Caminhada deve reunir 10 mil peregrinos em Senador Pompeu
Grupos iniciaram a jornada antes da romaria que ocorre hoje (10). Um total de 31 pessoas saiu, ontem, de Piquet Carneiro em uma peregrinação prévia. Eles caminharam 27km para homenagear vítimas da seca de 1932
Aderson Vitoriano Oliveira, 78 anos, aposentado, faz pelo segundo ano seguido uma peregrinação de 27 km em direção à cidade de Senador Pompeu, no Sertão Central do Ceará, para participar da Caminhada da Seca, que tem concentração marcada para as 5h deste domingo (10), na Igreja de Nossa Senhora das Dores. Neste ano, cerca de 10 mil pessoas devem se encontrar na romaria que chega a sua 37ª edição visando resgatar a memória de milhares de pessoas que morreram em 1932 no entorno do Açude Patu.
Apesar do avanço da idade, Aderson Oliveira e mais 30 peregrinos encontram, na fé e no compromisso de lutar em defesa da implantação de políticas públicas de convivência com o semiárido, forças para enfrentar o calor abrasador e o sol, que queima os pés e esquenta a cabeça do sertanejo.
Neste ano, o grupo saiu da cidade de Piquet Carneiro, ainda na madrugada desse sábado (9). A programação inclui momentos de descanso, lanche, rodas de conversa, almoço em comunidades rurais, cânticos e orações. No ano passado, a peregrinação foi mais extensa, pois saiu da cidade de Iguatu e durou quatro dias. O grupo foi menor, 18 pessoas que caminharam 115km.
Em Senador Pompeu, o grupo de peregrinos se somará a outros na Praça da Matriz nesta manhã de domingo (10). Em seguida, todos juntos, fazem a caminhada em direção ao cemitério e à barragem de Patu. O percurso, de 7km, é feito em meio a oração, com o grupo sempre entoando cânticos religiosos.
Um dos idealizadores da peregrinação, que se soma à Caminhada da Seca, é o padre Anastácio Ferreira, da diocese de Iguatu. "Refazemos o percurso de milhares de sertanejos que, em 1932, saíram em busca de alimento, trabalho e foram barrados em Senador Pompeu, em um campo de concentração", frisou. "Fazemos essa memória, um resgate histórico para chamar a atenção dos moradores e evitar a volta de políticas de morte", complementa o padre.
Percurso
No caminho, uma parada na localidade de Catolé, já no município de Senador Pompeu. Mesmo com anos seguidos de seca, há cultivo de frutas e hortaliças em quintais produtivos e mandalas. Momento de almoço e de roda de conversa para mostrar a importância das políticas públicas de convivência com o semiárido.
A caminhada termina na cidade de Senador Pompeu. O grupo é recebido com celebração litúrgica, jantar comunitário e confraternização. "Ressaltamos a palavra de Deus, os ensinamentos de Jesus, a partilha e caridade, a defesa da vida", pontuou o pároco de Senador Pompeu, João Melo. "Esse evento tem importância histórica e social, além do fortalecimento da fé católica".
O tombamento do campo de Patu deu maior evidência ao evento anual de memória e de homenagem às almas daqueles que morreram na seca severa de 1932 - que assolou o Ceará e levou vidas.
A perspectiva dos organizadores é de que o evento neste ano possa bater recorde de público: dez mil peregrinos, entre visitantes e curiosos em conhecer mais sobre esse fragmento histórico do Ceará. A atração de um grande público tem reflexo direto na economia local. Pousadas e hotéis estão com ocupação total e houve procura em outras cidades da região, como Piquet Carneiro e Milhã.
A paróquia de Nossa Senhora das Dores e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Antônio Conselheiro (CDDH-AC), em Senador Pompeu, pastorais sociais e outros movimentos da diocese de Iguatu promovem o ato de aspecto social e religioso.
Neste ano, o evento tem como tema "Caminhando ao campo santo do sertão em louvor às almas da barragem de Patu, com a mãe das Dores, em defesa da vida". O padre João Melo, há oito anos à frente da paróquia de Senador Pompeu, explica: "A programação visa resgatar a memória daqueles trabalhadores, retirantes da seca, que morreram em 1932, no chamado "curral da fome", sem assistência governamental".
Após a celebração da liturgia, por volta das 10 h, os peregrinos fazem visitas ao antigo cemitério e aos casarões que foram construídos para moradia dos engenheiros ingleses. Em seguida, ônibus cedidos pela Prefeitura fazem o transporte de volta dos peregrinos. "É um evento importante para manter viva a história das secas que mataram milhares de sertanejos", observou o prefeito de Senador Pompeu, Maurício Pinheiro. "Há aspectos cultural, social e religioso, atraindo a cada ano novas pessoas", destaca.
Passado e presente
O Ceará no século passado enfrentou severas secas em 1915, 1932, 1958, 1970 e no período de 1977 a 1979. Todos os eventos deixaram saldos de morte de pessoas e animais por fome e doenças. A política de assistência na época era a abertura de frentes de serviço e venda de grãos e carne seca.
"Tivemos um ciclo recente de seca, e não houve mais invasões de cidades e mortes de milhares de sertanejos, mas a realidade de hoje nos chama a atenção para a falta de investimentos na saúde, por exemplo, pois nos hospitais morrem muitos por falta de assistência, de exames no tempo certo", pontuou reflexivo o padre João Melo.