Agricultor faz curas no Cariri

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Pessoas lotam a casa do agricultor Antônio Aristides dos Santos, em Milagres, para obter solução para seus males

Milagres
Vivemos um momento da volta à espiritualidade. O materialismo está cansando as pessoas. Existe uma busca por dimensões novas, não materiais. Muitos buscam a espiritualidade às margens da doutrina oficial, quebrando as amarras das religiões e seitas que limitam a liberdade de crença. Este misticismo, aliado ao preço alto dos medicamentos e às falhas no Sistema Único de Saúde (SUS), faz com que as pessoas voltem a procurar a cura para suas doenças no sobrenatural.

No Cariri, a casa do agricultor Antônio Aristides dos Santos, conhecido como "Antônio Rezador", localizada no Sítio Tabocas, município de Milagres, foi transformada no "hospital dos desenganados pelos médicos e no divã dos desesperados que, atormentados pelos problemas do dia a dia, procuram uma solução divina".

Diariamente, cerca de 100 pessoas fazem fila na casa do rezador, trazendo no corpo e na alma as mais diversas mazelas. No meio da multidão de desvalidos, médicos, empresários, políticos, padres, advogados e agropecuaristas que, a exemplo das pessoas comuns, sofrem dos mesmos males.

Misticismo

O ambiente é cercado de misticismo. Ao lado da casa de morada do rezador, foi erguida uma pequena capela com o nome de Sagrada Família, onde estão entronizados cerca de 500 imagens de santos, entre os quais o Padre Cícero, doados por pessoas que se dizem curadas por ele. Seu Antônio explica que o número só não é maior porque ele doa os santos para as pessoas pobres.

Ao lado da capela foi construído um monumento com as imagens do Cristo Redentor, Nossa Senhora das Graças e Padre Cícero, adornado com um coração de mármore branco. Mas é dentro da capela, com o piso coberto por um tapete, que o rezador faz suas orações. Ali, as pessoas só podem entrar descalças. O exemplo é dado pelo rezador que, vestido numa camisa branca, com um terço na mão e só de meias, cumpre uma jornada de trabalho que começa às 6 horas da manhã e não tem hora para terminar.

Ritual

O ritual começa com o toque de um terço num copo com água que, em seguida, é passado nos pés de Jesus Crucificado e na imagem de Nossa Senhora das Graças. Os olhos verdes do rezador se voltam para o santuário. Em silêncio, ele começa a rezar, passando o terço em todo o corpo do paciente. Por fim, ele coloca num pequeno copo descartável um pouco de água para o paciente beber. Muitos já saem dali curados, garante seu Antônio, advertindo, entretanto, que quem cura é a fé. "É Deus quem tem o poder da cura, eu sou apenas um instrumento", complementa ele.

Com um tumor na próstata, desenganado pelos médicos, o agricultor José Augusto do Santos andou mais de 30 quilômetros para depositar suas últimas esperanças no poder de cura do rezador. Caminhando com dificuldade, o agricultor entra na capela, onde é recebido com entusiasmo por seu Antônio. "Ele vai sair daqui curado, é só uma questão de tempo", garantiu o rezador.

Ele explica que uma palavra de encorajamento é "um santo remédio para quem pensa que está à beira da morte".

Cura alcançada

A próxima paciente é a dona-de-casa Francinete de Jesus Leite, que veio da Paraíba trazendo uma criança com dor de cabeça. "Eu já alcancei a minha graça. Um filho e o meu marido, que viviam entregues ao vício do jogo e da bebida, estão curados. Agora, eu estou pedindo proteção dele para minha neta que se queixa de uma forte dor de cabeça", diz Francinete. O rezador cita centenas de pessoas que foram curadas. "Até padres eu já curei". Ao fazer esta declaração, Antônio conta que um padre estava na iminência de ter as pernas amputadas em consequência de diabetes. Ele foi até à casa do sacerdote, no Sítio São Félix, localizado no município de Mauriti, e deixou o religioso andando.

O rezador garante que já curou gente até pelo telefone. Ele lembra o caso de uma mulher que estava hospitalizada, em estado grave, no Estado do Pará. Orientou que a mãe da paciente colocasse água no copo. Pelo telefone, ele benzeu o líquido e mandou que passasse um algodão embebido nos lábios da paciente. "No outro dia, ela recebeu alta hospitalar", afirmou o rezador.

Fotografias

Outro método de cura é pelo retrato. "Já curei o chefe de uma gangue. Hoje, ele é caminhoneiro", diz seu Antônio, mostrando uma caixa cheia de fotos de pessoas que, segundo acredita, foram curadas por meio de seu intermédio. Novos pacientes começam a chegar. Eles se espalham no terreiro da casa, à sombra de um juazeiro. Outros rezam no pé do monumento onde estão as imagens do Cristo Redentor, Nossa Senhora das Graças e do Padre Cícero.

No banco traseiro de uma belina, uma jovem de olhar fixo espera calada o momento de ser atendida. Com a paciência de um pai que aconselha um filho, o rezador recebe a todos com alegria, repassando a concepção de que Deus é o "Senhor da vida e da morte".

Para o professor de Sociologia, Eugênio Dantas, no passado, este tipo de religiosidade popular foi vista pela elite intelectualizada como segmentos místicos e alienados, responsáveis por ideias supersticiosas no processo de construção das crendices de um povo. Mas, para a população humilde e pobre das periferias urbanas e das áreas rurais, o rezador é indispensável para a cura de males graves que acometem os segmentos populares da sociedade.

Eugênio, que deixou a batina para se casar, com licença do Vaticano, parte do princípio de que, independente da crença religiosa, a fé cura. Mas adverte que há casos incuráveis. "Eu queria ver um rezador curar um câncer ou repor um braço amputado", diz. A busca pela saúde, pela cura da mais simples a mais profunda enfermidade, faz parte da natureza e da condição humana. As estratégias para o processo de cura são diversas e estão em sintonia com a classe social a que pertence.

ORIGEM
Práticas foram trazidas da Península Ibérica

Milagres As práticas populares surgem como consequência da necessidade de se resolver os problemas diários e se transformam em convicções, em crenças que são repassadas de um indivíduo para o outro e de uma geração para a outra. Nesta perspectiva, defini-se práticas populares como sendo todos os recursos utilizados pelas famílias, pessoas leigas e por terapeutas populares, onde a apreensão do saber se constrói no cotidiano e se transmite de geração a geração, e cujo fazer não está ligado a serviços formais de saúde.

No Brasil, especialmente na região Nordeste, as práticas populares têm sido utilizadas comumente na busca de solução para problemas de saúde com o objetivo de prevenir ou de curar doenças. Estes ensinamentos, oriundos das camadas populares da Península Ibérica, foram trazidos por imigrantes portugueses que se instalaram no interior em zonas de pecuárias e de pequena agricultura de subsistência. Como no interior não havia sacerdotes e médicos, os rezadores eram pessoas de muito prestígio. Inclusive muitas eram procuradas também para rezar sobre uma plantação ou sobre um animal que estava doente. Esse catolicismo popular, mais voltado para o culto dos santos, caracterizava-se ainda hoje, por estar ligado às necessidades práticas da vida.

Antônio Vicelmo
Repórter


MAIS INFORMAÇÕES

Antônio Aristides dos Santos
Sitio Tabocas, BR-116,
Município de Milagres
(88) 9258.1493

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