Borracheiro agradece em carta a quem acreditou em sua inocência

Antônio Cláudio foi condenado por estupro e mantido preso por cinco anos, até ser inocentado em julho deste ano, após pedido de Revisão Criminal feito pelo Innocence Project Brasil e pela Defensoria Pública do Ceará

Escrito por Messias Borges , messias.Borges@svm.Com.Br
Legenda: Borracheiro foi celebrado por familiares e amigos, no dia da soltura, em 29 de julho de 2019 Antônio Cláudio mora com os pais no Parque Santana, no bairro Mondubim, em Fortaleza
Foto: Foto: Natinho Rodrigues

Antônio Cláudio Barbosa de Castro, de 35 anos, tem muitas pessoas para agradecer. O borracheiro condenado por estupro e mantido preso por cinco anos em um presídio no município de Itaitinga, até ser inocentado em julho deste ano, escreveu uma carta com muitos destinatários. Em resumo, são familiares e amigos (aqui estão inclusos profissionais que estabeleceram uma relação de amizade) que acreditaram em sua palavra.

"Esse ano de 2019, para mim, tem sido de grandes batalhas. E, quando Deus permite que você passe por uma batalha, é porque Ele já preparou a tua vitória, e a minha chegou exatamente no dia 29 de julho, que foi a minha tão sonhada liberdade", escreve o católico Antônio Cláudio.

Naquele dia, os desembargadores das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) decidiram inocentá-lo, após pedido de Revisão Criminal feito pela organização não-governamental Innocence Project (IP) Brasil e pela Defensoria Pública do Ceará. O alvará de soltura foi cumprido dois dias depois, no Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis), conhecido como CPPL V.

Antônio Cláudio voltou a ganhar um abraço da mãe e do pai, o que não acontecia desde agosto de 2014 - pois eles não iam visitar o filho no cárcere. E foi celebrado, até jogado ao alto, por familiares e amigos. "Hoje, posso dizer que comemoro dois aniversários no ano, já que renasci pra vida", ressalta o borracheiro, na carta-presente.

Ele foi preso por suspeita de abusar sexualmente de oito mulheres, de idades entre 11 e 24 anos, nos bairros Maraponga, Parangaba, Vila Peri e arredores, em Fortaleza. O caso ficou conhecido como "Maníaco da Moto". O criminoso utilizava uma motocicleta vermelha para abordar as vítimas e uma faca para ameaçá-las. Quatro mulheres reconheceram Cláudio como o agressor.

Entretanto, apenas uma vítima, que tinha 11 anos na época do crime, continuou a acusar Cláudio, o que resultou em uma condenação na Justiça Estadual a 9 anos de prisão, no ano de 2018. O destino do borracheiro mudou quando a organização não-governamental Innocence Project (IP) Brasil foi procurada por uma ex-namorada dele.

Em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Ceará, a ONG conseguiu provar à Justiça que Cláudio não era o responsável pelos estupros cometidos.

Prisão

Ao Sistema Verdes Mares, Cláudio afirmou que o tempo encarcerado "foi muito difícil, mas também foi um grande aprendizado". "Têm muitos inocentes lá e têm pessoas que devem, mas estão pagando. Eu acredito que o Estado deveria ter uma fiscalização maior lá dentro, porque todo dia é um sofrimento muito grande. Coisas acontecem lá, e as pessoas não sabem da verdade. É muito triste, muito doloroso. Tanto para quem está lá, como para a família".

Neste período, dezenas de pessoas acreditaram em Antônio Cláudio e foram importantes para que ele saísse daquela situação. Entre os destinatários da carta-presente, estão primos; amigos de Quixeramobim (onde ele nasceu) e da localidade de Parque Santana (onde mora), no bairro Mondubim, em Fortaleza; e amigos do jogo GTA (Grand Theft Auto) 5 Online, do qual era campeão cearense.

Profissionais que ajudaram Cláudio também receberam agradecimentos: agentes penitenciários que estiveram com ele na CPPL V; inspetoras da Polícia Civil que testemunharam a seu favor na Justiça; advogados que atuaram na sua defesa particular; advogados do Innocence Project Brasil, como a diretora da ONG, Flávia Rahal; e o defensor público Emerson Castelo Branco - estes dois últimos que atuaram diretamente no pedido de Revisão Criminal.

"O que posso dizer é que hoje vejo o mundo e as pessoas com outros olhos e que serei eternamente grato a todos que acreditaram em mim e me ajudaram tanto de forma direta como indiretamente. E desejo que, no ano de 2020, Deus dê em dobro tudo aquilo que fizeram por mim", concluiu Cláudio, na carta.

Liberdade

Apesar da soltura, Antônio Cláudio ainda não se sente livre - por completo. "A minha vida, por um lado, está ótima, porque eu estou ao lado da minha família, que era meu maior sonho. Mas por outro lado, ainda é uma grande luta, um grande sofrimento, porque era para eu estar livre, mas eu não me sinto livre. Meu nome ainda consta no sistema. Quando eu saio, tenho receio. Já sofri dois constrangimentos, por causa do meu nome no sistema. Para mim, é muito difícil", revela.

O borracheiro se refere a duas abordagens feitas pela Polícia Militar contra ele, que quase terminava na delegacia. Ele teve que se explicar e provar que foi inocentado, ao ponto de até mostrar o alvará de soltura aos PMs.

Questionado sobre a confusão com o sistema da Justiça, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) informou que "no Sistema de Automação da Justiça (SAJ), software utilizado para gerenciamento dos processos eletrônicos na Justiça do Ceará, consta que processo que tramitou na 12ª Vara Criminal de Fortaleza, na qual Antônio Cláudio Barbosa de Castro era réu, encontra-se arquivado definitivamente".

Já a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que "a Polícia Militar do Ceará (PMCE) cumpre uma série de procedimentos de abordagem que respeitam as leis vigentes no ordenamento jurídico brasileiro". "No Sistema de Informações Policiais (SIP), consta uma passagem por estupro no nome de Antônio Cláudio Barbosa de Castro, no ano de 2014, uma vez que o processo em desfavor do mesmo ainda corre na Justiça", completou.

Ano-Novo

Ano-Novo se aproxima, e Antônio Cláudio espera que uma vida nova, também: "Eu espero que essa dor que tem aqui dentro vá embora e que eu possa ter uma vida normal. Uma vida familiar, a vida sentimental, tudo isso é um grande sofrimento para mim. Que a minha saúde possa melhorar. A saúde do meu pai. Porque, querendo ou não, (minha prisão) causou um impacto para todo mundo. Para meus amigos, para minha família, para minha namorada. Espero que seja um ano só de vitórias, ao invés de derrotas".

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados