PMs presos em operação atiraram em traficantes que recusaram pagar propina em Fortaleza

O Ministério Público descobriu ao menos 12 situações em que os agentes de segurança estariam envolvidos com crimes, como extorsão e corrupção

Escrito por
Messias Borges messias.borges@svm.com.br
(Atualizado às 08:42)
Foto-montagem mostra uma viatura da Polícia Militar presente na comunidade do Pôr do Sol, o que causou curiosidade de populares. E a perna de um homem ferida, em razão de disparos de arma de fogo
Legenda: Os policiais militares teriam atirado contra traficantes, ferindo ao menos um homem nas pernas, na comunidade do Pôr do Sol, em Fortaleza, em dezembro de 2022
Foto: Reprodução

A denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) contra uma organização criminosa formada por 16 policiais militares, em Fortaleza, elencou ao menos 12 situações em que os agentes estariam envolvidos com crimes, como extorsão e corrupção. Os PMs foram presos preventivamente na Operação Kleptonomos, deflagrada na última terça-feira (29).

No dia 3 de dezembro de 2022, policiais militares teriam atirado em traficantes que recusaram pagar propina, em uma abordagem realizada na comunidade do Pôr do Sol, na Grande Messejana, segundo a denúncia do MPCE - apresentada à Justiça Estadual no dia 21 de maio deste ano.

R$ 600
teriam sido cobrados por uma composição policial como 'cota' (expressão utilizada pelo grupo para identificar a propina). Entretanto, os criminosos estavam acostumados a pagar R$ 100 ou R$ 150, nas abordagens rotineiras.

Os investigadores do MPCE tiveram acessos a áudios e mensagens que revelaram que os traficantes acharam o valor elevado. "Na ocasião, os infratores se negam a pagar tal quantia e dizem que os agentes de segurança pública estariam mal-acostumados", narrou a denúncia.

"Ocorre que, logo em seguida, os áudios mostram que os policiais teriam efetuado disparos de arma de fogo contra os referidos traficantes, tendo em vista a negativa de pagamento da 'cota' por parte dos mesmos", completou o MPCE. Pelo menos um homem ficou com ferimentos na perna, causados pelos disparos.

Estariam na viatura o sargento da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Marcondes de Oliveira Braga e os soldados Danyvan Robert Souza da Silva e Airton Uchoa de Sousa Pereira. Eles foram denunciados pelo MPCE por integrar organização criminosa; colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinada a praticar tráfico de drogas; e corrupção passiva; e foram presos na Operação.

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Policiais exigiram mais de R$ 3 mil de mulher

Em outra situação descoberta pelo Ministério Público, três policiais militares teriam exigido R$ 3,6 mil de uma mulher "para não receber possíveis reprimendas policiais", na manhã de 23 de novembro de 2023, segundo a denúncia.

O sargento Flauber Pereira Assunção e o cabo Alisson Pinto Silva foram denunciados pelo MPCE e presos, na Operação. Já um soldado, que integrava a equipe policial, não foi denunciado pelo Órgão nem detido.

Os policiais militares teriam se utilizado do contato com outra mulher como "intermediária" da extorsão. "É possível também presumir que essa terceira pessoa (uma mulher não identificada) está ameaçada de morte, ameaça esta que é estendida à interlocutora, caso o dinheiro não seja pago", descreve o Órgão acusatório, na denúncia.

Na conversa, que se deu por meio de ligação telefônica que estava no alto-falante, F. Assunção ainda fala que o esquema desses pagamentos sorrateiros 'é grande', o que não deixa dúvidas de que o esquema de recebimento de dinheiro dos criminosos em detrimento da efetiva atuação das forças de segurança alcança níveis muitos maiores."
Ministério Público do Ceará
Em denúncia

PMs foram presos e afastados das funções

A Operação Kleptonomos foi deflagrada para cumprir 16 mandados de prisão preventiva e 17 mandados de busca e apreensão, contra policiais militares acusados de integrar a organização criminosa, na última terça-feira (29). Os mandados foram cumpridos em Fortaleza, Itaitinga, Maracanaú, Pacoti e Russas, além de Maceió (no Estado de Alagoas).

Dois suspeitos ainda foram presos em flagrante - um por estar na posse de drogas e o outro, de uma arma de fogo irregular. Uma prisão foi realizada em Maceió, onde um militar tinha residência, com apoio do Ministério Público de Alagoas.

Segundo o MPCE, o nome da Operação tem origem no grego clássico, a partir da junção de duas raízes: 'klepto', que significa 'roubar' ou 'apropriar-se ilicitamente', e 'nomos', que representa 'lei', 'ordem' ou 'norma estabelecida'. 'Essa composição literal — 'aquele que rouba a lei' — traduz de forma direta a figura de quem usurpa a autoridade legal, cria regras próprias ou impõe um sistema paralelo de poder, em afronta ao ordenamento legítimo', pontua o Órgão.

O Ministério Público já ofereceu denúncia à Justiça contra os 16 policiais investigados por crimes como integrar organização criminosa, valendo-se da condição de servidor público; corrupção passiva; extorsão qualificada; e por colaborarem, como informantes, com grupo para a prática de tráfico de entorpecentes. A denúncia foi recebida, e os militares viraram réus.

Os policiais militares investigados também foram afastados das funções, por decisão judicial. A Vara da Auditoria Militar também decretou a quebra do sigilo dos dados de aparelhos telefônicos apreendidos com os PMs. 

Com a apreensão dos celulares e o acesso aos dados, o Gaeco espera chegar a mais crimes e a outros suspeitos de integrar a organização criminosa, já que o grupo combinava as ações por um grupo mantido no aplicativo WhatsApp.

O que diz a defesa dos militares

defesa de sete policiais militares denunciados e presos, representada pelos advogados Manuel Micias Bezerra, Francisco José Sabino Sá e Filipe D'Ávila, destaca que, "após ter acesso aos autos da investigação, constatou-se que o procedimento investigativo ocorreu no período de novembro de 2022 a novembro de 2023, quando teriam ocorrido os supostos fatos atribuídos aos policiais".

Causa estranheza à defesa o fato de que, ao longo de toda a investigação conduzida sob sigilo absoluto, nenhum dos policiais foi ouvido ou intimado a prestar esclarecimentos, sendo-lhes negada, desde o início, a oportunidade de apresentarem qualquer defesa ou versão dos fatos. A investigação, portanto, seguiu de forma unilateral, sem garantir ao contraditório nem a ampla defesa em fase pré-processual.
Manuel Micias Bezerra, Francisco José Sabino Sá e Filipe D Ávila
Advogados de defesa

Segundo os advogados, "as prisões preventivas ora executadas, mais de dois anos após os supostos acontecimentos, revelam-se absolutamente extemporâneas, sem amparo em fatos atuais que justifiquem a medida extrema (ultima ratio), principalmente diante da primariedade dos acusados, do exercício regular de suas funções públicas, da existência de domicílio fixo e da ausência de riscos relevantes no momento em que a medida é imposta, uma vez que a prisão preventiva exige contemporaneidade dos fatos".

"A defesa já está adotando todas as medidas judiciais cabíveis para restabelecer a liberdade dos seus constituintes e reafirma sua confiança de que, ao final, a verdade dos fatos prevalecerá, com pleno respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa", completou.

As defesas dos outros policiais militares não foram localizadas pela reportagem, para comentar a denúncia e as prisões. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

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