Prefeitura de Jericoacoara envia para a Câmara projeto que regulariza obras irregulares na cidade
Iniciativa é alvo de críticas de deputados pela possibilidade de abrir margem para crimes ambientais, o que é negado pela gestão municipal

A Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara enviou para a Câmara Municipal, na segunda-feira (28), um projeto de lei que busca regularizar obras ou edificações que estão em “desconformidade com o disposto na legislação municipal”. Segundo o texto, ao qual o PontoPoder teve acesso, o procedimento será feito a partir do pedido dos proprietários e mediante ao pagamento de multa compensatória.
De autoria do prefeito Leandro Cezar (PP), o Projeto de Lei Complementar nº 020/2025 trata da “transição urbanística” do município. O texto está na pauta para discussão e votação na 9º Sessão Ordinária da Câmara Municipal, marcada para esta quarta-feira (30), quando deve seguir em “regime de urgência urgentíssima” após pedido da gestão.
O PL prevê que o processo de regularização ocorrerá mediante “análise criteriosa técnica de possibilidade” e que o Poder Público “dispensará ou reduzirá as limitações administrativas estabelecidas no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e no Código de Obras e Posturas”, desde que as construções cumpram requisitos mínimos de adequação previstos na legislação, não afetem áreas públicas e a segurança pública, nem causem danos ao patrimônio cultural.
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Ainda conforme o texto, as obras irregulares serão classificadas em três categorias:
- Obras sem documentação: Obras construídas de acordo com os padrões urbanísticos e técnicos, porém sem alvará de construção ou habite-se;
- Obras em desacordo com os padrões urbanísticos e técnicos: Obras que, além de irregularidade documental, apresentam itens em desacordo com o Plano Diretor ou о Código de Obras e Posturas ou ambos;
- Obras que estejam sub judice em ações relacionadas à Municipalidade e em desacordo com os padrões urbanísticos e técnicos.
Em nota, a Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara afirma que, desde 2009, o Plano Diretor do Município está em vigor sem atualização pelo processo de revisão legal, o que teria contribuído para que “diversas construções fossem executadas fora dos parâmetros estabelecidos”. Diante disso, a atual gestão alega que elaborou o projeto para regularização de edificações já existentes, “sem abrir margem para novas obras irregulares”, frisou.
“O objetivo da medida é corrigir distorções históricas, garantir segurança jurídica aos proprietários e promover o alinhamento das construções às normas urbanísticas vigentes, assegurando também condições para regularização fiscal e funcional dos imóveis”, ressalta o comunicado do Executivo Municipal. (Veja nota na íntegra ao final da reportagem)
O PontoPoder acionou o presidente da Câmara Municipal de Jijoca, Daniel do Baixio (Republicanos), para saber mais detalhes da tramitação da proposta no Legislativo Municipal, mas o político não retornou às tentativas de contato.
PARLAMENTARES CONDENAM PROPOSTA
O projeto foi alvo de críticas dos deputados estaduais Romeu Aldigueri (PSB) – presidente da Assembleia Legislativa do Ceará – e Renato Roseno (Psol) na sessão da Alece desta terça-feira (29). Em pronunciamento no Plenário, os parlamentares defenderam que projeto pode regularizar o que é irregular, até mesmo construções que cometeram crimes ambientais.
Os deputados avaliam que a medida, inclusive, pode abrir margem para a regularização de construções com três pavimentos na Vila de Jericoacoara, o que é vetado pela legislação municipal. Conforme Romeu Aldigueri, desde a década de 80, a Vila só permite edificações com térreo e primeiro andar ou primeiro e segundo andar com sete metros de altura de gabarito. Nesse sentido, o projeto do Executivo poderia legalizar obras fora desses padrões.
Questionado pela reportagem após a repercussão do caso, o prefeito Leandro Cezar (PP) afirmou que enviou para a Câmara Municipal, nesta quarta-feira (29), uma emenda aditiva para excluir do processo de regularização as “edificações que excedam o número de pavimentos permitido”. Anteriormente, o texto original previa restrição apenas às construções que:
- Estejam edificadas em logradouros ou terrenos públicos, ou que avancem sobre eles;
- Edificações sem propriedade e/ou posse comprovada;
- As obras que estejam situadas em área de preservação permanente e em faixas não edificáveis junto a represas, lagos, lagoas, córregos, fundos de vale, faixa de escoamento de águas pluviais, galerias, canalizações e linhas de transmissão de energia de alta tensão.
- Estejam situadas em áreas atingidas por melhoramentos viários previstos em Lei;
- Obras que ofereçam riscos para os moradores e vizinhos, constatado no laudo técnico.
Na Assembleia, Renato Roseno disse que está “elaborando as medidas judiciais cabíveis”, salientando que há um risco iminente de consolidar determinadas atividades que são danosas ao meio ambiente.
“Se eu tenho um determinado território que é, pelo seu ecossistema, frágil e delicado, e que pela beleza paisagística atrai muitos turistas, como é a Vila de Jericoacoara, eu tenho que tomar cuidado exatamente para que construções, no afã de lucrar com esse interesse turístico, não destruam aquilo que chama as pessoas, que é exatamente a beleza paisagística”
“Eu acredito que os vereadores de Jijoca de Jeri não irão passar. E se passar, com certeza o Ministério Público tornará essa lei inconstitucional, porque ela vem contra todas as normas da APA [Área de Proteção Ambiental] e do Parque Nacional de Jericoacoara”, ressaltou o presidente da Alece, por sua vez.
CONFIRA A NOTA DA PREFEITURA DE JIJOCA DE JERICOACOARA NA ÍNTEGRA:
O município de Jijoca de Jericoacoara reconhecendo o desafio histórico relacionado à regularização urbanística de suas edificações editou o Projeto de Lei nº 020/2025.
Desde 2009, o Plano Diretor encontra-se em vigor sem atualização submetido ao processo de revisão previsto por lei, o que contribuiu para que diversas construções fossem executadas fora dos parâmetros estabelecidos. Essa situação impede, inclusive, a emissão do habite-se, documento necessário à obtenção de alvarás de construção e funcionamento.
Diante disso, a atual gestão elaborou um projeto específico para regularização de edificações já existentes, sem abrir margem para novas obras irregulares. O objetivo da medida é corrigir distorções históricas, garantir segurança jurídica aos proprietários e promover o alinhamento das construções às normas urbanísticas vigentes, assegurando também condições para regularização fiscal e funcional dos imóveis.
Cabe ressaltar que esse processo de regularização ocorre de forma paralela à atualização do Plano Diretor Municipal, cujo processo já está em fase final, com audiência pública agendada para apresentação das diretrizes e propostas consolidadas. A iniciativa demonstra o compromisso da administração com a transparência, a legalidade e o planejamento urbano sustentável, assegurando que o desenvolvimento do município ocorra dentro dos marcos legais, sem flexibilizações para novos empreendimentos fora das normas.
A expectativa é que a medida contribua para uma gestão mais eficiente, desburocratize processos e promova uma urbanização mais organizada, beneficiando toda a população e respeitando o patrimônio ambiental e cultural de Jijoca de Jericoacoara.