Lampião revelou não querer abandonar o cangaço

Escrito por Redação ,
Legenda:
Foto: Arquivo/Aba Filme
Lampião, durante sua visita a Juazeiro do Norte em 1926, para onde se dirigira a convite de Floro Bartolomeu para integrar o Batalhão Patriótico no combate à Coluna Prestes, foi entrevistado pelo médico do Crato, Octacílio Macêdo. Lampião estava hospedado no sobrado de João Mendes de Oliveira e, durante a entrevista, foi várias vezes à janela, atirando moedas para o povo que se aglomerava na rua. Essa entrevista, que foi publicada no jornal “O Ceará”, na edição de março de 1926, é considerada pelos historiadores como peça fundamental no estudo e no conhecimento do fenômeno do cangaço. A entrevista teve dois momentos e pode ser lida na íntegra no site: www.verdesmares.com.br.

Sempre respeitei e continuo a respeitar o Estado do Ceará, porque aqui não tenho inimigos, nunca me fizeram mal e, além disso, é o estado do Padre Cícero

— Que idade tem?

— 27 anos.

— Há quanto tempo está nesta vida?

— Há nove anos, desde 1917, quando me ajuntei ao grupo do Senhor Pereira.

— Não pretende abandonar a profissão?

A esta pergunta Lampião respondeu com outra:

— Se o senhor estiver em um negócio e for se dando bem com ele, pensará porventura em abandoná-lo? Pois é exatamente o meu caso. Porque vou me dando bem com este “negócio”, ainda não pensei em abandoná-lo.

— Em todo o caso, espera passar a vida toda neste “negócio”?

— Não sei... talvez... preciso porém “trabalhar” ainda uns três anos. Tenho alguns “amigos” que quero visitá-los, o que ainda não fiz, esperando uma oportunidade.

— E depois, que profissão adotará?

— Talvez a de negociante.

— Não se comove a extorquir dinheiro e a “variar” propriedades alheias?

— Oh! Mas eu nunca fiz isto. Quando preciso de algum dinheiro, mando pedir “amigavelmente” a alguns camaradas.

Nesta altura chegou o 1° tenente do Batalhão Patriótico de Juazeiro e chamou Lampião para um particular. De volta avisou-nos o facínora:

— Só continuo a fazer este “depoimento” com ordem do meu superior. (Sic!)

— E quem é seu superior?

— ! !

— Está direito...

Quando voltamos, algumas horas depois, à presença de Lampião, já este se encontrava instalado em casa do historiador brasileiro João Mendes de Oliveira. Rompida, novamente, a custo, a enorme massa popular que estacionava defronte à casa, penetramos por um portão de ferro, onde veio Lampião ao nosso encontro, dizendo:

— Vamos para o sótão, onde conversaremos melhor.

Subimos uma escadaria de pedra até o sótão. Aí notamos, seguramente, uns 40 homens de Lampião, uns descansando em redes, outros conversando em grupos. Todos, porém, aptos à luta imediata: rifle, cartucheiras, punhais e balas...

— Desejamos um autógrafo seu, Lampião.

— Pois não.

Sentado próximo de uma mesa, o bandido pegou da pena e estacou, embaraçado.

— Que qui escrevo?

— Eu vou ditar.

E Lampião escreveu com mãos firmes, caligrafia regular.

“Juazeiro, 6 de março de 1926

Para... e o coronel...

Lembrança de eu.

Virgulino Ferreira da Silva.

Vulgo Lampião”.

Os outros facínoras observavam-nos com um misto de simpatia e desconfiança. Ao lado, como um cão de fila, velava o homem de maior confiança de Lampião, Sabino Gomes, seu lugar-tenente, mal-encarado.

—É verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes publicados nos jornais em letras redondas...

A esta afirmativa, uns gozaram o efeito dela, porém parece que não gostaram da coisa.

— Agora, Lampião, pedimos para escrever os nomes dos rapazes de sua maior confiança.

— Pois não. E para não melindrar os demais companheiros, todos me merecem igual confiança, entretanto poderia citar o nome dos companheiros que estão há mais tempo comigo.

E escreveu.

—1- Luiz Pedro; 2 - Jurity; 3 - Xumbinho; 4 - Nuvueiro; 5 - Vicente; 6 - Jurema; E o estado maior: 1 - Eu, Virgulino Ferreira; 2 - Antônio Ferreira; 3 - Sabino Gomes.

Passada a lista para nossas mãos fizemos a “chamada” dos cabecilhas fulano, cicrano, etc. Todos iam explicando a sua origem e os seus feitos. Quando chegou a vez de “Xumbinho”, apresentou-se-nos um rapazola, quase preto, sorridente, de 18 anos de idade.

— É verdade, “Xumbinho”! Você, rapaz tão moço, foi incluído por Lampião na lista dos seus melhores homens... Queremos que você nos ofereça uma lembrança...

“Xumbinho” gozou o elogio. Todo humilde, tirou da cartucheira uma bala e nos ofereceu como lembrança...

— No caso de insucesso com a polícia, quem o substituirá como chefe do bando?

— Meu irmão Antônio Ferreira ou Sabino Gomes...

— Os jornais disseram, ultimamente, que o tenente Optato, da polícia pernambucana, tinha entrado em luta com o grupo, correndo a notícia oficial da morte de Lampião.

— É, o tenente é um “corredor”, ele nunca fez a diligência de se encontrar “com nós”; nós é que lhe matemos alguns soldados mais afoitos.

— E o cel. João Nunes, comandante geral da polícia de Pernambuco, que também já esteve no seu encalço?

— Ah, este é um “velho frouxo”, pior do que os outros...

Neste momento chegou ao sótão uma “romeira” velha, conduzindo um presente para Lampião. Era um pequeno “registro” e um crucifixo de latão ordinário. “Velhinha”, apresentando as imagens: “Está aqui, seu coroné Lampião, que eu truve para vomecê”.

— Este santo livra a gente de balas? Só me serve si for santo milagroso.

Depois, respeitosamente, beijou o crucifixo e guardou-o no bolso. Em seguida tirou da carteira um nota de 10000 e deu uma gorjeta para a romeira.

— Que importância já distribuiu com o povo do Juazeiro?

— Mais de um conto de réis.

Lampião começou por identificar-se.