Fechamento de escritório no Crato força doação de 50 mil fósseis
Formada principalmente por material apreendido em 40 anos, coleção tem destino incerto com desativação de unidade regional. Fiscalização precária na região também preocupa. Urca luta para manter fósseis na região
Há um ano, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Mineração (ANM), antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), responsável pela fiscalização, regulação e proteção dos recursos minerais, aprovou mudanças em sua estrutura organizacional, com reflexos diretos no Ceará. O Escritório Regional de Crato, onde se encontra a maior reserva a céu aberto de fósseis do Período Cretáceo, encerrou suas atividades. Além de gerar carência na fiscalização a atividades ilegais, 50 mil peças estão com destino indefinido. A tendência é que o material seja mantido no Estado do Ceará, mas o destino do material, até agora, é incerto.
De acordo com o antigo chefe do Escritório Regional de Crato, Artur Andrade, a preferência é que as peças fiquem sob a guarda da Universidade Regional do Cariri (Urca) e outras instituições que trabalham na área. "Estamos dando preferência ao Cariri", garante. Entre o material, estão cerca de 30 mil fósseis de uma mesma espécie de peixe, insetos de 20 famílias diferentes, plantas, pterossauros, e aves que evidenciam, pela sua preservação, um padrão de cores. O problema é que tudo isso ainda não está catalogado. Alguns itens sequer estão registrados no livro de tombo.
A divisão do material fossilífero tem levantado debate. O paleontólogo Álamo Feitosa, da Urca, garantiu que a Instituição já enviou ofício pedindo a guarda das peças, mas acusa que elas já estão sendo "loteadas" para outras regiões onde há pesquisa. A equipe do Sistema Verdes Mares entrou em contato com a Agência Nacional de Mineração, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.
Doações
Artur Andrade reforça que a preferência é que o material fique no Ceará, mas a ANM pode dar preferência a pesquisadores que trabalham com uma subordem específica de insetos, como baratas, grilos, escorpiões, por exemplo. "Isso é uma divisão de caráter técnico, e não de caráter burocrático", enfatiza. As doações, segundo o servidor da Agência, observarão a estrutura das instituições que solicitarem estes fósseis.
Sobre o tombamento do acervo, Artur garante que, quando chegou em 1995, o livro de tombo era muito genérico. "As apreensões eram feitas, mas parte do material apreendido ficou sub judice. Nós (o escritório) ficamos como fiel depositário, e a Justiça determinava o destino. Este controle de tombamento houve pouco, temos mais controle dos empréstimos. Já o material que está exposto, está tombado", garante.
O prédio do antigo Escritório Regional do DNPM pertence à Prefeitura de Crato, em convênio firmado desde 1983, ainda como Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe (CPCA). Com o passar dos anos, a estrutura já era insuficiente.
Hoje, no seu depósito, dezenas de fósseis estão pelo chão, alguns expostos ao sol e à chuva. Uma parte, inclusive, apresenta avarias.
Assim que o geólogo Artur Andrade assumiu seu comando, o Escritório Regional possuía apenas quatro técnicos de campo e um do setor administrativo. "Hoje, resumiu-se, praticamente, à minha pessoa", conta. Sozinho, tinha que dar de conta do acervo, da parte administrativa e também da fiscalização de 10 mil quilômetros quadrados de território no Ceará, Pernambuco e Piauí.
Ausência
Com o fim do escritório, o geólogo foi deslocado para Fortaleza, onde funciona a Gerência Regional. Uma das alternativas para a ANM continuar no Cariri era a criação de uma Unidade Avançada, como aconteceu em Criciúma (SC), Itaiatuba (PA), Governador Valadares, Patos de Minas e Poços de Caldas (MG). Mas a medida não avançou. "Esta ausência da gente pode acelerar a atividade ilícita de compra e venda de fósseis", ressalta Artur Andrade.
O fim do escritório também preocupa especialistas. Para o paleontólogo Álamo Feitosa, a situação pode abrir um precedente para o tráfico de fósseis. "Eu acho um verdadeiro descaso não ter um ponto de fiscalização direto aqui. Faz mais sentido ter uma Gerência aqui do que em Fortaleza", pontua o pesquisador.
Com exposição fechada há mais de um ano, o prédio do Escritório Regional do Crato exibia fósseis, principalmente para escolas. Há um mês, Álamo Feitosa foi à Câmara Municipal de Crato pedir que o espaço não seja extinto.
Uma comissão formada por parlamentares, sociedade civil e pesquisadores, analisará a possibilidade de manter no prédio a atividade paleontológica. "A Urca tem corpo técnico para isso. A Universidade tem. Isso não é um problema, é uma solução. O Governo do Estado pode assumir. Ali tem uma coleção com quase 40 anos", ressalta o paleontólogo.
Já Artur acredita que é possível manter o prédio sem o corpo técnico da ANM. "Podem trazer alunos da Urca ou qualificar alguém. Só a responsabilidade de fiscalização que não muda. Tudo que for passado será feito oficialmente", pondera o geólogo.