UFC faz sequenciamento genético para saber quais variantes de coronavírus circulam no CE
Mutações de vírus são comuns, mas saber quais cepas estão em circulação ajudam, por exemplo, as autoridades de saúde a monitorar se as variantes são capazes de aumentar a transmissão ou a severidade dos casos da doença
No Ceará, a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) já confirmou que, ao menos três pessoas, foram contaminadas com uma nova variante do coronavírus. No caso, uma mutação detectada, inicialmente, em Manaus, cuja projeção é que ela seja mais transmissível. No Estado já são mais de 388 mil pessoas infectadas pela Covid.
Para tentar fazer uma mínima vigilância genômica, ou seja, monitorar as possíveis variantes do coronavírus em circulação no Estado, e em paralelo às ações da gestão pública, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) irão iniciar uma nova pesquisa de sequenciamento genético do novo coronavírus em testes de cearenses.
Os pesquisadores irão analisar 20 amostras de exames de pessoas do Ceará que testaram positivo para a Covid desde o início da pandemia até janeiro deste ano. A avaliação feita por integrantes da Central de Genômica e Bioinformática e do Laboratório de Farmacogenética, ambos do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da UFC, será capaz de identificar possíveis novas cepas circulantes no Ceará.
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O registro de mutações de vírus são comuns, mas saber quais variantes estão em circulação ajudam, por exemplo, os governos a monitorar se as novas cepas são capazes de aumentar a transmissão ou a severidade dos casos. E assim, as gestões públicas podem orientar a tomada de decisão no combate à pandemia.
A coordenadora do Laboratório de Farmacogenética do NPDM, Raquel Montenegro, estima que os resultados dessas análises devem sair em um mês. De acordo com ela, no sequenciamento genético, além de outros recursos, os pesquisadores utilizam um equipamento de grande capacidade que a UFC dispõe. Esse procedimento dura cerca de uma semana.
Como é feito o sequenciamento?
“Na análise, eu pego (o material) do swab, o cotonete, coloco numa solução e agito essa solução para poder tirar a secreção e o vírus grudado nesse cotonete. Depois disso, a gente isola, retira o material genético. Coloca alguma substância que liberte o material genético do vírus. A gente aumenta, de uma forma artificial, esse material genético e deixamos em quantidade grande para sequenciar, ou seja, para dizer exatamente qual a leitura desse material genético”, explica a pesquisadora.
Após isso, quando o material genético do vírus é destrinchado, é realizada a análise das sequências e comparações com as cepas já catalogadas por pesquisadores do mundo inteiro. A leitura de cada fragmento do vírus é feita de forma automatizada por máquinas.
“Quando sai esse código, ele precisa ser decifrado. E é decifrado por ferramentas computacionais, por comparação do que já se tem do vírus inicial, das mutações que já encontraram e saber se tem mutações novas”, acrescenta Raquel.
Dessa maneira é possível detectar se as mutações do vírus que circulam no Estado já estavam presentes em outras partes do mundo e também em outros estados brasileiros, caso haja esse registro. O material utilizado, segundo ela, é aquele que o NPDM tem estocado e foi coletado, em distintos momentos da pandemia, em pacientes internados, dentro outros, no Hospital Universitário Walter Cantídio, no Instituto Dr. José Frota (IJF) e no Departamento de Saúde da UFC.
Na análise, os pesquisadores irão comparar o material encontrado no Ceará com os que constam na plataforma internacional de dados genômicos Gisaid (Global Initiative on Sharing All Influenza Data). Esse repositório internacional de dados é atualizado diariamente por cientistas do mundo todo para monitoramento do vírus.
A UFC pode fazer esse sequenciamento, pois é certificada pelo Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen). Os trabalhos de sequenciamento genético, conforme a UFC, são realizados com o apoio da Faculdade de Medicina (Famed) e da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).
Contudo, ressalta a pesquisadora, não há condições de garantir a análise em grande escala se não houver aporte de financiamento para essa finalidade.
Casos em investigação pela Sesa
Na segunda-feira (8), a Sesa confirmou a circulação da nova variante do coronavírus oriunda de Manaus em três homens no Ceará infectados pelo coronavírus. As análises, segundo a Sesa, foram realizadas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Ceará e no Amazonas. Dois casos confirmados são relacionados a viajantes e outro a um residente no Ceará.
Os três homens têm mais de 60 anos e estão internados em hospitais particulares de Fortaleza. Além deles, conforme a Sesa, a pasta e a Fiocruz analisam outras 90 notificações de casos suspeitos.
Para tentar rastrear as possíveis novas cepas, a Secretaria informa que constituiu parcerias com órgãos como o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), e a Rede Genômica Fiocruz, representada pela Fiocruz-CE e Fiocruz-AM, que permitem a caracterização genômica de novas variantes.
Identificação de Cepas no Ceará
Em julho de 2020, o Diário do Nordeste noticiou que uma pesquisa, feita à época, envolvendo mais de 150 cientistas brasileiros e de outros países, identificou 104 cepas iniciais do novo coronavírus no Brasil. No estudo, foram analisadas 427 amostras, de 21 estados. Destas, três predominam e uma das linhagens se concentrava no Ceará. Hoje, a gestão pública e as instituições de pesquisa fazem outras análises para monitorar o atual cenário.
À época, o pesquisador Darlan da Silva Cândido, cearense de Quixeramobim, que estuda na Universidade Oxford, no Reino Unido, e um dos realizadores do estudo, informou, que o achado das diferentes linhas ocorre porque o vírus passa por mutação. Um artigo fruto dessa pesquisa, foi publicado na revista Science, um dos mais renomados periódicos científicos no mundo.