Famílias do Sertão cearense veem sonho de ter cisternas para água da chuva cada vez mais distante

O programa de construção de tecnologias sociais de convivência com a seca desacelerou nos últimos seis anos. Sem liberação de recursos e construção de unidades, as famílias enfrentam dificuldades no Sertão

Escrito por Honório Barbosa , regiao@svm.com.br
Legenda: Um dos tipos de cisterna é a familiar de água para consumo, que é instalada ao lado das casas e tem capacidade para armazenar 16 mil litros de água potável.
Foto: Wandenberg Belem

A dificuldade é grande, não tem água pra gente. O sonho era ter uma cisterna, já que sem água ninguém vive”. A dona de casa Luzinete dos Santos, 81, moradora da localidade de São Francisco, na zona rural de Crato, é uma das 65 mil moradoras cearenses que esperam a implantação de cisternas familiares, que acumulam 16 mil litros de água da chuva.

No Sítio Manoelzinho, também zona rural de Crato, há oito famílias que esperam há pelo menos dez anos por instalação de cisternas. Narcisa Amorim, de 80 anos, é uma das moradoras. “O poço seca no verão e a água não dá para todas as casas”, lamenta a idosa.

Maria de Fátima Nascimento, 63 anos, mora com marido e sete filhos e passa pelas mesmas dificuldades.

“A nossa salvação é o caminhão-pipa que traz água porque tem um poço perto daqui, mas a água é salgada e só serve para dar aos bichos e lavar roupa”, disse.

Os relatos de Luzinete, Narcisa e Maria se multiplicam. Lessiana Lunas, 34, observa que na comunidade Ladeira são 19 famílias que enfrentam precariedade no abastecimento. “É preciso implorar por um carro-pipa para encher os tambores e as caixas”.

Naquela mesma comunidade, o agricultor aposentado, Francisco Carlos da Silva, 69 anos, reforça que a necessidade de água "é geral". “Aqui a gente não perde a esperança, mas só Deus para  nos salvar”.  

Queda

Em 2020 o programa sofreu queda de 94% no Nordeste em comparação com 2014. O Ministério da Cidadania até dispôs dotação orçamentária de R$ 138 milhões, mas não executou nenhuma unidade. Os projetos que foram concluídos (8.310) decorrem de contratos firmados em 2017 e 2018.

2014
foi o ano em que mais se construiu a tecnologia de combate à seca (149 mil unidades).

No Ceará, já foram instaladas mais de 337 mil cisternas de primeira água (16 mil litros), mas ainda há uma demanda de 65 mil unidades. Foram implantadas no Estado, 32 mil reservatórios de segunda água (52 mil litros) e a demanda para essa tecnologia é de mais 180 mil equipamentos. Os números foram apresentados pela Articulação do Semiárido (ASA).

Legenda: A água de boa qualidade oriunda da chuva e acumulada nas cisternas reduz doenças de veiculação hídrica, protege crianças e idosos e é uma necessidade diária, segundo especialistas
Foto: Wandenberg Belem

Marcos Jacinto, coordenador Instituto Elo Amigo, exeplica que em 2019 e 2020 houve apenas finalizações de obras referentes a convênios firmados com o Ministério da Cidadania em 2017 e 2018. Com relação ao contrato firmado com a pasta para aplicação de recursos provenientes do Fundo de Direitos Difusos, em 2019, a ASA, após obter na Justiça direito de participação, ganhou um dos lotes no valor de cerca de R$ 30 milhões, mas “não nada foi executado até o momento”, afirmou Jacinto.

Entre 2019 e 2020 foram executadas 20 mil tecnologias de convivência com a seca, cujos recursos decorrem de uma cooperação direta firmada em 2018 com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES).

Tipos

  • Cisterna familiar – 16 mil litros – polietileno ou de concreto – cimento, ferro e areia;
  • Calçadão, produção ou de enxurrada – 52 mil litros – escavada na terra e feita de cimento, ferro e areia;
  • Escolar – 52 mil litros – cimento, ferro e areia.

Uma cisterna de 16 mil litros atende a uma família de cinco pessoas por oito meses.

À espera

Na zona rural de Iguatu, assim como em Crato, também há centenas de famílias que igualmente esperam por instalação de uma cisterna de 16 mil litros para atender a demanda de água de beber e para cozinhar os alimentos.

Quem tem cisterna sabe da importância da tecnologia de convivência com o semiárido. “Se não fosse essa cisterna não sei o que seria da gente, depender do caminhão-pipa com água que não serve para beber”, disse o agricultor Luís Felipe, morador da localidade de Morada Nova, zona rural de Iguatu.

Legenda: Localidades que não contam com cisternas, os caminhões-pipa auxiliam no fornecimento de água
Foto: Wandenberg Belem

O agricultor Gilton de Lavor, tem uma cisterna de 16 mil litros e observa que se não fosse a obra “a situação era difícil para todos os moradores”. A aposentada Maria Sinhá de Lavor, não conta com a mesma sorte, Sem cisterna, ela relata o drama no acesso à água.

“A gente passa três, quatro dias sem água e tem de comprar porque nem sempre o caminhão-pipa aparece e o açude nesse tempo já secou”, contou.

Em São Bartolomeu, zona rural de Cariús, no Centro-Sul cearense, Socorro Araújo aguarda há mais de dois anos pela chegada da cisterna. “A gente se inscreveu no programa e está esperando chegar”.

Importância

Para o médico sanitarista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Ceará, Odorico Andrade, a água de boa qualidade oriunda da chuva e acumulada nas cisternas “reduz doenças de veiculação hídrica, protege crianças e idosos e é uma necessidade diária”.

Ele destaca que o programa atende “as famílias mais vulneráveis que moram em áreas isoladas do sertão e é considerada uma das maiores ações, reconhecidas pela Organização das Nações Unidas, com ótimos resultados”.

O Sistema Verdes Mares entrou em contato como Ministério da Cidadania, mas até o momento da publicação dessa reportagem nenhum esclarecimento havia sido encaminhado.

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