Mães cearenses formam rede de apoio compartilhado e contra a violência policial no Ceará

Mães que tiveram filhos vítimas em ações policiais se unem em amparo emocional e cobram Justiça

Escrito por Redação ,
Mães reforçam pedido de Justiça para casos de violência ainda sem desfecho no Estado
Legenda: Mães reforçam pedido de Justiça para casos de violência ainda sem desfecho no Estado
Foto: Isanelle Nascimento

No contexto da perda de um filho por motivações ainda incompreendidas, a força materna se assemelha a uma guerra, mas travada consigo mesma, entre a dor do luto e a vontade de Justiça. No Ceará, mães que perderam os seus filhos por supostas ações policiais se reuniram em redes de apoio compartilhadas e contra a violência policial. A mais recente criada foi o "Movimento de Mães Vítimas Por Violência Policial do Estado do Ceará".

Antes do início deste último movimento, em 2016, o grupo “Mães do Curió” começou a tomar forma no Estado após o trágico episódio da “Chacina do Curió” ou “Chacina da Grande Messejana”, ocorrida em novembro de 2015, quando 11 pessoas, a maioria adolescentes, foram mortas e sete ficaram feridas em ações criminosas praticadas por homens encapuzados. O caso resultou em 45 policiais militares denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE). Destes, 31 foram pronunciados pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) para irem a julgamento, ainda sem data prevista. 

Recentemente, há cerca de cinco meses, Edna Carla, mãe de Alef Sousa, 17, uma das vítimas da chacina em 2015, começou a idealizar o “Movimento de Mães” junto às outras mães no Estado. Segundo ela, o grupo foi criado para dar apoio às mães, principalmente aquelas desamparadas e “sozinhas na luta, como a Lidiane, que perdeu o Mizael (Fernandes da Silva, 13,) em 2020 e reside em Chorozinho”. 

“[Na chacina do Curió] Eram 11 pessoas sem passagem pela polícia e, mesmo se tivessem, foram 11 pessoas mortas por policiais. Em 2016, nós, as “Mães do Curió”, nos empenhamos na luta por Justiça, fomos às ruas no movimento para que não houvesse mais mortes por policiais. Essa era a nossa vontade, mas, isso não é realidade nos dias de hoje. Então, eu vi a necessidade de trazer mais gente para junto da luta, em um outro grupo, de visão estadual. Lutando em grupo, fica um pouco mais fácil de levar a dor”, relata Edna.

Segundo Edna, o grupo busca, agora, além da Justiça, meios para promover ajuda às mães, como psicanalistas e psicólogos. “É para dar um alento e um certo sossego para essas mães”, ressalta.  

“Nós temos que lutar por essas pessoas, sim, pois foi negado o direito de defesa, não se sabe qual a motivação. A polícia mata, tira o sonho do meu filho e do filho de tantas outras mães. Esse movimento foi criado para reivindicar por Justiça, para que o Estado pague por esses crimes, que não são poucos. Quando se é mãe, a dor do parto só perde para a dor da perda de um filho”.

Luta

Sandra Sales, mãe de Ingrid Mayara Oliveira Lima, de 18 anos, que morreu em janeiro de 2013, em uma festa de pré-carnaval, onde estava trabalhando com a avó, também é uma das integrantes do movimento de justiça e apoio. Na época, a Polícia Militar foi acionada para verificar uma denúncia de som alto, quando houve as mortes. Após a ação, dois PMs foram expulsos da Corporação, ainda em 2013, mas foram absolvidos na Justiça Estadual, em novembro de 2017. 

“Eu não criei um filho para a polícia matar. Ingrid deixou um filho pequeno que ainda mamava e até hoje precisa de acompanhamento psicológico. São oito anos de luta, ele foi preso por 30 dias e só. Então, estar nesse movimento me fortalece em saber que eu não estou só. São mães que sentem a mesma coisa que estou sentindo. A revolta é a mesma. A gente transformou o nosso luto em luta, porque os nossos filhos têm voz, têm mães”, diz Sandra.

Quem também integra o movimento é a auxiliar de serviços gerais, Margarida de Sousa. A mulher é mãe de João Paulo Sousa Rodrigues, de 20 anos, frentista que foi levado em setembro de 2015, enquanto ia para o trabalho, em Fortaleza. Na ocasião, câmeras de segurança filmaram ele algemado em um carro com quatro policiais. O corpo não foi localizado até hoje. 

“Perdi meu filho e não tive o direito de velar, nem nada. Até hoje, ninguém diz o que fizeram com ele. Eu espero muito pela justiça de Deus, porque a da terra, eu não confio. Com o grupo, eu não me sinto tão desamparada”, relata Margarida.  

De acordo com o coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), César Barreira, o dado da violência policial é sempre muito complicado. “O movimento [das mães] é muito correto. Os crimes, independente de qual cunho, são poucos elucidados no Brasil, então deve haver esse empenho por parte da sociedade”, pontua.

Em relação à atuação policial, o especialista fala que o preparo na academia deve acontecer de forma humanística, além da técnica. “É importante, nessa perspectiva, ver o que é possível não ser feito nas ocorrências para evitar qualquer despreparo. Eu defendo que a formação policial tem que acompanhar cada complexidade, como a questão racial, da juventude, do turismo, de gênero. Um bom policial é defensor dos direitos humanos, do respeito à diferença e ao outro”.

“O Estado precisa dar uma resposta às famílias, além do suporte emocional. A punição [na Corporação] tem que acontecer e deve ser marcante para que isso sirva de lição para outros agentes. Estamos vivendo um ciclo, na sociedade brasileira toda, de que as pessoas se acham detentoras dos poderes e agem como querem, sem receber punições”, afirma César.
 

 

 

 

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