Comunidade de Barreiros luta para resgatar as suas histórias e tradições
No Colégio Municipal Antônio Carlos Magalhães, os jovens constituíram grupos de reisado, dança e capoeira
Itaguaçu da Bahia (BA) Apesar de todas as adversidades, os quilombolas da comunidade de Barreiros, povoado de Itaguaçu da Bahia, a 570km de Salvador, tentam, por meio da cultura, manter ou resgatar as tradições de seus ancestrais. No Colégio Municipal Antônio Carlos Magalhães, os jovens constituíram grupos de reisado, dança e capoeira. Os ensaios acontecem todas as tardes.
A capoeira e outras danças são praticadas por jovens de todas as idades na escola Foto: Cid Barbosa
Políticas públicas
A falta de cobertura das políticas públicas é a regra. Para percorrer os 18km da BA-426 até a comunidade, é preciso pagar por um transporte coletivo alternativo, já que os moradores não são servidos por nenhuma linha de ônibus regular. "Se quisermos nos deslocar até a sede, em Itaguaçu, a passagem custa R$ 10. Até a cidade de Xique-Xique, custa R$ 25. É um absurdo que a gente seja obrigado a pagar por isso", desabafa o quilombola Raul Sirino Silva.
No que diz respeito à saúde pública, a precariedade é visível. O posto que serve à comunidade não oferece nenhum tipo de especialidade, não tem medicamento e o médico e o odontólogo comparecem apenas duas vezes por semana, num só período, o que é insuficiente para atender à demanda.
Edsônia Bispo Santos, integrante do Conselho Regional das Comunidades Quilombolas da Região do Irecê, lembra que os casos mais graves, ou quando há necessidade da realização de cirurgias eletivas, precisa ser encaminhados para Irecê ou para Xique-Xique.
"O descaso é grande. O que quase sempre acontece aqui nessa região é que as pessoas ficam numa fila de espera interminável, nunca são atendidas. Terminam por retornar. Alguns se curam de maneira natural. Quem não tem tanta sorte, pode acabar morrendo", conta.
Outro problema que aflige aqueles quilombolas diz respeito ao abastecimento de água. Há dois anos, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) liberou duas parcelas de um projeto referente à construção de uma caixa-d´água e de uma adutora para abastecer da localidade de Alegre até a de Barreiros.
A caixa foi erguida, mas não tem nenhuma utilidade. Não passa de um elefante branco. A adutora jamais saiu do papel. "Não sabemos onde foi parar o dinheiro que deveria ter sido empregado nessa obra", denuncia Raul Sirino Silva.
A nossa equipe entrou em contato com o escritório da Funasa na Bahia. O chefe de engenharia, João Maia, explicou que o órgão repassa o dinheiro às prefeituras para a execução das obras. Quando isso não é feito, busca retomar o dinheiro por processo administrativo.
Enquanto isso, os moradores pegam água numa nascente bem perto, num local onde os animais pastam e depositam seus dejetos. Saneamento básico não existe. A reclamação também é em relação à privatização de um ponto chamado "Baixa dos Negros", para onde os escravos refugiados se deslocavam ao fugirem da senzala.
No tocante à religiosidade, "pouca gente é fiel às manifestações afros. Muitos deixaram de lado o candomblé e a umbanda por causa do estigma de ser considerado "coisa do diabo" e hoje professam outras religiões, como a católica e evangélica", aponta Edsônia.
Mandioca
As dificuldades ocasionadas pala falta de assistência por parte dos órgãos públicos não impediram os moradores de buscar com o próprio esforço melhoria na qualidade de vida.
Graças a uma iniciativa da Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Quilombolas João Pereira Gomes, a comunidade passou a produzir bolos e biscoitos, além de outros produtos comestíveis, derivados da mandioca, num total de aproximadamente quatro toneladas por dia de mandioca beneficiada. Quase tudo que é produzido na comunidade é adquirido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Outra parte é distribuída entre a própria população carente. Na cozinha, localizada nos fundos da Associação, trabalham 11 mulheres das 6h da manhã às 14h. O esforço é compensado ao fim do dia.
A realidade começou a mudar há três anos, após a profissionalização da produção por meio de um projeto desenvolvido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e também a compra, por parte da Conab, através do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA).
"Dentre outras coisas, a iniciativa tornou mais fácil o escoamento do que nós produzíamos", explica Marilza Pereira Gomes, presidente da Associação. Segundo a líder quilombola, os cursos "abriram a mente das pessoas para questões como acesso ao mercado e à própria manipulação dos alimentos".
Biscoito, bolacha de goma, bolo de tapioca cozida, pudim e sorvete são apenas alguns dos cerca de 30 itens produzidos pela comunidade.
Casa de farinha
O próximo passo é a implantação de uma casa de farinha, o que poderá implicar no aumento substancial da produção. "Hoje, beneficiamos quatro toneladas de raiz. Com o advento da casa de farinha, podemos aumentar em seis vezes essa produção e assim beneficiar também outras famílias que estão fora do programa. Isso serve para provar que, se houver ajuda, o resto a gente faz", assegura Marilza.
FERNANDO MAIA
REPÓRTER