Nove a cada dez chamados da Defesa Civil são sobre desabamentos

Em 2020, de janeiro a novembro, quase 1.900 ocorrências foram registradas pelo órgão em Fortaleza, das quais 1.691 reportavam estruturas desabadas ou em risco estrutural; moradias em áreas de risco e edifícios inflam os números

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
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Legenda: Os chamados para vistorias estruturais aumentaram quase 15 vezes, após a queda do Edifício Andrea
Foto: Thiago Gadelha

A existência de gente vivendo sob teto ou solo instáveis está entre as principais demandas sociais de Fortaleza, cujo déficit habitacional já beirava os 130 mil imóveis, em 2019. O problema repercute até nos chamados que chegam à Defesa Civil da Capital: ocorrências de desabamento e risco de desabamento somaram 1.691 dos casos reportados de janeiro a novembro deste ano, correspondendo a cerca de 89% do total. O levantamento foi feito com base em dados enviados pelo órgão. Nos 11 meses do ano, foram 1.588 ocorrências de risco e outras 103 de desabamentos consumados. Os casos incluem qualquer tipo de edificação, até muros em vias de ruir, e representam nove em cada dez registros da Defesa Civil.

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No mesmo período, o órgão registrou 1.898 ocorrências gerais (alagamentos, incêndios, deslizamentos, inundações e riscos destes eventos). Solicitamos entrevista com representante do órgão, mas o pedido não foi atendido.

O alicerce da problemática vai desde a falta de inspeção predial em edifícios residenciais e comerciais até a total falta de estrutura em moradias precárias, em áreas de risco, situadas sobretudo nas periferias. Estas últimas, aliás, entram em xeque no período que se aproxima: a pré-estação chuvosa, iniciada neste mês de dezembro. É o principal temor do empresário José Carlos Gomes, morador do bairro Moura Brasil, onde casas de uma rua inteira estão interditadas por risco de desabamento desde janeiro.

"Temos recebido auxílio para pagar o aluguel, mas não temos previsão de voltar pra casa. Saímos daqui dia 30 de janeiro e ainda somos prejudicados. Quando a gente retorna pra fazer uma visita, nota que as lacunas dentro da residência abriram mais ainda. Com as chuvas, podem piorar".

Os danos foram causados pelas obras da Linha Leste do Metrô de Fortaleza, executadas pela Secretaria da Infraestrutura do Ceará (Seinfra). Em nota, a Pasta informa que, das 26 famílias afetadas, "apenas uma optou por continuar em uma pousada", e as demais recebem auxílio para aluguel. "Por conta da pandemia, o cronograma da obra no trecho foi afetado. A intenção é que as famílias possam voltar em breve com segurança".

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Demandas

De janeiro até novembro deste ano, o Núcleo de Habitação e Moradia da Defensoria Pública do Estado (Nuham) registrou 1.163 procedimentos na Capital. De acordo com o defensor público José Lino Fonteles, supervisor do Nuham, pedidos por aluguel social lideram o interesse popular, seguido pela necessidade de regularização fundiária.

"Essas demandas são muito relevantes na Barra do Ceará, no Genibaú e em toda a área próxima ao Barroso, Cocó e Jangurussu. São as que mais nos demandam por questões de moradia", pontua Lino.

O supervisor do Nuham cita, ainda, que as áreas de risco respondem por parte do déficit habitacional da cidade, composto por cerca de 130 mil moradias, em 2019. "Essas áreas são, sim, uma questão do déficit, mas se somam ainda as comunidades muito adensadas, de duas, três famílias vivendo em um cômodo ou dois. Ou mesmo aquelas que vivem de aluguel, sem condições de pagar. Sobre as áreas de risco, o Estado tem atuado para conseguir reassentamento. Não é o ideal, mas é uma solução". Para Lino Fonteles, o ponto-chave para solução tanto do déficit habitacional como das moradias precárias é a regularização fundiária.

"Muitas famílias que são removidas e reassentadas moram em condições desumanas. A regularização, por outro lado, vai fixar essas famílias no local, mantendo as relações comunitárias que já têm, e com um custo bem inferior ao Estado. Poucas famílias vão ter que sair do seu local, e o Estado gasta menos do que com aluguel social ou construção de habitações".

A reportagem questionou a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) sobre ações concretas de prevenção e solução das problemáticas relativas a moradias na cidade, mas não obteve retorno.

Inspeções

Outros tipos de edificações que inflam os números de ocorrências recebidas pela Defesa Civil em Fortaleza, principalmente desde outubro de 2019, são os prédios residenciais. Após a queda do Edifício Andrea, no Dionísio Torres, no ano passado, a quantidade de chamados ao órgão para vistorias estruturais aumentou quase 15 vezes, em comparação com outubro e novembro de 2018. A falta de manutenção das construções segue sendo importante motivo para as ocorrências, como avalia Emanuel Mota, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea/CE).

"Temos observado uma maior busca das pessoas por seguir a legislação, por averiguar os imóveis. Mas isso acontece de forma paulatina, porque, além de ser um processo caro, a inspeção requer uma mudança cultural. O brasileiro e o cearense não têm cultura de manutenção, mas isso é indispensável, principalmente diante do envelhecimento do processo de verticalização da cidade, que já se deu há 30, 40 anos", analisa o presidente do Crea.

Outra questão, segundo o engenheiro, é a contratação de profissionais não requisitados para execução de serviços de construção ou recuperação estrutural. "Esse é um dos pontos que está levando ao maior número de incidentes. As pessoas sempre procuram o caminho mais barato, e isso se acumula, gera uma série de inadequações e reduz a vida útil dos serviços. Os problemas acabam sendo antecipados, trazendo mais prejuízos e riscos".

O presidente do Crea recomenda que, ao contratar um profissional, o proprietário do imóvel busque referências e solicite a ele as Certidões de Acervo Técnico (CATs) obtidas em outros serviços semelhantes. A CAT, explica Emanuel, é emitida quando o engenheiro apresenta uma série de documentos que comprovem que ele realizou determinado serviço com segurança.

"Ao verificar essas CATs, o proprietário pode ficar seguro de que aquele engenheiro é o mais adequado para o serviço. Isso leva a cidade a ser mais segura, com edificações mais estáveis e duráveis", destaca Emanuel Mota.

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