Nomofobia: uso abusivo de celular gera novas doenças, como o "Efeito Google"

Série de reportagens estreia hoje e traz os novos diagnósticos com dependência digital, que afetam até crianças. O especial segue até quarta-feira (25).

Escrito por Kílvia Muniz ,
Legenda: 6 novos diagnósticos clínicos pelo uso abusivo do celular são apresentados e como transtornos como ansiedade e depressão são agravadas pela tecnologia
Foto: Arte

Você desbloqueia o celular, frequentemente, para conferir se há mensagens, recados, e-mails novos? Tem a impressão de que o celular vibrou quando está no bolso e quando vai conferir não há nada? Perde a noção do que está acontecendo em volta quando está concentrado na tela do smartphone? Confere o celular quando acorda, quando vai dormir e até no trânsito?  

Se a resposta é positiva para qualquer uma das perguntas, é possível que você esteja usando o celular de forma disfuncional e já seja um dependente virtual. 

O que é Nomofobia

Todas esses sintomas acima se referem a novos diagnósticos clínicos de uso abusivo de smartphones. 

A dependência tem vários níveis: vai da falta de educação digital, que inclui a dificuldade de equilíbrio sobre o tempo e locais de uso, até o nível patológico. segundo a psicóloga Anna Lucia Spear King, doutora em saúde mental do Delete, núcleo especializado em Detox Digital, na UFRJ. 

Os pesquisadores do Instituto Delete diagnosticaram diversos transtornos relacionados, além da nomofobia em si, que é o medo de ficar sem o celular. Existe o “Efeito Google”, que acontece quando o cérebro humano começa a segurar menos informações porque sabe que vai obter respostas com poucos cliques. Outro transtorno é o de “Invisibilidade Social”, que ocorre quando a pessoa negligencia o que está em sua volta por estar concentrada na tela do dispositivo. 

Quais os novos diagnósticos clínicos? Indique sua dependência

Tem ainda a “Síndrome do Toque Fantasma”, que é quando o cérebro faz com que você pense que o celular está vibrando no bolso, quando não está. O Instituto Delete também mapeou a “Depressão do Facebook”, causada pela comunicação na rede social.  

“As pessoas vão para as redes sociais quando têm depressão pra se sentirem menos deprimidas, se sentirem participando, inseridas em algum contexto ou não se sentirem só. Mas, ao menos tempo, elas podem se sentir mais deprimidas se acreditarem em tudo o que é postado porque nas redes sociais, as pessoas só postam o melhor”, explica a pesquisadora do Delete. 

Somos mal-educados digitalmente?

“As pessoas que têm esse uso excessivo diário, na verdade, são mal-educadas digitalmente, não sabem usar a tecnologia no dia a dia dando limites. Elas usam no teatro, no cinema, elas usam em companhia de outras pessoas, elas usam até em velório para tirar selfie com o morto, ao fundo”, relata Spear. 

As cenas, por mais exageradas que possam parecer, são reais e cada vez mais comuns. A balconista Liana Araújo, por exemplo, confessa que não larga o aparelho:

Não tem como ficar sem, já é um vício. Às vezes, a gente se comunica até em casa. Por exemplo: estou no quarto; minha irmã, na cozinha. Ao invés de falar, mando mensagem.  

A irmã, Lívia Maria, de 14 anos, confirma a história. "Vamos supor que ela quer um suco, um pão. Aí ela manda a mensagem: ‘Lívia, faz isso pra mim’. Aí eu vou lá e faço”. 

Legenda: O vício digital tem vários níveis: vai da falta de educação digital, que inclui a dificuldade de equilíbrio sobre o tempo e locais de uso, até o nível patológico.
Foto: Camila Lima

Depressão e ansiedade são agravadas com a dependência digital; sono é outro transtorno

Quando o uso do celular se torna desequilibrado e começa a afetar efetivamente áreas do cotidiano, é possível que a dependência esteja evoluindo. A psiquiatra Tatiana Pinho, do ambulatório de Psiquiatria Geral do Hospital Universitário Walter Cantídio explica que o vício patológico se manifesta “quando existe um descontrole nesse uso”. 

Esse uso acaba interferindo em diversas esferas. “O tempo vai passando e a pessoa perde a percepção disso e deixa de fazer coisas que poderiam ser importantes como estudo, trabalho, contato com os amigos, com a família”, afirma Tatiana. E, geralmente, começam a surgir consequências práticas. “Fim de relacionamento, problemas com filhos, perda de emprego, problema em relação a estudo, a dificuldade de concentração em torno do celular”, esclarece.  

Legenda: Por causa do filho pequeno, Artemmisia Oliveira  evitava pegar o aparelho de dia. Mas à noite, abusava. 
Foto: Arquivo pessoal

A psicóloga Tamara Maia, que atende pacientes na rede particular de Fortaleza, explica que o “vício na internet ou nas tecnologias de forma geral é comparado a outros tipos de vício, por exemplo, o vício de compulsividade alimentar ou em drogas”. Ela explica que “é algo que é prazeroso naquele momento mas que, realmente, cria uma relação de dependência e nenhuma relação de dependência é positiva”, afirma. 

A estagiária de pedagogia Artemmisia Oliveira conta que já sofreu muitos prejuízos na rotina em razão do uso excessivo de celular. Por causa do filho pequeno, evitava pegar o aparelho de dia. Mas à noite, abusava. 

Ficava no celular até duas e meia da madrugada, três, assistindo filme, respondendo às pessoas, olhando Instagram, Facebook, e isso atrapalhava muito a minha rotina, meu sono 

E mesmo depois de já ter desligado o celular pra dormir, Artemmisia voltava a checar a tela. “Se eu fosse pro banheiro, na volta, eu tinha que dar aquela conferida, pra ver se não tinha mensagem, alguma coisa", conta. “No outro dia, estava esgotada”. 

A insônia é uma das consequências possíveis geradas pelo uso abusivo do celular. Mas há outras. A psicóloga do Delete, Anna Lucia Spears, explica que a dependência é patológica quando está associada a algum transtorno mental, como ansiedade, depressão, compulsão, transtorno do pânico que potencializam o uso das telas. 

“Muita gente passa a viver a realidade da internet, então, passa o dia todo com a necessidade de checar, tirar fotos, conferir curtidas. A pessoa passa a viver muito presa em torno disso, o que pode acarretar ou agravar quadros já existentes de depressão e de ansiedade”, explica a psicóloga Tatiana Pinho, do HUWC. 

 

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