Entenda por que morte de estudante em ação da PM completou quatro anos sem data para julgamento

O crime aconteceu em 2018. Só neste ano de 2022, o policial foi localizado para receber citação. Não há previsão para o início das audiências para depoimentos de testemunhas e do réu

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
giselle
Legenda: Giselle chegou a ser socorrida, mas não resistiu aos ferimentos
Foto: Reprodução/ Redes Sociais

11 de junho de 2018. Aquele era o último dia que Daniella Deus saía em companhia da mãe. Daniella era quem estava ao lado de Giselle Távora Araújo, 42, quando tiveram o carro da família alvejado a tiros, em Fortaleza. O caso se tratou de uma abordagem desastrosa comandada por policiais militares na Avenida Oliveira Paiva, incluindo o agora ex-soldado Francisco Rafael Soares Sales.

Quatro anos depois, sobram incertezas para a família de quando a Justiça será feita. Rafael segue solto e só foi notificado acerca da citação da denúncia neste ano de 2022, após mais de dez vezes que oficiais de Justiça tentaram localizá-lo. No último mês de abril, o acusado de efetuar disparos que vitimaram a universitária apresentou defesa nos autos. Há quase 10 dias, o juiz ratificou recebimento da denúncia e determinou a designação de audiência de instrução e julgamento.

A reportagem apurou que o ex-PM disse nunca ter cometido crime algum na vida e que permanece à disposição do Poder Judiciário para esclarecimentos dos fatos presentes na ação penal: "sempre fui um policial militar exemplar". Enquanto isso, a família de Giselle se diz desacreditada e cercada por insegurança.

"Quanto mais o tempo passa, maior a nossa sensação de impotência. Na verdade, eu já digo que nem ficamos surpresos de o processo estar parado. Chegou a um ponto que nem conseguimos mais nos revoltar, porque a coisa não se encaminha nem mesmo depois que ele se apresenta", diz Daniella Deus, filha de Giselle.

"ESPERAMOS QUE TOMEM UMA ATITUDE"

Hoje, Daniella tem 23 anos e convive com sequelas psicológicas. Ela lembra com detalhes o dia da tragédia: "no primeiro tiro eu me abaixei. No segundo eu senti o calor na minha nuca. Foi esse segundo que atingiu ela".

A vítima transitava na companhia da filha Daniella, em um veículo HB20s, na Avenida Oliveira Paiva, por volta das 20h. Ao se aproximarem de um semáforo, Daniella percebeu a aproximação de uma motocicleta e ouviu um disparo de arma de fogo.

Naquele momento, ambas pensavam que se tratava de um assalto e decidiram não parar o veículo. Em depoimento, Daniella contou que instantes depois olhou para sua mãe e percebeu que ela tinha sido baleada. Foi então que ouviu gritos do lado de fora do carro e a ordem para descer do veículo, sem saber se os gritos eram de bandidos ou da Polícia.

Quando desceu e ficou de joelhos, o policial se aproximou e viu Giselle sangrando. Foi então que, conforme depoimento da filha da vítima, ele questionou por que elas não obedeceram a ordem de parada da PM. Na versão de Rafael, ele atirou em direção ao pneu do veículo.

"Esperamos que tomem uma atitude. Daqui a pouco são 10 anos e vai ficar por isso mesmo. Isso mostra que a gente está a mercê do medo, da violência, da insegurança. Eu me sinto sem ter o que fazer. Fico na eterna espera, e isso é angustiante", lamenta Daniella.

"Fui vítima de uma abordagem violenta. Não consigo passar uma noite tranquila, não me sinto tranquila ao sair na rua"
Daniella de Deus
Filha da vítima

O PROCESSO

Em agosto de 2019 a Justiça acolheu denúncia ofertada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) contra o então policial. De acordo com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), antes da aceitação da denúncia pela 2ª Vara do Júri, o processo passou por alguns procedimentos no decorrer da tramitação no Poder Judiciário, como pedido e aceitação de declínio de competência de vara criminal (onde tramitava inicialmente) para vara do Júri, seguindo entendimento apresentado pelo Ministério Público do Ceará.

Também no último dia 30 de maio, o juiz deferiu o pedido da defesa do policial pela produção de provas. A data da audiência deve ser marcada mediante agenda da Vara.

Do ponto de vista administrativo, Rafael teve a punição máxima. De acordo com a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD), em novembro de 2019, o soldado foi expulso da Corporação. Ele recorreu da decisão e, em novembro de 2020, o conselho ratificou a expulsão.