'Seca d´água' na visão climática de Patativa do Assaré

Legenda: Patativa do Assaré
Foto: Fernando Travessoni

“Seca sem chuva é ruim/ Mas seca d'água é pior”. Só lembrei desses versos de Patativa do Assaré — o cearense que introduziu a crise climática na sua obra antes de qualquer outro poeta no mundo —, quando tomei conhecimento do drama provocado pelas enchentes no Rio Grande do Sul.

Cercado de água por todos os lados, o povo gaúcho se viu sem água para beber. Os versos de Patativa são de 1985, quando uma cheia castigou até os mais áridos sertões nordestinos. Ele compôs, na ocasião, “Seca d´água”, música para o disco “Nordeste Já”, uma ação de solidariedade no mesmo modelo do “We Are The World” — projeto de músicos dos EUA, sob a iluminação do maestro Quincy Jones, para combater a fome na África.

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Se a canção norte-americana tinha música e letra de Michael Jackson e Lionel Richie, a corrente de ajuda brasileira contava com os geniais Patativa e Gilberto Gil. O baiano da “Refazenda” escreveu “Chega de Mágoa”, para se juntar com “Seca d´água” no disco gravado há 39 anos, justamente em um mês de maio, no Rio de Janeiro.

Ainda vivíamos a era do disco de vinil. O compacto simples, formato com apenas uma faixa de cada lado, contou com a interpretação de Chico

Buarque, Luiz Gonzaga, Caetano Veloso, Fagner, Simone, Amelinha, Lulu Santos, Elza Soares, Tim Maia, Jerry Adriani, Roberto Carlos, Alceu Valença, Alcione, Belchior, Djavan, Dory Caymmi, Ednardo, Elba Ramalho, Fausto Nilo, Geraldo Azevedo, Gereba, Zé Ramalho, João do Vale, Manassés, Maria Bethânia, Moraes Moreira, entre outros bambas. Escrevi sobre este acontecimento em outra coluna neste mesmo Diário do Nordeste, quando foi lançado o filme “A grande noite do Pop”, na Netflix.

“Seca sem chuva é ruim/ Mas seca d'água é pior”. Voltamos aos versos de Patativa. O poeta do Cariri soube, como nenhum outro, retratar as questões climáticas, a grande agonia do mundo neste 2024. Nada mais vanguardista, por exemplo, do que a maneira como retratou, ainda na década de 1960, os refugiados do clima de “A triste partida”.

O hino das grandes migrações foi gravado por Luiz Gonzaga, em 1964, e comoveu todo o país. “A seca terrive, que tudo devora,/ Lhe bota pra fora/ Da terra natá”, diz a letra sobre a família expulsa cruelmente do seu lugar. Naquela época, sem nenhuma proteção social dos governantes, partir significava a única chance de sobrevivência.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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