A tragédia de Maceió e a 'vida de sururu'

Legenda: Risco de desabamento de mina pode abrir uma cratera na capital alagoana
Foto: AFP

No momento em que a cidade de Maceió vive a crônica de um crime ecológico anunciadíssimo, só penso no escritor Graciliano Ramos — o alagoano mais importante de todos os tempos — em resmungos e comentários irônicos sobre a sua terra. Não escaparia ao autor de “Angústia”, óbvio, os buracos feitos por uma longa conivência entre as autoridades locais e a mineradora Braskem.

O Velho Graça, com um sarcasmo refinado em barris de umburana, daria um gole na aguardente e, cético, retomaria a ideia de transformar Alagoas e Sergipe em um golfo no mapa do Brasil. Típico humor do gênio de “Vidas Secas”. E, vamos combinar, com as crateras das minas de sal-gema, a ideia do golfo parece uma profecia em andamento.

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A teoria de Graciliano saiu em uma conversa com o jornalista sergipano Joel Silveira, nos anos 1940. Sem um golfo, por mais que o Brasil fosse o reino das riquezas naturais, jamais seria uma grande potência. A víbora, como Joel era conhecido, riu de nervoso, até ouvir o argumento do seu entrevistado:

“O Brasil não tem golfo. E não existe uma só potência no mundo que não tenha pelo menos um golfo. É só consultar o mapa. Estados Unidos, Rússia (apesar de comunista, ele jamais dizia União Soviética), França, Itália, Japão, todos têm golfo. E procure depois os países que não têm golfo: são todos sem importância, como é o caso do Brasil”.

Silveira se divertia com o encontro. Graciliano prosseguiu, sério como sempre:

“O Brasil tem que ter um golfo, fazer por conta própria o golfo que a natureza lhe negou”.

Neste final de ano, 75 anos depois da entrevista, a víbora sergipana diria que o projeto de mineração da sal-gema — criado pela Ditadura Militar e mantido pela Braskem até agora — seria, por ironia da história, um desastre adivinhado pelo amigo Graciliano Ramos.

Cerca de 55 mil pessoas foram obrigadas a deixar suas moradias por causa deste que é considerado o maior crime ambiental em área urbana do mundo. “Vida de sururu”, diria essa gente, com a mesma definição do personagem Luís da Silva, um habitante de Maceió e das páginas de “Angústia”.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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