Lei da Recompensa: desinformação e inacesso aos dados e valores
O projeto foi criado durante a maior sequência de ataques contra o Estado, no início de 2019
Há 70 dias, em meio a maior sequência de ofensivas contra a Segurança Pública do Ceará, o governador do Estado, Camilo Santana, assinava o decreto regulamentando o Programa Estadual de Recompensa. A criação da 'Lei da Recompensa', como ficou conhecida, ultrapassou dois meses e segue cercada por perguntas a serem esclarecidas.
Não se sabe quantas denúncias se encaixaram como passíveis de receber recompensas, nem quanto, em média, o Governo desembolsou ou ainda irá desembolsar para pagar pelas informações que auxiliaram diretamente nas prisões de envolvidos nos ataques ou apreensões de explosivos no último mês de janeiro; artefatos estes que por diversas vezes foram utilizados no cometimento dos crimes.
Ainda em janeiro, duas semanas após a criação da lei, a reportagem questionou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) a respeito do andamento das recompensas. Em nota, a resposta foi que a operacionalização em torno do Programa Estadual de Recompensa estava sendo estruturada. Há pouco mais de um mês, no dia 19 de fevereiro, as questões foram reenviadas à Pasta, que retribuiu com nota similar.
"A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informa que a operacionalização em torno do Programa Estadual de Recompensa está em fase de estruturação, ao mesmo tempo em que garante que os casos formalizados desde a publicação do decreto estão catalogados e serão analisados pela comissão", assinala o trecho.
O acesso aos dados acerca das recompensas também foi tentado por meio do Ceará Transparente, ferramenta disponível à todos cidadãos que integra a Lei de Acesso à Informação. Desde o mês de fevereiro a solicitação segue em andamento, já tendo prazo oficial para respostas vencido e prorrogado pela Assessoria de Desenvolvimento Institucional (Adins), da SSPDS.
Promessas
Quando criada, a lei estabelecia pagamento de R$ 1 mil a R$ 30 mil para quem prestasse informações que levassem à elucidação de crimes cometidos; à elucidação de fatos ou atos preparatórios ao cometimento de crimes, evitando a consumação da ação delituosa; à localização de pessoas procuradas pelos órgãos de segurança ou contra as quais exista ordem de prisão; a identificação e localização de bens móveis ou imóveis pertencentes a membros de organizações criminosas.
O valor do pagamento depende de critérios, como a gravidade do crime, a repercussão e a reprovação social do crime, a complexidade do crime e a sua investigação e a dificuldade, pelos elementos à disposição dos órgãos de Segurança, para a elucidação do crime, de sua autoria ou da localização dos criminosos. Uma comissão previamente formada é responsável por definir o valor e identificar o caso concreto.
O decreto também prevê ao denunciante a chance de ele ser inserido no programa de proteção às pessoas ameaçadas, testemunhas de crimes, vítimas de violências e depoentes especiais. O pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), sociólogo Luiz Fábio Paiva, aponta com preocupação a não informação dos dados a respeito da Lei da Recompensa. De acordo com o especialista, não revelar a identidade dos denunciantes é princípio básico, mas a população precisa saber o que está sendo investido e como o programa vem dando resultados.
"Quando um objeto não tem prestação de contas, a gente pode desconfiar se essa ação tem bons resultados. Colocar uma política dessa como instrumento de incentivo à delação, é sempre muito problemático. Não vejo nas ações do Governo do Estado condições de realizar efetivamente essa proteção. Essa história de incluir um pagamento dentro do benefício pode criar uma situação bastante perigosa", pondera Paiva.