O algodão mocó e o vilão do bicudo
Sou daqueles que migraram do Interior em busca de melhores oportunidades na cidade grande, cuja população urbanita ainda é intensamente mesclada por gente interiorana. Instalamo-nos, incorporamos-nos à cidadania do barulho, mas não nos afastamos das raízes e lembranças de nosso Interior. Dos hábitos, dos seus valores de suas riquezas, que quando e vez nos aflora no recordar com tristeza, mas com melancolia. Hoje, vem-me à lembrança um desses produtos interioranos. O nosso ouro branco. O algodão que veste a cidade e o campo.
Esse produto, que hoje concorre com o fio sintético, mais elegante, mais fino, embora com o desconforto do calor que provoca. Esse produto, que como nossa gente, se manda do Interior em busca de melhor aparência na cidade. Aqui, é devidamente elaborado e estampado. Torna-se fino e elegante em parte volta ao sertão, através dos lojistas que o expõe em prateleiras limpas e bem preparadas para receber aquele produto, que se valoriza com a migração, como muitos de nós, que saímos do Interior para a Capital e voltamos, muitas vezes, doutores, agora bem recebidos e de importância maior.
Quando se fala em algodão para o homem simples e experiente da roça, todavia, o que lembra é a fartura, a riqueza, fonte de dinheiro de outrora. A cada fim de safra, os rurícolas, desde os proprietários de terras até o mais simples lavrador do campo, se beneficiavam. Aqueles, pelo dinheiro recebido das usinas, estes, pela oportunidade de limpar suas cadernetas de débitos anuais, pela oportunidade que a sobra da meação lhes proporcionava para as compras de fim de ano. Antes, roupas e calçados de fim de ano, fora alguns utensílios, um novo corcel arreado. Hoje, televisão, geladeira, ou outros eletrodomésticos, e até, quem sabe, uma moto.
Tudo favorecia com a safra do algodão. Até nos anos de escassez de chuvas, ainda pingava uma apanha. Plantavam-se culturas de subsistência, como milho e feijão, em meio a capoeiras de algodão, roçadas para melhorar a produção. Depois da apanha, ainda o gado se beneficiava com os brotos e restolhos de safra. Era o período do chamado algodão mocó. Arbóreo que uma vez plantado, perpassava ano a ano. Permaneciam nas capoeiras, suportando a secura de verão; desfolhava-se e esperava o novo inverno, para gratuitamente oferecer nova safra.
Tempos bons os das capoeiras de algodão. Era como uma herança bendita. Mas, pelos idos dos anos oitenta, junto a outras importações, vem não se sabe como, por gerência do satanás, a praga do bicudo. Esse besouro maldito que estraga os botões, antes imaculados, para implantar seus ovos, que depois se transformam em larvas, e estas em novos furões, para um encadeamento dessa família maldita, que vem há mais de duas décadas deteriorando a matéria-prima do fio natural do algodão, e por via de conseqüência, da riqueza do nosso sertão e da sofrida economia dos estados mais prejudicados, como o Ceará Rio Grande do Norte e Paraíba.
Acaba-se, pois, a cultura do algodão mocó, que por sua manutenção em anos a fio, passou a ser hospedeiro desse estranho e indesejado peregrino. Assim, teve que ser erradicado de nossos campos, nessa infeliz troca, de nossa benéfica cultivar, por esse maldito furão que se instala sem dó e piedade, causando incalculável prejuízo doméstico e dor de cabeça nos nossos técnicos da área, que não encontrando soluções para desalojá-lo estudam a melhor forma de com ele conviver.
Ah! Quem nos dera o surgimento de um doutor Osvaldo Cruz da agricultura, que liderasse uma nova cruzada de sucesso para erradicar essa praga de tantos malefícios. Que desalojasse esse bicudo de nossos campos para a reimplantação do nosso enriquecedor algodão mocó, com seus longos e sedosos fios de cabelos brancos, que sempre embranqueciam nossos campos ressecados pelo sol de nosso farto verão.
Expedito Araújo
Membro da Academia Limoeirense de Letras