No interior do CE, aluno com paralisia cerebral supera barreiras e desenvolve tecnologias inclusivas

Mestre recém-diplomado pela UFC, Júnior Prado criou um mouse, um novo editor de textos e um mecanismo para servir de alternativa ao teclado

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Júnior Prado
Legenda: Diagnosticado com paralisia cerebral, o hoje engenheiro da computação, teve uma infância difícil e repleta de limitações
Foto: Divulgação

Barreiras existem para serem rompidas, mesmo quando há limitações no percurso. Essa frase com tom motivacional se fez presente desde os primeiros meses da vida do sobralense Francisco José Júnior Prado, o Junhinho. Diagnosticado com paralisia cerebral, o hoje engenheiro da computação criou tecnologias que levam inclusão a pessoas com deficiência. Dentre elas, um mouse adaptado para pessoas com limitação motora. 

Júnior Prado teve uma infância difícil e repleta de percalços. A primeira delas, motora. Devido à lesão neurológica, Júnior não conseguia andar até os 8 anos, quando se submeteu a um procedimento cirúrgico. "Minhas pernas não faziam o movimento extensivo. Não conseguia andar. Depois da cirurgia aprendi, mas no início foi muito difícil", relembra o engenheiro, hoje com 31 anos. 

Sitema de detecção de movimentos
Legenda: Uma das criações de Júnior Prado é um sistema de detecção de movimentos, utilizado para substituir o teclado no controle do editor de texto
Foto: Divulgação

O fato de não andar e de ter parte da voz afetada, tornaram o ciclo social do jovem diminuto. Enquanto muitas crianças já sabiam ler, escrever e estavam avançando na escola, Juninho teve várias matrículas recusadas em sua cidade, Sobral. "Hoje é diferente. Há uma lei que meio que obriga as escolas aceitarem alunos com diversas deficiências. Naquela época, não", lamenta.

Diante das recusas e da idade avançada, os pais de Júnior conseguiram matriculá-lo na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Sobral, aos oito anos de idade.

Foi lá que comecei a aprender as primeiras coisas. Mas minha professora logo incentivou meus pais para que insistissem na escola regular. Minha paralisia não afetou a parte cognitiva. Na escola convencional poderia me desenvolver melhor"
Francisco José Júnior Prado
Engenheiro da computação

O desenvolvimento veio e hoje transforma vidas.

"Pingo de luz"

Ao sair da Apae, Juninho foi finalmente aceito em uma escola particular de pequeno porte, a 'Pingo de Luz'. Para ele, o nome sugestivo era um presságio do que viria pela frente. "Dali em diante minha luz acabou se espalhando e só cresceu", conta orgulhoso.

De família humilde, filho mais velho dentre 4 irmãos, Júnior teve de ser matriculado posteriormente na rede pública, onde concluiu o ensino fundamental. Após esta etapa, tentou uma bolsa para cursar o ensino médio em uma grande escola particular de Sobral e foi aceito.

"Segui acumulando pequenas vitórias". As conquistas não cessaram. Aos 20 anos, prestou dois vestibulares: Ciência da Computação, na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e Engenharia de Computação, na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi aprovado em ambas. A segunda delas, com um gosto especial.

"Quando saiu o resultado, fui conferir a lista de aprovados na parte dos cotistas. Não vi meu nome e fiquei muito, muito triste. Depois de alguns instantes, por curiosidade, olhei o nome dos aprovados na lista geral, queria saber quem tinha sido aprovado. Pela minha surpresa, lá estava meu nome. Foi uma alegria muito grande", comemora.

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No ano passado, Júnior Prado ingressou no mestrado de Engenharia Elétrica e de Computação no Campus da UFC em Sobral. O seu grande objetivo era garantir inclusão às pessoas com algum tipo de limitação. O sonho de Juninho era tornar a vida das pessoas mais inclusivas, diferente do que acontecera com ele na infância. 

AdaptMouse
Legenda: O AdaptMouse foi um sucesso. Em 2019, o projeto conquistou a competição Maker Challenge, do governo do Estado
Foto: Arquivo pessoal

Dispositivos que derrubam barreiras 

Durante todo sua trajetória escolar, Júnior acumulou dificuldades diante das suas limitações motoras. Escrever a punho era uma delas. Tarefas aparentemente simples, como fazer uma redação ou concluir uma prova da área de humanas, exigia bastante esforço. "Muitas coisas que escrevia, eu mesmo não entendia. E isso as vezes atrapalhava quando eu chegava em casa para estudar o conteúdo anotado em sala", relembra. 

Numa tentativa de mudar essa realidade, o sobralense, juntamente à equipe do Grupo de Tecnologias Assistivas e Educacionais (TAE), do Campus da UFC em Sobral, elaborou três dispositivos com a proposta de reduzir as barreiras tecnológicas para pessoas com deficiência.

Meu grande objetivo é criar ferramentas que possibilitem pessoas a fazerem alguma atividade que é comum, mas que para pessoas com deficiência pareça impossível"
Júnior Prado
Mestre recém-diplomado pela UFC

Juninho criou um mouse fabricado a partir de impressora 3D, um novo editor de textos e um dispositivo para servir de alternativa ao teclado convencional, todos eles com sistemas adaptados a pessoas com necessidades especiais. Todos eles são de baixo custo. As tecnologias estão em fase de aperfeiçoamento e o engenheiro pretende, no futuro, comercializá-las. 

"Um mouse convencional pode ser comprado a partir de 15,00. Para pessoas com deficiência, um mouse chega a custar 2 mil reais. Quero reduzir essa disparidade. Pretendo garantir acesso a todos", projeta. Para Júnior, a educação em sua vida "sempre teve um sentido adaptativo e assim quero passar adiante". 

Legenda: Protótipo do AdaptMouse que venceu a competição Maker Challenge em 2019
Foto: Divulgação

Início da trajetória 

O projeto do mouse começou a ser concebido ainda na graduação, quando Júnior Padro trabalhava na Apae de Sobral, instituição que deu as boas-vindas ao mundo escolar do jovem, ainda aos oito anos de idade. 

O local conta com um laboratório adaptado às necessidades dos alunos, adquirido através de projeto com patrocínio da campanha nacional Criança Esperança. O mouse disposto na entidade não é fabricado ou vendido no Brasil, por isso é tão caro. "Logo, pensei em criar algo mais barato".

Dispositivos
Legenda: O próximo passo é aperfeiçoar essas tecnologias, deixando os sensores de detecção de movimentos mais precisos
Foto: Arquivo pessoal

A ideia ganhou forma e tornou-se o projeto de TCC do então aspirante a engenheiro. "Meu professor de início ficou um pouco reticente devido ao pouco tempo que teria para desenvolver o produto. Mas me apoiou".

Com algumas sucatas fui criando o mouse e consegui replicar o funcionamento do [produto] importado, mas acrescentando novas funcionalidades que o outro não tinha”
Júnior Prado
Mestre recém-diplomado pela UFC

O AdaptMouse foi um sucesso. Em 2019, o projeto conquistou a competição Maker Challenge, do governo do Estado, recebendo um ano de incubação gratuita no Parque de Desenvolvimento Tecnológico (Padetec). Depois dele, vieram as outras duas invenções, que se completam e facilitam o uso de computadores por esse público.

Pessoas com deficiência motora nos membros superiores têm dificuldade para, além de manusear o mouse convencional, usar o teclado, devido à localização de algumas teclas e também pela exatidão necessária em pressionar a tecla desejada. Júnior resolveu dizimar esses obstáculos.

Criou um editor de textos adaptado para ser empregado com o AdaptMouse. De interface simples,  semelhante a um editor de texto convencional, ele utiliza um sistema de detecção de movimentos da mão para a escrita de caracteres, recorrendo a apenas três movimentos de mão para essa ação.

O terceiro dispositivo é exatamente esse sistema de detecção de movimentos, aplicado para substituir o teclado no controle do editor de texto.

Para isso, foram operadas técnicas de aprendizagem de máquina (machine learning) para a aquisição e classificação dos chamados sinais eletromiográficos (EMG), sinais biológicos (produzidos pelo corpo humano) detectados sob a área de alcance de eletrodos.

Esses dois últimos dispositivos estão descritos em artigo assinado por Júnior em parceria com os pesquisadores Alexandre Rolim Fernandes e Flávio Vasconcelos dos Santos. O estudo foi publicado na revista internacional IEEE Latin America Transactions.

Juninho explica que as invenções têm por objetivo controlar qualquer sistema computadorizado somente com os estímulos musculares. 

Como funciona

O professor do mestrado e orientador da pesquisa,  Alexandre Fernandes, explica que uma das grandes vantagens do sistema é o fato de ele ser pouco invasivo, ou seja, como utiliza apenas sensores de superfície em braceletes elásticos, não há necessidade de introdução de agulhas nos músculos dos usuários, como ocorre em outras tecnologias já existentes. “A escolha por eletrodos superficiais facilita no manuseio do equipamento, tornando-o mais viável”.

Legenda: O sistema de detecção de movimentos desenvolvido por Júnior Prado não é invasivo e dispensa a introdução de agulhas nos músculos dos usuários
Foto: Divulgação

Para que a tecnologia funcione, o usuário coloca uma espécie de bracelete elástico com eletrodos, e o sistema capta e classifica os movimentos de mão, para depois convertê-los em comandos para o computador. “No trabalho, esse sistema foi utilizado para controlar um editor de texto. Cada movimento realizava um comando tal como escrever, apagar e mudar de caractere”, explica Fernandes.

O próximo passo é aperfeiçoar essas tecnologias, deixando os sensores de detecção de movimentos mais precisos. Em seguida, Júnior pretende comercializar as invenções. Para o sobralense, primeiro da família a se formar em uma universidade federal, essas novas tecnologias "tem um poder grandioso de mudar a vida de muitos".

 

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