Redes sociais e pé na estrada: como os candidatos vão tentar convencer o eleitor no Ceará em 2022
Confira as estratégias que devem ser utilizadas na campanha eleitoral deste ano e como você deve ficar vigilante a elas
Não é de hoje que o eleitor cearense tem sido mobilizado por atividades de pré-candidatos ao pleito deste ano, desde nomes que devem disputar a presidência da República a quem vai pleitear vaga na Assembleia Legislativa. Motociatas, passeatas, inauguração de comitês, discursos em entrega de obras: são várias as situações para chamar atenção e certamente você já ouviu ou viu alguma repercussão de alguma delas.
Antes mesmo do início da campanha, permitidas a partir de 16 de agosto, as estratégias eleitorais para atrair os votantes vêm se intensificando no Ceará na medida em que a eleição se aproxima.
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Mesmo com um cenário ainda indefinido no Estado, os principais nomes que tentam se efetivar para a disputa já começaram a gastar o solado dos sapatos em viagens ao Interior para inauguração de comitês, visita a lideranças, reuniões com cabos eleitorais, entre outras. Para ganhar projeção no ambiente virtual, discursos e opiniões sobre temas em evidências no momento são utilizados para dar visibilidade nas redes.
Esse cenário, no entanto, ainda é comedido perto do que deve ser feito na campanha eleitoral, quando as investidas devem se intensificar. Por isso, o Diário do Nordeste ouviu marqueteiros políticos experientes para apontar quais as principais estratégias políticas que serão utilizadas para atrair o eleitor cearense neste ano, como as diferentes lideranças devem atuar e quais temas devem estar em evidências nos embates entre candidatos.
Os especialistas são:
- Marcelo Lavor, publicitário e professor universitário, já atuou em várias campanhas para Legislativo, prefeituras e governos no Ceará, Piauí, Goiás e Amazonas
- Renato Ribeiro, publicitário e mestre em comunicação, já trabalhou em diversas campanhas eleitorais para prefeituras e governos no Ceará, Maranhão, Pará, São Paulo e Amapá
- Harley Dias, estrategista político, já atuou em várias campanhas para prefeituras e legislativo no Ceará e em Minas Gerais
Confira as opiniões
Quais as principais estratégias que devem ser utilizadas nas eleições deste ano para atrair o eleitor no Ceará?
Harley Dias — As estratégias com maior visibilidade são as com as redes sociais. Você tem que estar posicionado no Google, Facebook, Instagram, WhatsApp, TikTok. Quando você está conectado com uma rede online, você consegue fazer com que o eleitor acesse mais rápido as informações sobre você. E o candidato que já estiver trabalhando isso, que já está conectado, está dois passos à frente dos demais.
De forma assertiva, tem de ser trabalhadas as redes sociais, e, quando as pessoas não tiverem esse acesso à informação, à internet, devem ser feitas reuniões pontuais nos bairros, nos municípios. Tem que chegar através do contato pessoal, através da visita à casa, das rodas de conversa, porque assim você consegue chegar em todo mundo - através da internet e do boca a boca. É o famoso 'sola nos pés', tem que gastar o solado do sapato.
Marcelo de Lavor — Evidente que (as estratégias) serão muitas e adequadas ao perfil de cada candidato. No entanto, é importante perceber que todo candidato deve ter sua história e, a partir daí, as estratégias são criadas. Não se fabrica candidato. A pessoa é que deve se fazer candidato. Vale salientar ainda que as ferramentas são as mesmas, o que muda dependendo da estratégia, é como usar tais ferramentas.
Mas um aprendizado está claro: candidato que só se preocupar em bater, em acusar, vai se queimar sozinho e morrer pela boca. O eleitor quer ouvir propostas que, ao se transformarem em ações, contribuam para melhorar a vida. A esperança está no final da fila, mas ainda é que nos move.
Renato Ribeiro — Em primeiro lugar, as estratégias devem estar a serviço de projetos políticos, devem refletir visões de mundo. Não há uma 'estratégia' em si, sem que esteja necessariamente ligada a outras questões. Dessa forma, uma estratégia que seria utilizada por uma candidatura de extrema-direita, bolsonarista, não seria, talvez, a mais adequada para uma candidatura de centro-esquerda. Nem mesmo as estratégias seriam imbuídas de uma “neutralidade”. Dito isto, de uma forma geral, as estratégias que serão utilizadas vão depender de cada candidatura.
Em uma candidatura, por exemplo, que tenha como foco um viés desenvolvimentista e que priorize investimentos em educação, a estratégia deve estar em sintonia com isto. Dessa forma poderia englobar, por exemplo, contar histórias que envolvam a educação como fator de mudança positiva na vida das pessoas, afirmando ser este um dos principais caminhos para a mudança social. Enquanto uma candidatura que aposte num discurso da segurança poderia omitir, propositalmente, dados e ações relacionadas à educação e assumir uma estratégia de salientar estatísticas de violência, ampliando a percepção negativa sobre o problema.
(...) No caso do Ceará, este ano, as estratégias devem girar, por um lado, em torno da continuidade da gestão de Camilo Santana e, por outro, no questionamento de pontos que podem ser considerados mais fracos dessa gestão, como a segurança. Esses dois campos, situação e oposição, irão ressaltar, claro, as questões que lhe interessam, buscando articular essas questões com outras de interesse da população.
Quais as diferenças na utilização dessas estratégias a depender do cargo em disputa, como Governo, Senado, Assembleia, Câmara e Presidência?
Harley Dias — A diferença entre esses candidatos, senadores, deputados, governador, presidente, está na proposta que vai ser inserida. As redes sociais e a internet estão aí para movimentar e fazer chegar mais rápido as propostas para melhorar a vida do eleitor. O que vai fazer diferença é a proposta de cada candidato. Tem deputado que tem mais seguidores, então ele vai chegar mais rápido do que os que têm menos. Mas o que vai fazer diferença é a proposta de cada um.
Um dos erros de alguns candidatos é não manter o equilíbrio emocional, porque você distribui isso para toda sua equipe de apoiadores. Então, sua campanha começa a ficar minada. É um efeito dominó. O candidato tem que ser simpático, acessível, informal. Ele tem que entender que o calor humano é um pré-requisito para conquistar a confiança do eleitor. Quando ele perde esse equilíbrio, ele prejudica a sua candidatura.
Outro erro que os candidatos cometem é o 'enchimento de linguiça', quando ficam jogando propostas aleatórias sem tem a ver com aquela realidade. Você tem que focar em determinados requisitos, é o que vai fazer com que seja a chave para acessar o eleitor. Você tem que focar no problema do eleitor e propor algo que vai resolver o problema daquela comunidade, daquele Estado, do País, dependendo do cargo. É focar nos temas que estão mais em evidência naquele local e em uma proposta prática.
Marcelo de Lavor — Neste caso, o fundamental é que a campanha tenha a capacidade de transmitir qual é o papel, a função e o objetivo de cada candidato e traduzir isso claramente para o eleitor. Há de se compreender e separar o que cada um tem a fazer se eleito. Ou seja, cada qual no seu quadrado. O que cabe e pode ser feito pelos candidatos ao Executivo – presidente, governador e prefeito – assim como aos representantes do Legislativo. Cada um tem uma missão. Simples assim.
É comum nas campanhas os candidatos prometerem aquilo que não lhes diz respeito. É um deputado dizer que vai construir uma escola ou um hospital quando essa não é sua função. Ainda tem candidato que não entendeu isso e acaba por confundir ainda mais a cabeça do eleitor.
Renato Ribeiro — Muito diferentes, a começar pelo que está em disputa, que difere em todos esses cargos. Para os cargos executivos, que são o governo e a presidência, questões mais tangíveis, mais próximas das pessoas e que afetam suas vidas farão parte da estratégia, enquanto aos demais cargos, legislativos, há uma maior “abstração” sobre os temas. Não que eles não estejam presentes, mas há um limite nos cargos legislativos no que podem oferecer à população em termos de propostas e efetiva atuação em questões concretas, como obras, por exemplo. Isso, claro, impacta nas estratégias.
Indo para questões objetivas de campanha, outra diferença é o espaço no horário eleitoral, que será bem maior para os candidatos à presidência e ao governo. Essas campanhas poderão atuar mais fortemente na TV e no rádio e, potencialmente, tendo maior atenção dos eleitores.
Por outro lado, as candidaturas legislativas, principalmente de deputados federais e estaduais, tendem a ter sua campanha mais localizada (seja territorialmente, seja por segmentos sociais). Como desde as eleições de 2018 é permitido o impulsionamento pago de conteúdos em redes sociais, essas candidaturas podem segmentar suas campanhas, priorizando os grupos e territórios onde se concentram seus potenciais eleitores.
Qual será o papel das redes sociais na eleição deste ano, tendo em vista que na última eleição presidencial disparos em massa e fake news dominaram as discussões, impulsionadas por essas plataformas?
Harley Dias — Nsse ano os disparos em massa em relação a fake news vão perder força porque a própria Meta, que é a proprietária do WhastApp, está restringindo e bloqueando esse conteúdo. E as outras plataformas também estão se aparelhando para barrar essas fake news. Antes, você distribuía para 1 milhão de pessoas. Hoje, você só consegue compartilhar uma mensagem encaminhada muitas vezes, no máximo, para cinco pessoas. E sai uma mensagem dizendo que esse conteúdo já foi compartilhado várias vezes.
A propaganda na internet vai ser muito forte, mas sem esquecer o programa eleitoral de TV e rádio. A comunicação tem que ser um ciclo fechado, tem que ir desde a internet ao contato, à comunicação na TV e rádio. Todos os meios têm que caminhar juntos, têm que ter a mesma linguagem.
Marcelo de Lavor — Há muito tempo as redes sociais são determinantes nas campanhas, isso muito antes da última eleição. Na eleição para presidente o que se viu foi o uso das 'fakes news' como estratégia de campanha, nunca se mentiu e ludibriou tanto as pessoas. As redes sociais se transformaram numa panaceia que aglutina todas as virtudes e todos os vícios dos meios convencionais – rádio, jornal e tv. A fofoca da esquina, a conversa na calçada de casa, tudo virou conteúdo junto com as notícias reais.
Particularmente, continuo acreditando no que disse o filósofo Umberto Eco: 'a internet deu voz aos imbecis'. E já que todo mundo fala o que quiser, o fundamental é saber separar a verdade, aquilo que é relevante, da mentira, dos ataques e manifestações eleitoreiras.
Renato Ribeiro — (...) A primeira coisa que gostaria de dizer, sobre essa pergunta, é que não houve “disparos em massa” nas eleições de 2018. Explicando melhor: quando se fala em “disparos em massa”, imagina-se o envio de mensagens de forma indiscriminada, para milhões de pessoas. (...) O que aconteceu, e continua acontecendo, é a segmentação das mensagens para diversos públicos.
Pergunto a você: conhece alguém que, na eleição de 2018, recebeu assim, “do nada”, uma mensagem de WhatsApp de um número desconhecido com alguma fake news? Desconheço que isso tenha acontecido, o que caracterizaria os “disparos em massa”. Ao invés disso, as fake news fazem parte de um processo de construção do discurso bolsonarista, que vai muito além da campanha eleitoral.
Quais temas devem nortear a campanha no Ceará?
Harley Dias — O Brasil está precisando de propostas que realmente façam uma mudança na vida de cada um e que os candidatos pensem mais no povo, e não em uma briga política. Eu acredito que essa eleição, se os estrategistas não tiverem centrados, vai ser uma campanha de um nível muito baixo. Nós temos que propor aos cidadãos uma escolha, e essa escolha tem que ter proposta de melhorias na vida do cidadão.
No Ceará, como não foi definido de fato os pré-candidatos, fica-se um pouco nebuloso ainda. O que vai ser discutido vai ficar claro quando tiver de fato os pré-candidatos, porque você dá mais ênfase. Um tema batido e forte é o da Segurança Pública. Fome e pobreza também, o ICMS deve estar presente, porque o combustível baixando é um efeito dominó: o feijão baixa, o arroz baixa.
Marcelo de Lavor — Entendendo a missão de cada um no xadrez político, cada qual deve puxar os temas que estão na cabeça do eleitor. Se numa eleição presidencial pesam assuntos como casos de discriminação racial, sexual ou assédio moral, como acompanhamos no caso da demissão do Pedro Guimarães (ex-presidente da Caixa Econômica Federal), numa eleição estadual ou municipal, o esgoto que não existe, a escola e o posto de saúde que não funcionam, podem ter um peso muito maior na decisão de eleitor.
No entanto, o desemprego, a inflação crescente, o subemprego, as consequências da pandemia na economia, que exigem uma retomada rápida e eficaz do crescimento econômico, devem continuar como temas que grande relevância. Como sempre, a economia, o dinheiro que falta no bolso, continuará sendo o grande foco.
Renato Ribeiro — O que se observa até o momento é um desinteresse da população em geral pela eleição para o executivo estadual. (...) Em um cenário polarizado, como o que está ocorrendo em relação às eleições presidenciais, este debate entrará no pleito local, provocado pelos próprios eleitores. A própria postura do presidente Bolsonaro, ao tentar culpar governadores por algumas questões econômicas, como o aumento do preço dos combustíveis, trará essas questões para o debate local.
Nesta eleição, portanto, as questões econômicas estarão presentes entre os temas estaduais, o que nem sempre ocorria anteriormente. Além da própria disputa pela presidência, que deverá transpor para o Ceará a polarização da eleição nacional. Afora isto, teremos, claro, os temas recorrentes, presentes nas eleições do Ceará, principalmente a questão da segurança pública.