Legislativo Judiciário Executivo

Quantidade de CPIs na Câmara e no Senado despenca; deputados dizem que pandemia atrapalhou

Os políticos também apontam um “amadurecimento” nos parlamentos federais, que, segundo eles, passaram a fazer investigações mais direcionadas

Escrito por Igor Cavalcante , igor.cavalcante@svm.com.br
CPI Covid
Legenda: CPI da Pandemia foi a única aberta no Senado no ano passado
Foto: Agência Senado

Prerrogativa de deputados e senadores brasileiros, a instalação de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) na Câmara, no Senado e no Congresso tiveram uma queda abrupta entre os políticos em exercício do mandato. Na atual legislatura, apenas oito comissões desse tipo funcionaram – ou funcionam – nas Casas, uma redução superior a 70%, se comparado ao mandato anterior, com 30.

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Até mesmo os pedidos de CPIs perderam o “ritmo”. Os deputados federais, por exemplo, desde janeiro de 2019, quando tomaram posse, apresentaram apenas 13 requerimentos. 

Conforme legisladores ouvidos pelo Diário do Nordeste, a principal explicação é a pandemia da Covid-19, que exigiu adaptações nas atividades legislativas e dificultou a instalação dos colegiados. Os políticos também apontam um “amadurecimento” nos parlamentos federais, que, segundo eles, passaram a fazer investigações mais direcionadas.

Para efeito de comparação, foram considerados o período de 1º de janeiro de 2019 até o último dia 15 de abril, tanto na Câmara quanto no Senado. Entre os deputados, foram instaladas três comissões. Na legislatura anterior, entre janeiro de 2015 e dezembro de 2018, foram 15 colegiados implantados. Uma redução de 80%.

“As CPIs exigem um método de trabalho que não era possível naquele momento. A própria CPI da Pandemia, no Senado, tinha previsão de ser uma CPMI, com membros das duas casas, mas mudamos de ideia para ter um quórum menor. Então, especialmente em 2020, as comissões não funcionaram. Quando voltamos à atividade, foram com muitas restrições sanitárias, com horários e uso de salas intercalados e movimentação reduzida de pessoas”
Eduardo Bismarck (PDT)
Deputado federal e primeiro-suplente da Mesa Diretora da Câmara

Para o parlamentar, no entanto, esse não é o único motivo. “Também há um amadurecimento do Congresso no sentido de não fazer CPIs que são apenas palco e holofote para uns e outros. CPI é um instrumento sério, tem que ser preservado ao máximo para termos resultados esperados de acordo com o que for investigado”, acrescenta.

Câmara dos Deputados

Conforme os dados disponíveis no site da Câmara dos Deputados, que vão de 1999 a 2022 – no último mandato de Fernando Henrique Cardoso à frente do Executivo federal –, o período com o maior número de CPIs instaladas foi entre 1999 e 2002, com 19. Entre as apurações comandadas pelo Legislativo estavam questões como narcotráfico, atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o tráfico de animais. 

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CPIs foram instaladas na atual legislatura do Senado, da Câmara e do Congresso

Durante o fim do Governo Dilma Rousseff (PT) e Governo Michel Temer (MDB), a quantidade de CPIs voltou a crescer, chegando a 15. Foram investigadas questões como: crimes cibernéticos, Lei Rouanet, Petrobrás, sistema carcerário brasileiro e violência contra jovens negros.

Pedidos não atendidos

No caso dos pedidos de abertura de CPI, 44 foram apresentados nesse período entre os dois ex-presidentes. Durante o primeiro governo Lula (PT), foram 66 requerimentos. Já no atual ano legislativo da Câmara, foram apenas 13, uma queda de 70%. 

Entre os assuntos que foram alvos de pedido de investigação, estão: a relação entre os ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, os gastos do Governo Federal com publicidade estatal e o vazamento de bancos de dados de empresas.

Conforme o deputado federal André Figueiredo (PDT), o sistema híbrido adotado no Legislativo Federal durante o recrudescimento da pandemia foi um obstáculo nas articulações para aberturas de CPIs.

“Para abrir uma CPI é preciso fazer um trabalho intenso de coleta das assinaturas necessárias, para isso é importante ter uma conversa mais pessoal, o que ficou muito complicado de fazer de forma remota”, justifica. 

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Os dados indicam ainda um crescimento tanto nos pedidos quanto nas instalações de CPIs durante períodos mais turbulentos do governo. Isso aparece evidenciado durante o fim do governo Fernando Henrique, no primeiro governo Lula, com a crise do Mensalão, e no governo Dilma, que terminou com o impeachment da mandatária.

No caso do governo Bolsonaro, o deputado pedetista ponderam que o presidente tem uma base forte e articulada na Casa, o que é um obstáculo a mais. 

“A base do governo também inclui partidos do centro, então eles não assinam requerimentos que sejam contra o governo, isso dificulta. Acaba que ficamos com um número reduzido de parlamentares para tentar convencer e mostrar a importância de uma CPI. (Nesta conjuntura) é praticamente impossível obter 171 assinaturas ali”
André Figueiredo (PDT)
Deputado federal

De fato, conforme mostrou o Diário do Nordeste, os gastos parlamentares tiveram uma redução significativa em 2020, durante a pandemia, justificada pela redução nos custos com passagens aéreas dos parlamentares para Brasília. 

À época, os deputados federais cearenses gastaram R$ 365,9 mil com deslocamento aéreo. No ano anterior, esse valor era de R$ 2,3 milhões. Percentualmente, a redução de um período para outro foi de 84,3%.

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Senado Federal e Congresso

No caso do Senado, apenas um colegiado foi instalado no ano passado, justamente a CPI da Pandemia. A Comissão foi, diversas vezes, anunciada como a “mais importante” da história do legislativo brasileiro, por investigar a crise de oxigênio de Manaus e a conduta do Governo Federal durante a pandemia.

As investigações, encerradas em outubro do ano passado, desgastaram a popularidade do presidente Jair Bolsonaro (PL) e apontaram o indiciamento de 80 pessoas por suspeita de irregularidades relacionadas ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Já em 2020, nenhuma CPI foi instalada no Senado e no Congresso.

CPI da Pandemia pediu indiciamento de 80 pessoas
Legenda: CPI da Pandemia pediu indiciamento de 80 pessoas
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Levando em conta as últimas legislaturas, há novamente uma queda abrupta no número de comissões instaladas. Entre 2015 e 2019, foram 15 CPIs. Na atual legislatura, apenas cinco funcionaram no Congresso e no Senado.

Prioridades

Seja na Câmara, no Senado ou no Congresso, ao longo da história, as comissões ficaram com uma fama de uso político e pouca efetividade nas investigações. Para o deputado federal Danilo Forte (UB), esse é o fator que pesa na decisão de requerer e instalar um colegiado. 

“CPI é um instrumento muito sério de investigação que precisa de resultados contundentes. Muitas já foram abertas e não conseguiram o objetivo da punição exemplar para que os erros não voltassem a ser cometidos e isso causou uma certa frustração” 
Danilo Forte (UB)
Deputado federal

Para ele, é preciso foco e fatos concretos na hora de definir uma comissão parlamentar de inquérito. “Temos fatos concretos sobre os quais precisamos arguir questões que estejam relacionadas ao dia a dia das pessoas, como a defesa do consumidor nesses casos das agências reguladoras, como a Aneel, as companhias aéreas sobre o preço das passagens, por exemplo”, lista.

CPIs

As CPI concretizam uma das prerrogativas previstas para legisladores no Brasil que é fiscalizar. As comissões funcionam de forma temporária no Senado e na Câmara quanto no Congresso. 

No artigo 58 da Constituição Federal, está previsto que o Congresso e suas Casas terão comissões permanentes ou temporárias, entre elas as comissões parlamentares de inquérito (CPIs). 

“Que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”

No caso do Regimento Interno do Senado, está previsto que a instalação de uma CPI tem como requisito a assinatura de ao menos um terço dos senadores, ou 27 parlamentares. O pedido também deve conter o fato a ser apurado, o número de membros, o prazo de duração da comissão e o limite das despesas a serem realizadas.

“No exercício das suas atribuições, a comissão parlamentar de inquérito terá poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, determina a lei.

Assim, as CPIs podem: 

  • realizar diligências que julgar necessárias;

  • convocar Ministros de Estado;

  • tomar o depoimento de qualquer autoridade;

  • inquirir testemunhas, sob compromisso;

  • ouvir indiciados;

  • requisitar de órgão público informações ou documentos de qualquer natureza; e

  • requerer ao Tribunal de Contas da União a realização de inspeções e auditorias que entender necessárias.

Seja no Congresso ou nas Casas, as CPIs não têm poder de responsabilização civil ou criminal dos infratores. Ao fim das investigações, os parlamentares elaboram um relatório e encaminham aos órgãos competentes para tal função. 

Na Câmara dos Deputados, as regras para instalação de um colegiado são semelhantes, com a diferença de que o requerimento precisa de ao menos 171 assinaturas, ou um terço dos parlamentares. Na Casa, o número de CPIs funcionando de forma simultânea é limitado a cinco.

As mesmas regras se aplicam à instalação de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI), que inclui membros das duas Casas e requer apoio de 171 deputados e 27 senadores.

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