boêmia do bairro Benfica, que já não é mais pacato há alguns anos, e sim território disputado por facções criminosas rivais em busca de ponto para o tráfico de drogas. A tentativa de chacina ocorrida na terça-feira (13), em um bar na esquina da Praça, envolveu diretamente membros de facções rivais.
De acordo com o diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Leonardo Barreto, Walacy Paulo do Nascimento, 18, foi ao local em busca de assassinar um desafeto, identificado como 'Dani Boy'.
Conforme o delegado, em entrevista exclusiva ao Sistema Verdes Mares, a rixa específica entre a dupla não era motivada pela busca de território, mas sim pelo fato de Walacy acreditar que quem não pertence a sua facção deve morrer a qualquer custo. "Ele teria recebido informação que o desafeto estava na Praça. Foi ao local armado, não o encontrou, e saiu efetuando disparos contra quem estava lá", contou Leonardo.
Fato similar já havia sido registrado no mesmo ponto, há quase três anos. Em março de 2018, sete pessoas foram assassinadas e outras três feridas em um episódio que ficou conhecido como Chacina do Benfica. O real alvo de membros da organização criminosa Guardiões do Estado (GDE) não estava no local, mas quando um primo dele foi reconhecido pelos homicidas, começou o tiroteio.
A repetição no modus operandi depois de um lapso temporal é destacada por Leonardo Barreto: "Tudo da Chacina do Benfica é muito semelhante a este último episódio. Existia um alvo a ser eliminado por uma razão: por pertencer a uma organização criminosa rival do algoz. O indivíduo chegando ao ambiente entende que aquelas pessoas têm relação mesmo que indireta com o rival e atira. Quem fosse amigo do 'Dani Boy' seria inimigo dele. A filosofia é essa. O amigo do meu inimigo também é meu inimigo".
'Dani Boy' também é um "velho conhecido" dos policiais militares que diligenciam na área do Benfica. Conforme PMs que conversaram com a reportagem, e terão suas identidades preservadas, Daniel é traficante e fornece drogas aos frequentadores da Praça, em sua maioria estudantes universitários.
Investigação
Walacy Paulo do Nascimento foi preso em um prédio residencial instantes após o ataque, onde buscou refúgio no local com um adolescente, que também foi apreendido pelos policiais que participaram das diligências, mas até o momento nada aponta que ele seja membro de facção. A Polícia não deu detalhes sobre vínculos entre a dupla.
A câmera de segurança do bar onde aconteceu a tentativa de homicídio estava desligada no momento do crime. Porém, câmeras de estabelecimentos privados no entorno mostraram aos investigadores que Walacy disparou à queima-roupa. Uma das vítimas chegou a ficar a poucos centímetros distante da arma de fogo apontada pelo suspeito. Apesar dos múltiplos disparos, nenhuma das seis vítimas corre risco de morte. Ainda segundo a investigação, algumas das vítimas tinham antecedentes criminais. Não foi especificado quantas delas, nem por quais crimes.
De acordo com Leonardo Barreto, até então a PC descarta participação de outras pessoas neste crime, e o inquérito continua a cargo da 5ª Delegacia do DHPP. "Cada vez está mais difícil provas testemunhais em crimes assim. As pessoas temem se meter no meio da história. Contamos ainda mais agora com a tecnologia e Inteligência Policial. Uma vez o 'Dani Boy' sendo citado como alvo, ele é parte da investigação. Por que efetivamente ele seria morto ali? Ficou constatado que era a vontade do suspeito mesmo fazer aquilo. Não recebeu nenhum pagamento e nem se tratava de uma ação de batismo em facção", disse o diretor do Departamento de Homicídios.
Insegurança
Dois dias após a tentativa de chacina, não faltava policiamento ostensivo na Praça da Gentilândia. Enquanto a reportagem esteve no local foi vista uma base móvel e três patrulhas da Polícia Militar do Ceará (PMCE) rondando o entorno e realizando paradas estratégicas.
A tranquilidade aparente ao redor do equipamento público não deu conta de esconder as muitas placas de "vende-se" e "aluga-se" nos muros das residências cercados por restaurantes e bares. Em poucos minutos de conversa, policiais militares e moradores revelam: o local já não é mais sinônimo de boa moradia. "Quando tem policiamento, melhora. E quando não tem, parece que está abandonado", diz um morador do entorno da Praça da Gentilândia, com endereço no local há mais de 20 anos. "Eu nem saio muito que é para não ver o que está acontecendo. Tenho desgosto", complementa.
Os militares no local destacam que a tranquilidade percebida na última quinta-feira é característica de um cenário pós-tragédia. Segundo eles, o dia a dia no Benfica é tumultuado e marcado por aglomerações, mesmo com a pandemia. "Não costuma ser assim. Perdemos as contas já de quantas vezes nos últimos meses precisamos dispersar pessoas, conscientizar, falar sobre o uso da máscara. Já tivemos até que usar bala de borracha em situações que nos confrontaram".
Outra antiga moradora, esta com 84 anos de idade, conta desejar se mudar em breve: "A muvuca é grande. De uns três anos para cá, tudo isso aqui mudou muito. No dia que tentaram matar o pessoal ali eu estava lá dentro e ouvi de longe o barulho dos tiros. Dá medo até ficar na área perto do portão. É uma situação complicada. Quero ir para um canto mais sossegado. Já estou velha", disse.