Caso Giselle: Justiça espera manifestações das partes para decidir se ex-PM vai a júri por matar estudante há 6 anos

Familiares da universitária afirmaram que estão 'caminhando no escuro, sem respostas ou esperança de um desfecho próximo'. Mesmo sem julgamento, o acusado foi demitido da Polícia Militar do Ceará

Escrito por
Messias Borges messias.borges@svm.com.br
(Atualizado às 10:07)
A universitária Giselle Távora Araújo morreu aos 42 anos, um dia depois de sofrer um tiro efetuado por um então policial militar
Legenda: A universitária Giselle Távora Araújo morreu aos 42 anos, um dia depois de sofrer um tiro efetuado por um então policial militar
Foto: Reprodução

O processo criminal que tem a estudante Giselle Távora Araújo como vítima de homicídio e o ex-policial militar Francisco Rafael Soares Sales como réu segue sem julgamento na Justiça Estadual, 6 anos e 7 meses após a morte da mulher, ocorrida em uma abordagem policial, em Fortaleza. A 2ª Vara do Júri de Fortaleza aguarda as manifestações da acusação e da defesa para decidir se o réu deve ir a júri popular para ser julgado por homicídio. Mesmo sem o julgamento, o acusado foi demitido da Polícia Militar do Ceará (PMCE).

No último dia 10 de janeiro, a Justiça informou, no processo, que a Secretaria de Vara iria conceder vista ao representante do Ministério Público do Ceará (MPCE), para apresentar memoriais escritos e tomar ciência da realização da última audiência de instrução, no prazo de 5 dias. 

Após a acusação e a defesa apresentarem Memoriais Finais nos processos por crimes dolosos contra a vida (como homicídio), a Justiça decide pela pronúncia (ou seja, por levar o réu a julgamento) ou pela impronúncia do réu (para não levar a julgamento).

Três audiências de instrução foram realizadas pela Justiça, no processo criminal. No último evento, ocorrido no dia 30 de outubro do ano passado, estiveram presentes o réu, o promotor de Justiça que atua na acusação e o advogado de defesa.

"Encerrada a fase de produção da prova oral, o acusado foi qualificado e interrogado, ciente do direito de permanecer calado, sem qualquer prejuízo para a sua defesa em razão do seu silêncio, sendo ainda informado que a confissão pode ensejar a redução da pena, em caso de condenação. Na oportunidade, o acusado Francisco Rafael Soares Sales negou a autoria dos fatos imputados na denúncia, tudo registrado em formato audiovisual e juntados aos presentes autos", descreveu o juiz Antonio Josimar Almeida Alves, no Termo de Audiência.

Daniella Távora, 26, e Haroldo Araújo, 49, a filha e o viúvo de Giselle Távora, respectivamente, afirmaram à reportagem, em nota conjunta, que "parece que estamos caminhando no escuro, sem respostas ou esperança de um desfecho próximo. Carregamos uma cicatriz aberta no peito, uma dor que sangra todos os dias, uns dias mais, outros menos, mas nunca para".

A violência policial que tirou a vida da Giselle destruiu nossa família e nos arrancou a sensação de segurança. Aqueles que deveriam nos proteger se tornaram a razão do nosso medo. Como confiar em quem deixou essa marca tão profunda? Vivemos em constante agonia, presos em um ciclo de desconfiança e desamparo. Não sabemos se um dia veremos a Justiça sendo feita, e essa falta de respostas só reforça o sentimento de abandono e dor que carregamos diariamente."
Daniella Távora e Haroldo Araújo
A filha e o viúvo de Giselle Távora, respectivamente

A defesa de Francisco Rafael Soares Sales não foi localizada pela reportagem para comentar a movimentação do processo. O espaço segue aberto para manifestações futuras

O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) ressaltou, em nota, que "inicialmente, o inquérito policial trouxe tipificação jurídica de lesão corporal seguida de morte. Houve mudança da tipificação para o crime de homicídio, razão pela qual o processo foi redistribuído para a 2ª Vara do Júri, em 2019. Ainda segundo o Órgão, o réu foi citado somente no dia 31 de março de 2022.

Após a publicação da matéria, o Ministério Público do Ceará enviou nota à reportagem em que afirma que "a fase de instrução do processo foi encerrada no dia 30 de outubro de 2024. Após isso, o MP requisitou cópia do procedimento que resultou na expulsão do acusado dos quadros da Polícia Militar do Estado do Ceará. Neste ano, no dia 10 de janeiro, o processo foi encaminhado para o MP apresentar as suas alegações finais. O órgão informa que está dentro do prazo legal e pedirá a pronúncia do acusado".

Veja também

Mãe e filha pensavam que abordagem policial era um assalto

A estudante universitária Giselle Távora Araújo, aos 42 anos, transitava em um veículo Hyundai HB20, junto da filha Daniella Távora, na Avenida Oliveira Paiva, em Fortaleza, por volta das 20h do dia 11 de junho de 2018. Ao se aproximarem de um semáforo, a filha percebeu a aproximação de uma motocicleta e ouviu um disparo de arma de fogo.

Naquele momento, ambas pensavam que se tratava de um assalto e decidiram não parar o veículo. Em depoimento, a filha da vítima contou que, instantes depois, olhou para sua mãe e percebeu que ela tinha sido baleada. Foi então que ela ouviu gritos de fora do carro e a ordem para descer do veículo, sem saber se eram de criminosos ou de policiais.

Quando a jovem desceu, o policial se aproximou e viu que Giselle sangrava. Foi neste momento, conforme a filha da vítima, que o PM questionou por que elas não obedeceram à ordem de parada da Polícia Militar. Na versão de Francisco Rafael, ele atirou em direção ao pneu do veículo.

A universitária chegou a ser socorrida pelos militares ao Instituto Doutor José Frota (IJF), mas não resistiu aos ferimentos e morreu no dia seguinte, aos 42 anos. Os órgãos de Giselle foram doados, por decisão da família.

O Ministério Público do Ceará considerou que, na ação do ex-PM, houve "nítida e plena violação aos procedimentos policiais referentes à abordagem de veículo que, eventualmente, desrespeite bloqueio/ordem de parada policial em via pública". Além da condenação do réu por homicídio qualificado (por recurso que impossibilitou a defesa da vítima), o MPCE pediu à Justiça que o acusado pague à família da vítima uma indenização de 50 salários mínimos.

No processo administrativo aberto na Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), Francisco Rafael Soares Sales foi expulso da Polícia Militar do Ceará, em novembro de 2019. Ele recorreu da decisão, e o Conselho ratificou a expulsão, em novembro de 2020.

VEJA NOTA DO TJCE NA ÍNTEGRA

"O referido processo tramita na 2ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza e encontra-se em fase de memoriais finais escritos, ou seja, com instrução finalizada. Após esta fase, o Juízo da referida unidade decidirá pela pronúncia ou impronúncia do acusado.

Inicialmente, o inquérito policial trouxe tipificação jurídica de lesão corporal seguida de morte. Houve mudança da tipificação para o crime de homicídio, razão pela qual o processo foi redistribuído para a 2ª Vara do Júri, em 2019. Recebida a denúncia, houve dificuldade na localização do acusado que estava de licença, quando da tentativa de citação por intermédio da corporação. Assim, foram realizadas sete diligências para tentar citar o réu, o que só foi possível em 31 de março de 2022. Seguiu-se a oitiva das testemunhas, em número de cinco. Concluída a instrução oral, a defesa requereu a reprodução simulada dos fatos, diligência que levou tempo de avaliação de viabilidade pela Pefoce".

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados