Italiano condenado por tráfico internacional quebra o silêncio
Mário Emílio Severoni fala pela primeira vez desde que foi preso e diz que está morrendo lentamente na prisão
Quem olha para o homem de 76 anos com estatura de aproximadamente 1,6 metro, cabelos grisalhos, pesando cerca de 40 quilos e andando com dificuldade, não imagina estar diante de um detento condenado a quase 40 anos de prisão no Brasil e com outras sentenças na Itália por tráfico de entorpecentes. Apesar de negar ser o 'capo' (chefe) de qualquer organização criminosa, Mário Emílio Severoni é apontado pelas autoridades policiais e judiciárias como um dos mentores de um elaborado esquema de envio de drogas entre a América do Sul e a Europa.
Perguntado sobre o anseio de ainda conviver com a filha, Severoni foi lacônico. "Essa é a minha esperança. Se não fosse, me mataria hoje mesmo".
Os dias do estrangeiro na cela, com mais 14 detentos, são de convivência com dificuldades impostas pela idade e pela debilidade física. "Tenho falta de ar, problema de próstata e medo de morrer a qualquer momento. Não tenho equilíbrio quando ando. Faz dois meses que eu tento conseguir um médico. Não durmo, não como", desabafou o estrangeiro.
As dificuldades no cárcere são amenizadas pelo companheirismo. Severoni disse ser tratado "como um deus" pelos colegas de cela e se emociona ao relatar o que os presos fazem por ele. "Todo mundo me ajuda. Eles perguntam o que eu preciso, me levam no braço, trazem comida e frutas. Que posso dizer deles?".
Severoni revelou ter recebido ameaças de fora da cadeia. "Avisaram que eu tinha que manter a boca fechada porque matariam minha esposa e minha filha. Quando fui interrogado falei que não sabia de nada, não conhecia ninguém e nem sabia que estavam transportando cocaína".
Apesar das ameaças, ele nunca sofreu nenhum atentado. Duas mulheres bolivianas presas na mesma operação, não tiveram a mesma sorte. As irmãs Maria Liliana Delgadillo Hurtado, 24, e Lilian Fabiana Delgadillo Hurtado, 22, foram executadas em abril de 2011 e tiveram os corpos deixados numa estrada em Pacatuba.
O italiano afirma ter chorado quando soube das mortes. Liliana e Lilian, segundo Severoni, foram assassinadas por conta de dívidas com traficantes feitas pelo cunhado delas, o brasileiro Roberto Emídio da Silva. O homem foi preso na mesma operação que o italiano e as bolivianas, mas libertado por progressão do regime.
'Capo di tutti capi'
Questionado sobre porquê é apontado como chefe de tudo, Severoni conta a história de um churrasco realizado em um hotel, na cidade de Vilhena, em Rondônia, entreposto na rota da cocaína trazida da Bolívia (ver infográfico). "Estava com o cara que entregava a cocaína e fizeram um churrasco no hotel onde a gente estava. Ele pediu que eu dissesse que era meu filho. Falei para todo mundo: esse é meu filho. Então todos achavam que eu era o pai do chefe. Capo di tutti capi (chefe de todos os chefes). Depois as 'mulas' quando viajavam diziam: fica tranquila, o pai do chefe está junto", disse rindo.
Afirmando ser "apenas" o homem que acompanhava as 'mulas' (pessoas contratadas para transportar a cocaína), o estrangeiro contou que fez três viagens para a Europa e por cada uma recebeu 10 mil Euros. Na terceira, foi flagrado e preso.
De acordo com o delegado federal Glayston Araújo, que na época chefiava a Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), da Polícia Federal (PF), se Severoni não era o chefe, era um dos responsáveis pelo grupo. "Ele era um dos cabeças", disse Glayston Araújo.
Demonstrando estar arrependido "dez mil vezes" pelo que fez, Severoni já é um 'velho conhecido' da Polícia, seja na Itália ou no Brasil. De acordo com o segundo processo de extradição do italiano (ele já havia sido expulso do Brasil nos anos 1990), julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, Mario Emílio foi condenado por tráfico de entorpecentes quatro vezes na Itália pelo Tribunal de Milão e de Roma, em 1988 e 1989.
Ele afirmou já ter cumprido a pena na Itália e diz que se voltasse para lá, iria direto para casa. Apesar do julgamento do processo e da ordem de extradição, permanece no Brasil e ainda não tem data para ser mandado embora.
Apesar da história, Severoni garante não ser o 'cabeça' do esquema. "Se eu tivesse dinheiro ainda estaria preso? Porque aqui no Ceará com 150 mil se paga um alvará e vai embora. Vieram falar comigo e disseram que se eu desse 200 mil dólares eu saía. Aonde tenho esse dinheiro? Estou morrendo lentamente. Na Justiça brasileira você morre na cadeia. Essa é a minha história", finaliza.