PMs acusados de 'metralhar' turistas europeus em Fortaleza vão a júri 17 anos após o crime

O italiano Innocenzo Brancatti e a esposa dele à época havia acabado de buscar um casal de amigos, espanhóis, no Aeroporto de Fortaleza, quando tudo aconteceu

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: A caminhonete na qual as vítimas estavam foi atingida por dezenas de tiros efetuados por composições da PM
Foto: Arquivo Diário do Nordeste

Mais dois policiais militares acusados de 'metralhar' o veículo onde estavam três turistas europeus e uma brasileira vão a júri popular. Marcelo Lima Alves e Francisco Eloy da Silva Neto devem sentar no banco dos réus quase 17 anos após o crime. O julgamento está programado para acontecer no dia 4 de abril de 2024, às 8h30, no 2º Salão do Júri do Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza.

A dupla foi pronunciada junto aos demais acusados e recorreu em todas as instâncias, sendo a última decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na última sexta-feira (21), a data do júri do ocorrido que ficou conhecido como 'Caso Hilux' foi publicada no Diário da Justiça.

As tentativas de homicídio fizeram parte de uma ação desastrosa com participação de oito policiais na Avenida Raul Barbosa. O italiano Innocenzo Brancatti e a esposa dele à época haviam acabado de buscar um casal de amigos, espanhóis, no Aeroporto de Fortaleza, quando tudo aconteceu. O veículo no qual estavam, uma Hilux de cor preta, foi confundido com uma caminhonete S-10 vinho, que foi usada por criminosos para roubar um caixa eletrônico, no bairro Passaré.

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Legenda: De acordo com o italiano, o automóvel foi alvejado por, pelo menos, 25 disparos
Foto: Arquivo Pessoal

"EXTREMA LENTIDÃO"

Innocenzo Brancatti diz que "fica surpreso com a demora da Justiça, mas não tem sentimento de vingança contra os PMs". "Confio na Justiça brasileira, ao mesmo tempo fico triste pela extrema lentidão. É um tempo muito longo, desde 2007", acrescenta.

"A gente ainda aguarda também o reparo econômico, como para o meu amigo que era piloto, já que o reparo psicológico não é mais possível"
Innocenzo Brancatti
Vítima

Outros seis PMs também acusados do crime já tiveram desfecho processual. Em 2012, foram condenados a 24 anos de prisão, cada um: Antônio Eduardo Martins Maia e Luiz da Silva Barbosa. Eles recorreram da sentença e o recurso aguarda julgamento pelo Tribunal de Justiça desde 2018.

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Ainda em 2012, os agentes Rinaldo do Carmo Souza e Francisco Edemildo de Lima foram absolvidos da acusação, mediante decisão do Tribunal do Júri. Francisco Emanuel Rodrigues Felipe condenado a 3 anos e 6 meses de prisão. O sexto denunciado morreu, ao longo da instrução processual.

Os advogados que representam as vítimas, Leandro Vasques e Holanda Segundo, assistentes de acusação no processo, "ressaltam que o transcurso de 17 anos entre os fatos e o julgamento submete as vítimas a constantes processos de revitimização. Já foram incontáveis oportunidades em que tiveram que prestar longos e penosos depoimentos, rememorando toda a dor causada pelo episódio".

"A maioria dos Policiais que participaram da desastrosa operação foram julgados e condenados, mas nenhum deles iniciou o cumprimento de qualquer pena, pois seus recursos permanecem aguardando julgamento em 2º grau"
Assistência de acusação

ABORDAGEM DESASTROSA

A abordagem aconteceu na Avenida Raul Barbosa, em Fortaleza, por volta das 20h40. As vítimas estavam em uma Hilux. Além do italiano e da esposa dele, uma brasileira, dois espanhóis estavam na caminhonete. O piloto de aviões Marcelino Ruiz Campelo teve a pior lesão: ele ficou paraplégico de forma irreversível. A noiva dele, na época, Maria del Mar Santiago Almudever, não ficou ferida.

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Legenda: As marcas de sangue dentro do veículo são provas da ação violenta
Foto: Arquivo Pessoal

"O dia que aconteceu tudo isso foi um dia bonito, eu ia receber um casal de amigos, de espanhóis. Fui buscar eles no aeroporto, era um momento de felicidade. De repente aconteceu um fato dramático. Ninguém falou nada para parar o carro. Eu estava parado no sinal, sem demonstração de querer fugir. Começamos a ouvir tiros, barulho das balas no carro. Os tiros passaram em cima da cabeça das pessoas que estavam do meu lado Recebi duas balas, uma no braço e outra no pé", lembra o italiano.

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Legenda: A abordagem aconteceu na Avenida Raul Barbosa, em Fortaleza. As vítimas estavam em uma Hilux, alvo dos disparos dos PMs
Foto: Arquivo Pessoal

A pior parte foi 500 metros depois. Um carro da Polícia veio atrás, eu estava ferido, mas policiais começaram a atirar. Eu me abaixei no piso do carro, fiquei com o rosto nos pedais. Colocava minhas mãos na cabeça, um gesto de desespero. Meu amigo disse, em espanhol: 'eles não param'. Foram 25 balas que atingiram meu carro. Um momento de enorme desespero.
Innocenzo

A assistência de acusação destaca que "o Estado do Ceará jamais prestou qualquer auxílio ou solidariedade às vítimas de seus agentes públicos, buscou qualquer tentativa de negociar uma reparação dos danos".

Os policiais envolvidos na ação foram exonerados pelo então governador Cid Gomes (PSB), que pediu desculpas às famílias pelo crime.

 

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