Passeio Público ressurge na história como palco de grandes momentos

Escrito por Redação ,
Revitalizado, um dos cenários históricos e belos da Capital cai nas graças da população e recebe até casamentos

Exemplo forte de revitalização, a Praça dos Mártires, antes estigmatizada pelo abandono, agora recebe até cerimônias de casamento FOTO: LUCAS DE MENEZES

Ao passar pela Praça dos Mártires, mais conhecida mesmo como Passeio Público, o fotógrafo profissional Epitácio Moura presenciou uma movimentação de pessoas incomum para aquela manhã de sábado. Parou. Esqueceu de vez o que tinha para fazer. Passou a prestar mais atenção ainda. Matutou um pouco sobre o que poderia ser. Ficou a observar toda aquela gente, os enfeites, o bolo.

Nada lhe escapou. Ao longe, avistou, no meio delas, um homem que se destacava por estar vestido inteiramente de branco. Mesmo assim, não conseguiu identificar qual era o motivo daquela aglomeração. "Você sabe o que está havendo?", perguntou a uma pessoa do lado que já estava ali há algum tempo também "curiando". "É um casamento. Olha o noivo lá". Impressionado, não arredou o pé dali, aguardando a chegada da noiva.

E ela demorou. O mais interessado em aguardá-la, o professor universitário Marildo Montenegro, não conseguia disfarçar a ansiedade. "Estou calmo. Essa demora faz parte", falou com um sorriso meio tímido".

Difícil não ficar nervoso e emocionado quando um dos momentos mais felizes da vida dele, no caso o matrimônio, é realizado em um lugar histórico e belíssimo como o Passeio Público. "Queríamos fazer um casamento fora dos padrões. Algo diferente. Quando soubemos que poderíamos casar aqui, enviamos um ofício para a Prefeitura e deu tudo certo. Trouxemos música, picolé, crepe e chegadinha. A única exigência deles é não fazer centelha de fogo por causa das árvores", explicou o noivo, ainda à espera da amada.

Momento esperado

"Ela chegou", exclamou uma das amigas do casal, que, com um lenço no nariz e os olhos marejados, auxiliava no andamento do casório. Todos os convidados estavam com roupas coloridas. "Pedimos só uma coisa no convite. Para eles nem virem de branco nem de preto", contou Marildo, ainda com as mãos bem agitadas.

Os convidados sentados nos bancos da Praça formavam um corredor natural para a passagem dos atores principais da cerimônia. O coreto estava enfeitado e serviu de altar.

Cena atraente

Mais e mais curiosos se aproximavam e se deliciavam com aquela cena. E eles vinham de todos os lugares, com sacolas de compras, crianças, casais de namorados, grupos de amigos e turistas. Muitos turistas.

Por um instante, todos esqueciam do barulho dos carros em pleno Centro da cidade. "Olha lá aquele gavião", apontou o fotógrafo Epitácio, mostrando que aquela cerimônia de amor entre pessoas também parecia agradar os bichos escondidos naqueles galhos centenários.

Juras de amor ditas em público. O ápice veio com o beijo puxado pelos aplausos. Já casados, eles deixaram o coreto dançando, divertindo-se ao som de uma canção bem mais agitada dos Mutantes. "Ela é minha menina. E eu sou o menino dela". E assim, Claudiana e Marildo passaram por uma senhora de aproximadamente 80 anos de idade. Sentada no banco da praça, ela batia com os pés no chão no mesmo compasso com que aplaudia o casal. Não resistiu. "Iuuuurrrrruuuu", bradou a senhora, que, aparentemente, também estava ali por acaso.

"Por mais dificuldades e problemas que passamos, podemos vencê-los. E isso está ocorrendo aqui também. Esse é um momento de renascimento do Passeio Público para Fortaleza", completou sem esconder a "alegria de viver" nos olhos.

Um centenário de cara nova

Reinventado, o Passeio Público rapidamente voltou a ter um ambiente familiar e receber variadas possibilidades de atividades lúdicas FOTO: LUCAS DE MENEZES

Mais difícil do que tentar responder ao velho adágio popular "com quantos paus se faz uma canoa?" é dizer quais são as inúmeras e renovadas utilidades do Passeio Público. Lançamento de livros; desfiles de coleções de moda; piqueniques; apresentações musicais e de obras de arte; aniversários e casamentos.

O do casal Marinaldo e Claudiana já é o quarto que acontece após a revitalização do lugar. A Praça dos Mártires é o mais antigo espaço social de Fortaleza. Planejada em 1820, passou a ter esse nome devido a um fato histórico: o fuzilamento dos revolucionários envolvidos na Confederação do Equador.

Hoje, é um espaço onde se vê um pouco de tudo: aulas de dança, pintura e experimentais de fotografia; profissionais fazendo os famosos books de mulheres grávidas; excursões escolares e de turistas; visita das turmas de formatura. Ufa!

Reinventado, o lugar passou a abrigar mais uma vez o encontro da intelectualidade e dos casais apaixonados da Cidade. É considerado um lugar bom até para quem quer ficar sozinho. Outro ponto positivo é o ressurgimento do quiosque originalmente inaugurado em 1912. Lá, as pessoas podem escutar música ao vivo, almoçar diariamente, e até tomar um café apreciando a bela paisagem, ler ou acessar internet gratuitamente.

Espaço cultural

Caso de um grupo de atores que, discretamente, na parte de trás do quiosque, do outro lado da Praça onde acontecia o casamento "diferente", preparava-se para gravar um curta metragem sobre Fortaleza do século XIX. "O filme vai lembrar o cinema mudo", explicou Tatiane Aguiar, que estava feliz em poder reconstituir a história em um local que conta muito da origem da cidade. Parte dos atores estava pela primeira vez naquele lugar. Caso de Juliana Tavares e Camila Vasconcelos, que estavam encantadas. "Eu já sabia que o Passeio Público tinha sido revitalizado, mas ainda não tinha vindo. Bacana ver que esse local está voltando a ser o mesmo que era há cem anos", observou o ator Ramon Matarazzo.

Local ainda exige cuidados

A revitalização do espaço público exige também a manutenção de uma programação de atividades e da presença de segurança FOTO: LUCAS DE MENEZES

Uma das preocupações é que o espaço que foi redescoberto pela população de Fortaleza seja novamente esquecido. Na opinião do professor do departamento de história da UFC, Altemar Muniz, é preciso investir também em ações de revitalização de áreas no entorno do Centro.

Ele reconhece o trabalho da Prefeitura de Fortaleza em entregar mais uma vez à sociedade um espaço que conta muito da cidade, porém, acredita que isso deve ser replicado em outras praças. "Acho que isso é importante. Houve conscientização em revitalizar o lugar. No caso, foi uma que deu certo. Mas acho muito positivo que se estenda para o Centro como um todo, que é um referencial histórico, bem como para outras praças", avalia.

Descontinuidade

Nos últimos meses desse ano, contudo, frequentadores mais assíduos da Praça dos Mártires reclamam que ações anteriores promovidas pelo Executivo Municipal, como sessão de brincadeiras e contação de histórias para a criançada que gostavam de ir ali não estão mais ocorrendo. Sem qualquer tipo de aviso, a programação da praça foi retirada, deixando os frequentadores com um leve temor de que o espaço volte a ser o que era nas últimas décadas. Se a nova gestão não der continuidade, o temor do professor e da sociedade fortalezense pode aumentar. Por várias décadas, o local foi ponto de encontro de prostitutas ainda existentes no bairro e seus clientes.

Guarda no local

Há oito anos como administrador da Praça, Paulo César conta que foi colocada uma equipe da Guarda Municipal no local para trazer e dar a sensação de uma maior segurança, não para expulsar as prostitutas. "Nós não proibimos as mulheres de virem aqui. É um ambiente público. Qualquer pessoa pode vir aqui e aproveitar o local", explica o administrador.

Só não permitimos que elas fizessem abordagem de clientes aqui na praça. Por isso, elas preferiram ir para outros locais e não mais retornar para exercer o seu trabalho por aqui", acrescenta.

ILO SANTIAGO JR.
ESPECIAL PARA CIDADE
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