Collor X Collor, a política vista no buraco da fechadura de Nelson Rodrigues

Legenda: Montagem de Fernando Collor e Pedro Collor em entrevistas ao programa Roda Viva
Foto: Reprodução / Roda Viva / Youtube

“Collor versus Collor” é um podcast original da Globoplay, produzido pela Rádio Novelo, com pesquisa e reportagem de Évelin Argenta. É um sucesso de audiência. Prova de que há interesse sim pela história recente do país. O roteiro é da própria Évelin, com a colaboração de Aurélio Aragão e Rafael Spínola. É sobre poder e política. O aspecto dramático de uma boa novela, porém, humaniza tudo, tornando o episódio bem mais interessante.

Jovem repórter da “Folha”, participei dessa cobertura. Na época, não tinha noção como estava metido no meio de um folhetim. Fernando traiu o irmão Pedro ao seduzir Thereza. A cunhada apareceu nas manchetes do noticiário político, no início dos anos 1990, como uma personagem de Nelson Rodrigues, o cronista e dramaturgo conhecido por retratar a "a vida como ela é” da família brasileira.

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Pedro não negou, em momento algum, o teor desta novela acompanhada por todo o país. Fera ferida, relatou que o irmão, certa vez, havia se aproveitado da sua ausência em Maceió para um encontro com Thereza no Palácio dos Martírios, onde ocupava o cargo de governador de Alagoas.

Eleito presidente da República em 1989, Fernando Collor de Mello não imaginava que a ira do caçula levaria à sua queda. Essa maldição tampouco passava pela cabeça do primogênito Leopoldo e das duas irmãs, Ledinha e Ana Luiza.

Pedro começou a derrubar o governo em uma entrevista ao repórter pernambucano Luís Costa Pinto, capa da revista Veja de 27 de maio de 1992. Na entrevista, o empresário que comandava o grupo de comunicação da família (a TV, rádio e jornal Gazeta de Alagoas) revelou o “esquema PC”, a rede de corrupção montada por Paulo César Farias, tesoureiro da campanha eleitoral de Collor, para desviar dinheiro público. A CPI do Collorgate, instalada no Congresso, comprovou as irregularidades.

Pedro alegou ser vítima de mais uma traição. O presidente estaria montando um novo jornal em Maceió, em parceria com PC Farias, para concorrer com a Gazeta. O repórter perguntou qual seria a lógica de Collor apostar em uma empresa para prejudicar os próprios negócios familiares. “Apenas Freud explica”, respondeu.

Presente na entrevista, Thereza interviu: “O Fernando Collor faz isso porque o Pedro não se submete a ele. O Fernando viu que não podia tirar o Pedro da administração dos negócios da família. Foi o Pedro quem geriu, e bem, as empresas durante esses anos todos. O Fernando quer o meio de comunicação e instrumento político, enquanto o Pedro tem a responsabilidade de administrá-lo como empresa. É daí que nasceu a divergência.”

Pedro seguiu, então, na linha freudiana, com detalhes sobre um possível affair entre Thereza e o irmão. “Eu e Tereza tínhamos passado por uma crise conjugal, o que acontece muitas vezes entre casais. Isso foi em 1987, quando Fernando era governador de Alagoas. Nesta ocasião, eu estava no Canadá. Tive a informação de que ele chamou Thereza para conversar no palácio. Conversaram durante um bom tempo. Ali era o lugar onde ele tinha intercurso com algumas moças”, contou.

Para aliviar a cabeça na fase complicada do casal, Thereza foi à Europa. Pedro, porém, não relaxou na vigília aos atos do irmão. “Em paralelo, eu sabia que ele estava telefonando para ela em Paris, naturalmente utilizando a fragilidade da relação para telefonar e talvez até fazer a cabeça dela. Eu consegui as contas telefônicas do palácio que comprovaram essas ligações”, disse.

O roteiro, ao estilo Nelson Rodrigues, teve um novo capítulo em 2012, quando Rosane Malta, ex-mulher de Collor, no seu livro Tudo o que Vi e Vivi, afirmou que Thereza era apaixonada por Fernando. “Deve ser muito difícil, mesmo, saber que a própria mulher gosta do irmão”, escreveu, ao tratar da ira de Pedro. Este romance, porém, nunca se concretizou, faz questão de lembrar a ex-primeira-dama.

Pedro morreu pouco depois do impeachment de Fernando, em 1994, de um melanoma que evoluiu para um câncer no cérebro. O ex-presidente perdeu seus direitos políticos por dez anos. Voltou a participar de eleições em 2002, com uma derrota para o governo de Alagoas. Apenas em 2006 conquistou um lugar no Senado. Reeleito em 2014, foi aliado do governo Jair Bolsonaro.

Mesmo sendo enquadrado como um drama rodriguiano, brasileiros e brasileiras mais religiosos viram na peleja Pedro X Fernando uma versão tropical do episódio bíblico dos irmãos Caim e Abel.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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