Médicos cobram do Conselho de Medicina posicionamento e fiscalização sobre uso de 'kit Covid' no CE
Profissionais alegam que medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19 continuam sendo prescritos em operadoras de saúde do Estado
Um grupo de médicos entregou nesta quarta-feira (20) à presidência do Conselho Regional de Medicina (Cremec) uma carta cobrando do órgão posicionamento público, fiscalização e apuração de responsabilidades sobre o uso do chamado “kit Covid” no Ceará.
Segundo os profissionais que integram o Coletivo Rebento em Defesa da Vida, da Ciência e do SUS, a Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD) e a Rede Nacional de Médicos Populares/Ceará (RNMP), o Conselho Federal de Medicina (CFM) seria “cúmplice” da adoção de “práticas anticientíficas e antiéticas envolvendo pacientes com Covid-19" no momento em que estimula o uso do combo de medicamentos sem eficácia contra a doença.
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O Diário do Nordeste tentou contatar o Cremec para questionar o órgão sobre as cobranças feitas pelos médicos, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Caso Hapvida
Para os médicos que assinam a carta, a má conduta do conselho federal repercute diretamente no Estado. “Apesar de inúmeros alertas feitos por médicos, pesquisadores, sociedades de especialidades e entidades comprometidas com a ciência e com a vida, o uso indiscriminado de medicamentos ineficazes como profilaxia ou tratamento da Covid-19 foi e continua sendo promovido principalmente por instituições de saúde privadas”, escreveram.
Caso, por exemplo, do plano de saúde Hapvida, que foi citado na CPI da Covid-19, no Senado Federal, como uma das operadoras que obrigavam médicos a prescreverem medicamentos do ‘kit’.
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“O CFM e os Conselhos Regionais são ao mesmo tempo órgãos julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente”, cobra o documento.
Unimed
A carta destaca também que a cooperativa Unimed Fortaleza, que atua em 24 cidades cearenses, também induziu o uso do ‘kit’, tendo distribuído em torno de 30 mil unidades.
Em nota, a empresa afirmou que respeita a autonomia médica na definição do melhor tratamento para os pacientes e que "jamais determinou a seus profissionais qualquer conduta clínica preestabelecida".
Justificou ainda que, no momento mais crítico da primeira onda da pandemia, foi definida pela operadora uma "linha de cuidado" para orientar médicos que considerassem a prescrição de medicamentos do 'Kit', como cloroquina e hidroxicloroquina, "de modo que o fizessem mediante avaliação clínica criteriosa, realização de exames e monitoramento, sempre com o consentimento livre e informado do paciente".
"Os médicos também eram orientados a explicar que, até aquele momento, não havia estudos conclusivos sobre a eficácia ou a ineficácia da medicação e a informar sobre seus possíveis efeitos colaterais", explicou a Unimed, garantindo que o procedimento foi interrompido em maio deste ano e que o plano de saúde "estimula a vacinação e defende o uso de máscaras, a lavagem frequente das mãos e o distanciamento como medidas efetivas para a prevenção da doença".
Veja alguns dos principais pontos cobrados pelos médicos ao Cremec
- Espaço na plenária do órgão para expressar preocupações e reivindicações junto aos conselheiros;
- Criação e divulgação de mecanismos para o acolhimento, de forma sigilosa e segura, de denúncias por parte de médicos cearenses que eventualmente tenham se sentido lesados durante o exercício da medicina por se recusarem a prescrever medicamentos sem eficácia comprovada para Covid-19;
- Criação e divulgação de mecanismos para o acolhimento, de forma sigilosa e segura, de denúncias por parte de pacientes que eventualmente tenham se sentido lesados por terem recebido tratamento sem eficácia comprovada para Covid-19 e sem que tenham consentido;
- Posicionamento público afirmando que o Cremec defende a autonomia médica respaldada pela melhor ciência, as medidas de prevenção reconhecidamente eficazes (uso de máscara, distanciamento social, higienização de mãos) e a vacinação universal contra Covid-19;
- Ações fiscalizatórias em instituições de saúde que promoveram e ainda promovem tratamento de Covid-19 com medicamentos sem eficácia comprovada;
- Fiscalizações em municípios que realizaram e realizam distribuição em massa de profilaxia e tratamento para Covid-19 com medicamentos sem eficácia comprovada;
- Comunicação ao Ministério Público Federal sobre toda e qualquer experimentação com seres humanos acometidos por Covid-19 realizada de forma clandestina ou sem o fiel cumprimento às normas.