Renda de filé leva a cultura cearense para o exterior

Nos distritos de Mapuá, Feiticeiro e Nova Floresta estão os principais núcleos de produção do artesanato

Escrito por Honório Barbosa - Colaborador ,
Legenda: Em Mapuá, as artesãs trabalham no fim da tarde e início da noite nas calçadas
Foto: Fotos: Honório Barbosa

Jaguaribe. Transformar fios de algodão coloridos e brancos em lindas peças do vestuário feminino e de casa: caminhos e toalhas de mesa, colchas de cama, blusas, saídas de banho, vestidos longos, saias, cortina, almofada, jogo americano. Esse tem sido o trabalho diário de milhares de artesãs neste Município, que se especializaram na produção de renda de filé. O artesanato local é destaque no Estado e um dos mais apreciados no Brasil e até no exterior.

Os artesãos estão praticamente espalhados em todas as localidades rurais e na cidade. Mas nos distritos de Mapuá, Feiticeiro e Nova Floresta há núcleos de produção. As mulheres compõem a maioria da mão-de-obra, mas não é raro encontrar homens, agricultores, que nas horas vagas e no início da noite dedicam-se à atividade para ajudar a ampliar a renda familiar.

Pela manhã, as mulheres cuidam dos afazeres de casa e à tarde têm mais tempo para se dedicar à produção da renda de filé. Estão sentadas ao chão, nas salas e nas calçadas, formam rodas de amigas, vizinhas e parentes. As peças são feitas em telas quadrangular de madeira e os fios de algodão são entrelaçados manualmente, com paciência, criatividade e precisão. Habilidade não lhes falta e todos têm uma história em comum: aprenderam com mães e avós.

Segundo Michelsen Diógenes, diretor de Cultura do Município, a maior produção vem de núcleos nas comunidades de Trapiá, Curralinho, Vila Pinheiro e nos distritos de Feiticeiro, Mapuá e Nova Floresta. Atualmente, existem três associações no sítio Ipueiras, Feiticeiro e Tabocas e no sítio Fechado.

Por meio das associações, os artesãos trabalham de forma organizada e obtêm melhor preço de venda e participam de oficinas de capacitação oferecida pelo escritório regional do Sebrae, em Limoeiro do Norte, que atende o Vale do Jaguaribe. "Buscamos o fortalecimento das associações, apoiando a comercialização, participação em feiras em outros Estados e gestão de negócios", frisou a articuladora do Sebrae, Wandrey Pires.

As artesãs reunidas em associações aprendem a definir preço, criam novas coleções a cada ano para evitar repetição dos modelos de peças, seguem tendências de moda e nas feiras conseguem vitrines para os seus produtos, ampliando a comercialização. "O grupo tem de estar comprometido com a atividade e ter perspectiva de crescimento", frisou Wandrey. Ele destacou o elevado volume de venda no distrito de Feiticeiro. "O associativismo evita a exploração dos atravessadores, que compram por preço baixo e revendem com elevada margem de lucro".

O secretário de Desenvolvimento Econômico e Social, André Siqueira, estima em cerca de seis mil artesãos no Município. "É uma atividade econômica que se tornou tradicional, que oferece uma segunda renda familiar. Jaguaribe sempre foi conhecido por criação de gado leiteiro, produção de queijo coalho e manteiga, mas nos últimos anos agregou o segmento do artesanato da renda de filé".

Na localidade de Mapuá, às margens do Rio Jaguaribe, artesãs trabalham no fim da tarde e início da noite, a produção da renda de filé. Sentadas nas calçadas, em grupo ou individualmente, todos os dias as dedicadas mulheres de todas as idades mantêm uma tradição familiar. Trabalham com satisfação, mas reclamam do baixo preço pago pelos atravessadores

"Aqui todos nós aprendemos com as mães e mantemos o trabalho para melhorar a renda, mas o preço que nos pagam é muito pequeno", reclama a artesã, Francisca Alves Gomes, 45 anos. "A gente sabe que levam o nosso trabalho para Fortaleza, Recife, Natal e São Paulo". Segundo Maria Francilene, uma peça comprada por R$ 55,00 é vendida nas capitais por até R$ 280,00. "Já vi". Ela lamentou a ausência de apoio do Sebrae.

Apesar das dificuldades, as artesãs dizem que fazer as peças de filé é uma terapia. "Pode ser um problema bem grande, mas passa e a gente esquece dos momentos ruins", disse Valda Nunes, 68 anos. Há mais de 50 anos na atividade, ela lembra do tempo em que era torcido o fio cru de algodão em um fuso para obter a matéria prima do filé. "Hoje está tudo mais fácil".

A aposentada, Augusta Gomes, 70 anos, praticamente não faz mais peças de filé, mas acompanha o trabalho das filhas e de uma neta, adolescente. "Aqui não tem oportunidade de trabalho e o que nos sobra é o artesanato", observou. "Quem quiser emprego, fazer outra coisa, tem de sair daqui". Os preços variam de acordo com o tamanho das peças. Na localidade de Mapuá, um caminho de mesa é vendido por R$ 12,00; o jogo americano por R$ 5,00; uma toalha redonda por R$ 35,00; e uma cortina com capa por R$ 110,00.

Complementação

Em uma churrascaria, às margens da BR 116, em Jaguaribe, a artesã, Francisca Fernandes, aos 86 anos, diariamente expõe suas peças na expectativa de vender para viajantes de ônibus e veículos particulares que param para uma refeição ou lanche. Desde 1973, que ela segue essa rotina. Maria de Sandoval, como também é conhecida, ainda tem habilidade, mas produz pouco e revende peças de outras artesãs. Ensinou a arte às filhas e tira do filé a complementação da renda familiar. O marido é agricultor.

O filé produzido no vale Jaguaribano tornou-se comum nas vestimentas femininas e é um artigo usado pelas mulheres mais simples até as de maior renda. Há blusas, vestidos, saída de banho, que deixam o corpo feminino mais bonito e sensual.

A renda de filé tem um significado importante para o povo de Jaguaribe. Tornou-se uma marca da cidade. Ganhou espaço em feiras nacionais e em desfile de moda, além de serem vistas peças usadas por figurinos em novelas e filmes, que retratam a paisagem nordestina. A produção foi reinventada, adquiriu novos modelos, formatos e deixou de ser monocromática, branca, e passou reunir cores vivas.

Fique por dentro

Atividade artesanal chegou na década de 40

A renda de filé chegou ao Município de Jaguaribe na década de 40, por intermédio de dona Chiquinha Fernandes Távora, viúva de um francês, que retornava da Ilha da Madeira (Portugal) onde teria aprendido a atividade artesanal que tem sua origem na Europa.

Em um casarão, na Rua da Gaveta, Dona Chiquinha criou um ateliê, um espaço, para ensinar de forma gratuita a quem quisesse aprender a fazer a tela e a tecer o fio cru de algodão, na cor natural, e os pontos usados eram: o doido, o carel e o cerzido.

O artesanato de filé expandiu-se como fonte de sobrevivência, principalmente na zona rural. Com o passar do tempo, atraiu admiradores e compradores, sendo necessário produzir peças bem acabadas, finas, novo desenhos, com maior variedade de pontos na malha.

Enquete

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"Aprendemos a fazer as peças com as nossas mães e gostamos muito do que fazemos. Amamos essa arte, que nos dá uma renda, embora pequena, mas ajuda nas despesas de casa e vamos seguir com essa tradição"

Francisca Alves Gomes
Artesã

"Sempre gostei de fazer filé e depois que aprendi nunca parei, diminui agora por causa da idade, mas é a minha vida. Trabalho em casa e vendo as peças aqui no ponto de ônibus para quem é de fora e aprecia o trabalho"

Francisca Fernandes
Artesã