Morte de universitária em abordagem policial segue sem julgamento após três anos

A família de Giselle, morta em junho de 2018, diz se sentir de mãos atadas e recorda que "ato foi de covardia máxima"

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: Giselle foi atingida enquanto estava dentro do carro, na companhia da filha. O policial disse ter disparo em direção ao pneu do veículo

A morte de Giselle Távora Araújo, 42, completa três anos neste sábado (12), e o caso segue longe de ter um desfecho na Justiça. A tragédia envolvendo a universitária vítima de uma abordagem desastrosa da Polícia Militar do Ceará (PMCE), na Avenida Oliveira Paiva, em Fortaleza, no dia 11 de junho de 2018, é mais um dos casos emblemáticos que entrou para a história da sociedade cearense e permanece na impunidade.

Mais de mil dias após o fato, o agora ex-soldado Francisco Rafael Soares Sales, acusado pelo crime, segue solto e com paradeiro desconhecido. Em agosto de 2019 a Justiça acolheu denúncia ofertada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) contra o então policial. Já em março deste ano de 2021, com intuito de acelerar o andamento do processo, a 2ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza promoveu a citação do acusado.

Dois meses depois, um oficial de Justiça anexou aos autos que deixou de citar Rafael pessoalmente por não tê-lo encontrado no endereço fornecido. Para a família de Giselle, a liberdade do soldado acusado de efetuar o disparo que matou a universitária quando ela estava ao lado da filha, é sinônimo de descaso.

221 mortes por intervenção policial
Ao todo, no ano de 2018, 221 pessoas foram mortas vítimas de intervenções policiais no Ceará

Angústia

Aos 22 anos, Daniella Deus, filha de Giselle, lembra com detalhes da tragédia. "No primeiro tiro eu me abaixei. No segundo eu senti o calor na minha nunca. Foi esse segundo que atingiu ela". Três anos depois, Daniella se questiona os porquês de a Justiça não ter sido feita no caso da sua mãe e em tantos outros.

"Quando eu olho o cenário dá uma sensação de impotência. Quando a gente vê que nem os oficiais de Justiça conseguem localizar o acusado, ficamos de mãos atadas. Agora, eu só tenho que rezar para que a Justiça da terra e a Justiça divina sejam feitas", disse.

Até hoje eu não vi um policial sofrer penalidade por ter matado um inocente. Parece que virou normal e a violência não muda nunca. Foi um ato de covardia máximo"
Daniella Deus
Filha da vítima

Do ponto de vista administrativo, Rafael teve a punição máxima. De acordo com a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD), em novembro de 2019, o soldado foi expulso da Corporação. Ele recorreu da decisão e, em novembro de 2020, o conselho ratificou a expulsão.

O MP informou à reportagem que os atos dependentes do órgão foram cumpridos nos prazos. Já o Tribunal de Justiça do Ceará não emitiu resposta sobre o andamento processual.

Perseguição

A vítima transitava na companhia da filha Daniella, em um veículo HB20s, na Avenida Oliveira Paiva, por volta das 20h. Ao se aproximarem de um semáforo, Daniella percebeu a aproximação de uma motocicleta e ouviu um disparo de arma de fogo.

Naquele momento, ambas pensavam que se tratava de um assalto e decidiram não parar o veículo. Em depoimento, Daniella contou que instantes depois olhou para sua mãe e percebeu que ela tinha sido baleada. Foi então que ouviu gritos do lado de fora do carro e a ordem para descer do veículo, sem saber se os gritos vinham se bandidos ou da Polícia.

Quando desceu e ficou de joelhos, o policial se aproximou e viu Giselle sangrando. Foi então que, conforme depoimento da filha da vítima, ele questionou por que elas não obedeceram a ordem de parada da PM. Na versão de Rafael, ele atirou em direção ao pneu do veículo.

"Eu me pergunto por qual motivo a Polícia tem um armamento tão pesado para lidar com as pessoas? Nunca ninguém veio atrás de mim nem para pedir desculpas, oferecer apoio nenhum", acrescentou Daniella.

A universitária chegou a ser socorrida pelos militares ao Instituto Doutor José Frota (IJF), mas não resistiu aos ferimentos e morreu no dia seguinte. Seus órgãos foram doados.

Em novembro de 2018, a Delegacia de Assuntos Internos (DAI) concluiu o inquérito e indiciou Rafael. A reportagem não localizou a defesa do acusado.

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