Qual o destino de doses da vacina da Covid-19 que 'sobram' nos pontos de aplicação no Ceará?
A "xepa da vacina” ocorre pois as doses que ficam nos frascos abertos não podem ser reaproveitadas no dia seguinte por conta do tempo de conservação
O Brasil vivencia o triste cenário de escassez de vacina contra a Covid-19, e isso, faz com que no dia a dia, nos pontos de vacinação, a abertura de cada frasco de imunizante, que contém multidoses - e podem ser 5, 6 ou 10 a depender de qual vacina - demande total aproveitamento da substância ali contida.
Mas, ao final do dia, nem sempre as doses dos frascos abertos foram completamente utilizadas. Então, o que é feito com elas no Ceará? Como as cidades cearenses usam as “sobras” da preciosa vacina cujas filas de espera ainda são enormes?
O primeiro ponto é que diante da falta de vacina e da gravidade da pandemia, conforme o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems-CE), a orientação amplamente reforçada é de evitar ao máximo as perdas e garantir o completo uso da substância remanescente nos frascos.
Portanto, essas doses podem e devem ser aplicadas tanto em pessoas convocadas por telefone, como naquelas que estejam nas proximidades dos locais de vacinação ao final do dia ou, até mesmo, é possível que carros das unidades se desloquem até as pessoas que irão tomar em casa as doses sobrantes.
A exigência, segundo a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), é que elas só podem ser usadas em pessoas que fazem parte dos grupos prioritários, cuja fase da vacinação já esteja em curso.
Assim sendo, não é possível vacinar pessoas não enquadradas nos grupos prioritários, tampouco, vacinar aquelas incluídas nas prioridades, mas em fases seguintes. As pessoas vacinadas com as doses remanescentes recebem o cartão de vacina normalmente e devem ter a segunda dose assegurada.
O uso das doses sobrantes, chamada popularmente de “xepa da vacina”, ocorre porque a parte do imunizante que fica nos frascos abertos não pode ser reaproveitada no dia seguinte, devido ao tempo de conservação do produto.
Logística da "xepa da vacina"
O ideal é que, no planejamento da aplicação, as cidades aproximem ao máximo a quantidade de pessoas a serem convocadas para a imunização e as doses disponíveis naquele dia. Mas, quando sobra - geralmente, por não comparecimento da pessoa convocada -, como ocorre a logística de aproveitamento?
Nas cidades de pequeno e médio porte do Ceará, explica o vice-presidente do Cosems, Rilson Andrade, o contato geralmente é feito por telefone com pessoas que estão cadastradas para receber nos próximos dias. Elas têm, então, a vacinação antecipada e recebem de forma regular o comprovante de vacinação.
Em Pindoretama, cidade na qual ele é secretário de saúde, explica, o contato é por telefone. Cada unidade tem uma lista reserva de pessoas do grupo prioritário a serem vacinadas.
“São pessoas fáceis de serem alcançadas para que possam vir ao posto dentro do tempo previsto”, completa. Em casos mais raros, as equipes usam o carro da unidade para se deslocar até onde as pessoas estão para fazer a aplicação das doses remanescentes.
Conforme Rilson, no Ceará não existe uma resolução ou alguma norma local do tipo que oriente esse processo de forma homogênea. O que se segue são recomendações tratadas em reuniões com a Sesa e as práticas já baseadas em outras campanhas de vacinação.
Cada processo de imunização no Brasil tem um cálculo sobre as possíveis perdas de vacinas, sejam elas as físicas (doses perdidas em frascos fechados como, por exemplo, a quebra do recipiente) ou técnicas (doses de frascos abertos que não foram aplicadas).
Conforme o Plano Nacional de Imunização contra a Covid, do Ministério da Saúde, inicialmente foram estabelecidas como aceitáveis perdas operacionais de até 5% do total de imunizantes.
O representante do Cosems lembra que todos os dias os municípios precisam fazer o registro das sobras da vacina da Covid, em sistemas de informação do Ministério da Saúde, da Sesa e da própria gestão municipal.
Quando essa dose é aproveitada em outra pessoa, a informação precisa ser repassada formalmente aos sistemas de controle. Também é registrada a necessidade de segunda dose para a pessoa vacinada com a “sobra”.
No Ceará, no atual momento, os grupos prioritários são vacinados com três imunizantes distintos: Coronavac, AstraZeneca e Pfizer, e cada um deles contém doses distintas em cada frasco, com tempo de validade diferente após abertos:
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Coronavac/Sinovac/Butantan
Total em cada frasco: 10 doses
Validade após abertura: 8 horas em temperatura de 2°C à 8°C
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AstraZeneca/ Fiocruz
Total em cada frasco: 5 doses
Validade após abertura: 48 horas em temperatura de 2°C a 8°C
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AstraZeneca/Fiocruz/ Serum Instituto of India
Total em cada frasco: 10 doses
Validade após abertura: 6 horas em temperatura de 2°C a 8°C
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Pfizer
Total em cada frasco: 6 doses
Validade após abertura: 6 horas após a diluição em temperatura de 2°C à 8°C
Processo nas grandes cidades
O representante do Cosems não soube detalhar como esse processo ocorre nas grandes cidades, como Fortaleza. O Diário do Nordeste questionou a Secretaria Municipal de Saúde Fortaleza (SMS), dentre outras informações, sobre como esse procedimento tem ocorrido na Capital e qual a média de sobra de vacinas nessa campanha.
A SMS, por nota, informou apenas que "tem adotado planejamentos e operacionalizações estratégicas de trabalho, visando, entre outras coisas, o não desperdício e a utilização plena de todas as doses ministradas das vacinas contra a Covid".
Conforme a pasta, "nos casos pontuais de doses remanescentes, as equipes de vacinadores realizam busca ativa nos territórios de pessoas pertencentes aos grupos prioritários vigentes, priorizando sempre, os de maior idade".
Em abril, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), oficiou a SMS solicitando informações sobre a utilização das doses remanescente de vacinas da Covid.
Porém, segundo o coordenador do Centro de Apoio Operacional da Saúde (Caosaúde), promotor de Justiça Eneas Romero, até o momento, nenhuma resposta foi enviada ao MP. Ele reitera que as pessoas beneficiadas com doses do tipo devem ser obrigatoriamente aquelas que fazem parte dos grupos prioritários.
No Brasil cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte têm notas técnicas orientando como ocorre essa aplicação. Em São Paulo, pessoas dos grupos prioritários podem deixar nos postos de vacinação, nome e telefone em listas de espera para serem convocados, caso haja sobra.
No Rio de Janeiro, só pessoas acamadas ou dos grupos prioritários podem receber doses excedentes. Em Belo Horizonte, profissionais de saúde também priorizam as pessoas acamadas enquadradas no público prioritário.