Estudantes cearenses são barrados e temem perder bolsas em universidades da França e Espanha

O impedimento se deve à grave situação da pandemia de Covid-19 no Brasil, cujo número de mortes pela doença já ultrapassa a marca de 500 mil

Escrito por Lígia Costa e Luana Severo , metro@svm.com.br
A família de Sarlene Gomes de Souza, 36, está se programando para chegar à Espanha dez dias antes do início do doutorado-sanduíche. Contudo, devido às restrições a brasileiros, eles temem não conseguir.
Legenda: A família de Sarlene Gomes de Souza, 36, está se programando para chegar à Espanha dez dias antes do início do doutorado-sanduíche. Contudo, devido às restrições a brasileiros, eles temem não conseguir.
Foto: Arquivo pessoal

Além de ceifar a vida de mais de 500 mil pessoas, a pandemia de Covid-19 vem atravancando sonhos de estudantes e pesquisadores brasileiros. Devido à alta incidência do coronavírus no Brasil, bolsistas de vários estados, inclusive Ceará, estão impedidos de entrar em países como França e Espanha. Com isso, temem perder a oportunidade de “ampliar os horizontes” acadêmicos no exterior. 

É o caso da professora Sarlene Gomes de Souza, 36, aluna do curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Após enfrentar um processo seletivo “muito difícil”, ela conquistou uma bolsa do Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

A meta é fazer o estágio de seis meses na Universidade Rovira i Virgili (URV), em Tarragona, Espanha, previsto para iniciar no próximo dia 1º de setembro. Como pretende levar o marido e os dois filhos para acompanhá-la na nova jornada, a professora se programou para entrar na Espanha dez dias antes da data prevista. No entanto, teme não conseguir concretizar os planos

“O curso de doutorado tem quatro anos e eu já estou no terceiro. E um pré-requisito dessa bolsa é que eu volte para o Brasil até seis meses antes de terminar o doutorado, pra concluir a tese e defendê-la. Ou seja, eu estou no limite do limite. Se por acaso eu perder esse prazo, eu muito provavelmente vou perder essa oportunidade porque não tenho mais tempo”, frisa. 

Sarlene lembra que a Espanha tem estabelecido “restrições fortíssimas” ao Brasil e à África do Sul, mas abre as portas para turistas da Índia, onde os índices de infecções e mortes por Covid-19 ainda são altos.

“O que a gente [bolsistas] pede é que, pelo menos, educação e trabalho sejam vistos como motivos essenciais, e que se liberem os vistos pra esse tipo de viajante”, reivindica, acrescentando que já tentou solicitar o visto, mas sem sucesso. “Quando a gente solicita o visto à embaixada, a resposta que eles dão é: ‘Enquanto estiver vigente esse bloqueio de brasileiros, a gente não pode emitir os vistos’”.
 
Em nota enviada ao Diário do Nordeste, o Ministério das Relações Exteriores declarou que “tem acompanhado a dificuldade de estudantes brasileiros em ingressar na Espanha e na França, para iniciar ou continuar seus cursos, em razão de restrições sanitárias decorrentes da pandemia de Covid-19 e da suspensão do processamento de vistos”.  

Buscando solução

Na sequência, também garantiu que o Itamaraty “vem envidando esforços para alcançar solução satisfatória junto ao governo dos dois países e que atenda ao pleito dos estudantes”.

Filha de sertanejos, Sarlene é a primeira da família a chegar ao nível de doutorado. Na foto, ela está com os filhos.
Legenda: Filha de sertanejos, Sarlene é a primeira da família a chegar ao nível de doutorado. Na foto, ela está com os filhos.
Foto: Arquivo pessoal

Como forma de pressionar órgãos e setores governamentais para pôr fim ao impasse, Sarlene vem colaborando com o movimento nacional “Estudiar es Esencial”, que envia mensagens em coletivo para órgãos e setores governamentais. “Individualmente, também venho mandando e-mails pra todos os deputados e senadores cearenses e pro governador do Estado. A gente tem também o auxílio de um escritório de relações internacionais da Uece”, comenta. Contudo, ela admite que ainda não houve retorno.

Filha de sertanejos, Sarlene conta, com orgulho, que é a primeira da família a chegar ao doutorado, o que “já é muita coisa”. No entanto, o sonho da titulação é acompanhado do sonho de “ampliar horizontes”. E, por isso, fez curso de idiomas e buscou contatos no exterior para buscar a certificação internacional.

Tudo partiu dos meus esforços. Eu fui passando nas provas, sendo selecionada, e isso foi motivo de muita felicidade pra família, porque eu tô representando toda uma leva de sertanejos. E, de repente, não conseguir essa bolsa tá mexendo com todo mundo da família. Porque é cortar as possibilidades que a gente vem lutando há muitos meses”.
Sarlene Gomes de Souza, 36
Doutoranda

Atualmente, há 10 alunos da Uece com bolsas do Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior, da Capes. A instituição informou, via nota, que "por meio de seu Escritório de Cooperação Internacional (ECInt), está oferendo apoio aos estudantes que se encontram com essa dificuldade. Uma das ações feitas pela universidade é o contato direto com a embaixada/consulado para buscar resolver cada caso".

Vacinação emergencial

O professor Bruno Gonçalves, 31, enfrenta barreiras semelhantes. Ele deve começar o curso de doutorado-sanduíche pela Universidade Federal do Ceará (UFC) na Universidade Paris Nanterre, na França, em setembro deste ano. Contudo, segundo ele, o país de destino também não está autorizando a entrada de brasileiros.

“Tem que haver um esforço diplomático, uma iniciativa pra facilitar a entrada dos estudantes [nos países] porque as bolsas nós já temos, o processo seletivo nós já participamos. Então, o que nos resta? A vacinação tem que ser agilizada e [tem que ter] uma resposta da diplomacia brasileira pra facilitar a entrada dos estudantes, dos pesquisadores na Europa”, cobra Bruno.

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Segundo ele, tem sido necessária uma “vacinação emergencial” para estudantes e pesquisadores nessa situação. “Mesmo aqueles [países] que aceitam a entrada de brasileiros, aceitam com muitas ressalvas”, compartilha o doutorando, esperando que haja uma prorrogação do prazo para assegurar que brasileiros atendam às exigências impostas.

“Eles [países] devem prorrogar, mas isso causa um transtorno muito grande pros alunos. Porque você tem um calendário, você planejou a sua vida, é uma viagem internacional, existe um certo transtorno, é inevitável. Prorrogar é mais um desgaste pra gente”, se queixa.

Ajuda diplomática

O Diário do Nordeste procurou a UFC para saber como a universidade está ajudando os estudantes em situação semelhante à do Bruno. Em nota, a instituição disse que as pró-reitorias de Relações Internacionais e Desenvolvimento Institucional (Prointer) e de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG) desconhecem candidaturas de estudantes com vínculo ativo com a UFC e solicitação de intercâmbio em curso que tenham sido barradas na Europa.

“Tampouco houve contato dessa natureza por parte de estudantes que se candidataram e foram aprovados. Institucionalmente, a conduta interna tem sido atenciosa às questões de legislação sanitária, orientando interessados em realizar intercâmbio a adiarem as candidaturas, tanto pelas mudanças nas exigências de acesso a certos países, quanto pelo prolongamento da situação de risco da pandemia de forma geral”, escreveu a universidade.

 

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