Desertificação avança no território cearense, alertam especialistas
O processo causa empobrecimento do solo e afeta fauna e flora. Através de estudos da Funceme, concluiu-se que é possível reverter este quadro no Ceará
Os longos períodos de estiagem - o mais recente deles entre os anos de 2012 a 2018 - registrados no Ceará, somados à utilização da terra sem conhecimento de suas vulnerabilidades e sem considerar suas limitações, resultaram na degradação de componentes ambientais importantes para o equilíbrio da natureza. A consequência imediata desta equação é a perda ou a redução da produtividade das terras o que acaba impactando negativamente na vida do homem do campo e, também, na fauna e flora.
Neste cenário em que ocorre erosão intensa da terra, a disponibilidade dos recursos hídricos é igualmente afetada. A gerente do Departamento de Meio Ambiente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Margareth Benício, detalha que os danos advindos da desertificação são múltiplos. Ela enumera medidas e ações que podem minimizar esse processo, que tem interferência direta da ação do homem, e explica que é possível reverter este quadro através de projetos assertivos.
O que causa a desertificação?
De acordo com a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (CNUCD), esse fenômeno pode ser causado tanto por mudanças climáticas como por atividades humanas, caracterizada pela degradação das terras. Ocorre em zonas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas e atinge cerca de 41% da superfície global do planeta. No Brasil, essas 'Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASDs)' abrangem os nove estados do Nordeste e norte de Minas Gerais e Espírito Santo. São regiões classificadas com clima semiárido e subúmido seco. Por meio de estudos realizados pela Funceme, o Ceará foi catalogado 100% de seu território dentro das ASDs.
A ação antrópica contribui para o agravamento deste cenário?
É um dos principais agentes causadores da desertificação. Desmatamento desordenado, extrativismo, queimadas, uso intensivo do solo na agricultura, irrigação mal conduzida, sobrepastoreio e densidade populacional são algumas das atividades realizadas pelo homem que são responsáveis pela situação de degradação das terras. O manejo e a utilização incorreta do solo são, talvez, as principais contribuições para o agravamento do problema.
Quais ações estão sendo desenvolvidas para reverter ou minimizar este quadro de desertificação?
Inicialmente, foi feito um grande esforço para se conhecer melhor as vulnerabilidades do território, através de mapeamentos, diagnósticos e caracterizações do meio físico (solo, geologia e vegetação). Isso culminou com a identificação das áreas fortemente degradadas em todo o Ceará. Os pesquisadores da Funceme observaram que em áreas que já estavam em avançado estágio de degradação era preciso atenção especial por parte dos governos e de entidades da sociedade civil.
Após a elaboração dos Programas de Combate à Desertificação, Nacional e Estadual - entre os anos de 2004 e 2010 - vários projetos e pesquisas foram incrementados, visando ajudar a minimizar ou mesmo reverter o problema. Neste sentido, a Funceme, com recursos do Ministério do Meio Ambiente, faz o monitoramento da recuperação de uma área degradada no Núcleo de Desertificação do Médio Jaguaribe. O objetivo é reverter o quadro de degradação, recuperando as condições do ambiente natural.
Como acelerar o processo de recuperação das áreas degradadas?
Durante todos esses anos de vivência e estudos dessa problemática, nós, pesquisadores da Funceme, temos a convicção de que é importante a implantação de políticas públicas eficazes, pois só o homem do campo não consegue minimizar a degradação do ambiente. É necessário, também, que se forneça ao agricultor, educação ambiental, assistência técnica através da extensão rural, facilidade para a obtenção de créditos junto as instituições financeiras e insumos adequados para manejo dessas áreas. Estudos de solos em escalas mais detalhadas, ampliação de projetos de recuperação, técnicas envolvendo reflorestamento com espécies ecologicamente adaptadas, recuperação da matéria orgânica e práticas conservacionistas são outras ações que beneficiam a recuperação de áreas degradadas.
A desertificação acarreta no empobrecimento do solo. Qual o impacto disso para o agricultor que já sofre, há anos, com a seca?
Quanto mais erodido o solo, menos nutrientes e menos água acumulada estarão disponíveis para as plantas. Isso implica numa menor produtividade ou, em alguns casos, na não sobrevivência das plantas nesses ambientes.
Qual a importância do projeto de Recuperação de Área Degradada em Processo de Desertificação na Sub-Bacia Hidrográfica do Riacho do Brum, no Município de Jaguaribe?
Um dos pontos importantes é sabermos por comprovação científica, se é possível reverter uma situação de degradação ambiental nas condições semiáridas do nosso Estado. Com a resposta positiva poderemos disseminar a tecnologia implementada na área para outras regiões com as mesmas características, para evitar o processo de degradação das terras.
Como, na prática, funciona esse projeto?
O projeto foi implementado em uma área de cinco hectares, em avançado processo de desertificação, em que o solo e a cobertura vegetal estavam bastante degradados, com elevada erodibilidade, baixa capacidade produtiva das terras e empobrecimento generalizado da biodiversidade. O desafio era recuperar as condições do ambiente natural, através da aplicação de técnicas de manejo e conservação do solo, para, assim, reverter o quadro de degradação. A metodologia desse projeto constou, primeiramente, de uma caracterização dos aspectos físicos, tais como solos, vegetação, recursos hídricos e outros, para conhecer a realidade e planejar as técnicas adequadas para a recuperação da área. Também foi realizado um diagnóstico socioeconômico, para conhecer a situação da população e enquadrá-la dentro do projeto. Na preparação da área foram executados barramentos de pedra para contenção de sedimentos e implementadas técnicas de manejo do solo (sistemas conservacionistas), que compreendem terraços de base estreita, escarificação e sulcamento e, em seguida, foi feita aplicação dos insumos para a recuperação da área - esterco de curral e serapilheira. Toda área de pesquisa foi cercada para evitar a entrada de animais.
O projeto de Recuperação de Área Degradada já colheu resultados?
A implementação do projeto foi concluída em janeiro de 2015 e, após a primeira quadra chuvosa a área já apresentava uma resposta bastante positiva através de um expressivo acúmulo de sedimentos nas barragens construídas, ressurgimento de algumas espécies vegetais que haviam desaparecido, notório acúmulo de umidade no solo e o surgimento de serapilheira da própria área nos sulcos. As serapilheiras são sementes e elas foram aplicadas nos sulcos no terreno juntamente com esterco de curral. Essa técnica fundamenta-se no princípio da restauração da vida biológica através da reintrodução de microorganismos e sementes de plantas superiores na área degradada. Agora, está sendo realizado o monitoramento das técnicas de manejo para uma avaliação do processo. Os sinais de recuperação são bastante evidentes. Observa-se o aparecimento e reaparecimento de espécies arbustivas, arbóreas e do estrato herbáceo, deixando o solo coberto, até mesmo na estação seca. O solo apresenta melhores características físicas e químicas e um boa taxa de infiltração da água. Houve redução da erosão e bastante acúmulo de sedimentos nas barragens sucessivas o que permitiu o aumento da cobertura vegetal.
Esse projeto pode ser replicado para outras regiões do Estado?
Sim. Inclusive é de interesse da Funceme testar essa mesma metodologia com as devidas adaptações em outros solos e relevos diferentes encontrados no Estado. Considerando a grande vulnerabilidade da região semiárida, soluções locais de adaptação que visam recuperar áreas degradadas são de grande importância e impactam diretamente na regulação do regime hidrológico e no sequestro de carbono, atenuando ou mesmo revertendo alguns dos efeitos das variações climáticas. O desafio de utilizar racionalmente os recursos naturais na região semiárida implica em políticas de recuperação, conservação e manejo adequado do solo, da vegetação e dos recursos hídricos, aliado à conscientização das populações para uma mudança de paradigma.