418 crianças e adolescentes sofreram crimes sexuais neste ano no Ceará

O número corresponde aos meses de janeiro a abril de 2020. Levantamento da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) mostra que comparado a igual período do ano passado houve redução de 8,7% nos casos

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br

Seja qual for a fase da vida, a violência sexual deixa marcas indeléveis no corpo e na mente de quem sofreu a agressão. Em se tratando de crianças e adolescentes, essas vítimas podem carregar consigo traumas durante anos, no processo de formação individual, ainda mais quando o crime é cometido por alguém de dentro do seu lar, como as autoridades apontam acontecer na maioria dos casos. Diante desse cenário, de janeiro a abril de 2020, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) contabilizou que 418 crianças e adolescentes foram vítimas de crimes sexuais no Estado do Ceará.

O dado traz a realidade que nos primeiros quatro meses deste ano foram de três a quatro vítimas de 0 a 17 anos, a cada dia. Em igual período de 2019, a SSPDS contabilizou 458 casos. Comparando os dois quadrimestres, em 2020, houve redução de 8,7%.

Neste ano, o mês com menor número de registros foi abril (67). Coincidência ou não, até o momento, abril também foi o único mês completo de isolamento social no Ceará devido à pandemia da Covid-19. Há autoridades que defendem a ideia de que no período da quarentena é mais difícil a vítima denunciar, porque está em tempo integral cercada pelo agressor.

Para a Secretaria, a queda acentuada no último mês de abril tem como um dos fatores o maior número de pessoas dentro de casa junto às vítimas, dificultando a ocorrência, "uma vez que os abusadores se aproveitam quando estão sozinhos com as vítimas para praticar o crime".

Subnotificação

Das 418 vítimas contabilizadas neste ano, 241 têm de 0 a 11 anos de idade, ou seja, são crianças. As demais 177 têm de 12 a 17 anos. Os números de vítimas deste tipo de crime tendem ser ainda maiores considerando que a violência sexual contra os menores de 18 anos é passível de tamanha subnotificação. Muitas vezes, os atos acontecem seguidamente, durante anos, até ser revelado. Ainda há aqueles que nunca vêm à tona, seja por medo ou porque foi indevidamente naturalizado.

Em Fortaleza, o Rede Aquarela atende crianças e adolescentes, assim como suas famílias, vítimas de abuso e exploração sexual. A coordenadora do programa, Kelly Meneses, destaca que em abril houve uma baixa de, aproximadamente, 50% nos atendimentos, pois menos casos chegaram até eles. Foram 31 acolhimentos, enquanto a média mensal é de 55. "Neste período de quarentena sabemos que as crianças e os adolescentes não estão tendo acesso a outros espaços para pedir ajuda. Quando se trata de abuso intrafamiliar a denúncia parte de quem percebe aquela violência. Às vezes percebem na escola ou em um posto de saúde onde a vítima é atendida. Nesse ambiente de isolamento, a criança e o adolescente não têm outros espaços onde possam ser observados", destacou Kelly.

Tabu

Conforme levantamento do Rede Aquarela, em 2019, a maior parte dos casos tinham vítimas do sexo feminino. Foram 87% acolhimentos de meninas e 13% de meninos.

Kelly conta que existem várias explicações para a grande diferença. "Não é que os meninos não sejam vítimas dessa violência, é porque ainda envolve muito tabu no crime de violência sexual contra meninos. Eles não se percebem como vítimas ou quando percebem, muitas vezes, têm receio de denunciar. O abuso realizado por mulheres mais velhas contra crianças e adolescentes do sexo masculino ainda é muito banalizado. Entre eles é visto como uma conquista", pontuou a coordenadora.

O acesso ao acolhimento no programa Rede Aquarela acontece, na maioria dos casos, logo dentro da própria delegacia especializada onde é feita a denúncia. Na Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca) há equipe multiespecializada plantonista.

A SSPDS orienta que as vítimas ou quem tenha informações sobre a existência do crime denunciem os agressores à Polícia. De acordo com a Secretaria, mesmo durante o período de isolamento, a Dceca segue funcionando e recebendo todo tipo de ocorrência e denúncia que envolva crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, exploração sexual, maus-tratos ou qualquer outro tipo de violação ao direito deste público.

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