Rua dos Curtumes

Desde cedo, na Igreja, fez Primeira Comunhão, Crisma, e era um frequentador assíduo das missas aos domingos. Por isso não ficamos surpresos quando aos doze anos, no Liceu do Ceará, iniciou a participação na Juventude Estudantil Católica (JEC). Você viveu esse engajamento de maneira extraordinária, lia e estudava muito. Foi para Recife, cursar o científico e virou o representante regional da JEC no Nordeste. Foi aí que resolveu se tornar dominicano, uma ordem que se dedica ao estudo e à pregação.
Depois você foi levado preso de dentro do convento, em São Paulo, onde já se viu isso! Religiosos sendo presos! Eram tempos difíceis. Soubemos depois que foi levado ao DEOPS, onde você foi torturado. Sua família me dava notícias suas. Você foi muito forte, por resistir a tanta crueldade. Não sei de onde tirou tanta força. Então foi transferido do Presídio Tiradentes para a Operação Bandeirantes. E a sessão de tortura recomeçou ainda na viatura policial. Você sofreu por mais três dias seguidos, dia e noite. Disso tudo soubemos muito tempo depois. É, meu amigo, como dizem por aqui: você sofreu o pão que o diabo amassou. As notícias chegavam atrasadas por aqui. O relato da sua tortura foi publicado em todo o mundo: jornais alemães e revistas americanas trataram sobre a sua história. Você recebeu punição com a prisão em solitária por participar da manifestação dos dominicanos contra o Esquadrão da Morte. O comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) sequestrou, no Rio de Janeiro, o embaixador suíço. E você, meu amigo, foi trocado por ele, junto com outros sessenta e nove presos. O grupo seguiu para Santiago do Chile, onde você passou duas ou três semanas. Eu sabia que as coisas aí no exterior não estavam boas, aqui diante do seu túmulo consigo ler:
Frei Tito de Alencar Lima, da Ordem dos Dominicanos do Brasil, nascido em: 14-09-45, 10-08-74, preso, torturado, banido do país, atormentado... até a morte, por ter proclamado o Evangelho, lutando pela libertação de seu povo. Morto em L`Arbresle – França, onde esteve enterrado. Tito agora descansa na terra onde nasceu. “Se os discípulos se calarem, as próprias pedras clamarão” (Lucas 19,40) 26-03-83. Deixo essa carta no desespero de uma despedida que nunca aconteceu. Sua morte não foi em vão meu amigo. Sua coragem e ensinamentos permanecem, a saudade de ti também não passa.
Marcello Camelo é poeta