No Cedro, família mantém tradição secular da arte dos ferreiros
O ofício começou a ser desempenhado ainda no século XIX, na zona rural do Município da região Centro-Sul. Quase 130 anos depois, o número de ferreiros diminuiu. Os que ainda resistem às novas profissões se modernizaram
No final do século XIX, por volta de 1890, o mestre ferreiro, Vítor Correia Lima, chegou à localidade de Lajedo, zona rural de Cedro. Vinha com a família de Juazeiro do Norte. Instalou a primeira oficina com forno a carvão, fole e bigorna (peça de aço onde a ferramenta aquecida é moldada sobre pancadas intensas de marretas).
Quase 130 anos se passaram e a arte de forjar o ferro e produzir ferramentas agrícolas permanece viva entre seus descendentes. O patriarca da família aprendeu a arte com ferreiros artesãos que já moravam e trabalhavam na terra que teria como maior liderança religiosa e política na primeira metade do século XX, o Padre Cícero Romão Batista.
Netos e bisnetos dão continuidade diariamente ao ofício de ferreiro. A qualidade e o acabamento das peças tornaram-se referência no Ceará. Se tem a marca Víctor, é sinônimo de resistência.
A família ficou conhecida pelo prenome do ferreiro pioneiro - Vítor. O nome do patriarca transformou-se em sobrenome familiar e adquiriu a consoante 'c' - Víctor. Mas por aqui só se fala 'Vitor', com tonicidade fechada na última sílaba. Assim, são conhecidos popularmente na região como 'Chico Vitor', 'Zé Vitor'.
Vinícius Víctor começou aprendiz e se tornou um jovem ferreiro, dando continuidade à tradição familiar. Aprendeu com o pai e tios. Francisco Víctor Lima, mestre ferreiro, lembra que, no passado, era difícil trabalhar, mas depois da chegada da energia elétrica tudo ficou mais fácil. Observa, entretanto, que nem todos da família levam jeito para desenvolver o ofício.
Tradição
O trabalho começa bem cedo, por volta das 5 horas. Quem caminha nas ruas de terra, na localidade de Lajedo, ouve constantemente a batida dos ferros na bigorna. É o sinal de que as oficinas estão ativas, apesar das dificuldades. "Com esses anos todos de seca, as encomendas diminuíram", observa, Francisco Víctor de Lima, 66 anos, o Chiquinho. "Estou esperando que chova logo para a gente começar a vender roçadeira e outras ferramentas", completa.
Um dos ferreiros mais antigos, Francisco Víctor de Lima, 76 anos, conhecido como Netinho, recebeu o reconhecimento do Governo do Estado e o título de Mestre da Cultura, em 2010, por produzir, preservar e transmitir a cultura popular da arte de transformar, de forma artesanal, o aço em ferramentas de uso agrícola, na construção civil e em outras atividades produtivas.
As oficinas fabricam foice, roçadeira, chibanca, machado, marretas, martelo, picareta, armador, peças para máquinas, forrageira, debulhador de milho e lâminas de corte de terra. "Já fiz muitas coisas e sempre adorei. Foi com essa profissão de ferreiro que criei minha família e nunca faltou trabalho", pontua mestre Francisco.
Em média cada ferreiro fabrica 15 peças por dia. O preço varia segundo tamanho e o tipo de ferramenta entre R$ 15,00 e R$ 30,00. Netinho sempre foi reconhecido entre os parentes como 'o mestre dos mestres ferreiros' por sua capacidade de produzir peças e equipamentos diversos. "Aprendi com meu pai", confessa o especialista.
A tradição se mantém com os bisnetos de Vítor Lima, mas com o passar do tempo houve redução no número de oficinas e de artífices. Alguns, fora do núcleo familiar, chegaram, aprenderam a arte e abriram seus próprios negócios.
Os três filhos de José Víctor Sobrinho - Francisco Denys, Júnior e Paulo deram continuidade à profissão do pai, que se enche de orgulho de ter vencido as dificuldades e de ter criado a família.
Mudanças
No passado, as oficinas se limitavam a ter o forno a carvão, fole e a bigorna, além das marretas para moldar as peças de ferro e um esmeril rudimentar e manual. Os ferreiros trabalhavam com muita dificuldade. Para soldar uma peça, era preciso conhecer a arte de caldear, usar fogo, areia e aditivo para emendar partes da peça, como em um machado, e ter a habilidade de não ficar marcas da junção.
Hoje as oficinas estão mais modernas, com energia elétrica e outras máquinas de solda, corte, furadeiras e esmeril. O que não mudou é que cada oficina continua basicamente com dois operários: o ajudante e o mestre ferreiro.