Da Barra do Ceará à Sabiaguaba, urbanização da orla de Fortaleza transforma ambiente e comunidades

Próxima obra de requalificação deve acontecer na Sabiaguaba – mas ambientalistas alertam que tratamento da área deve ser diferente dos demais pontos do litoral

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Imagem aérea mostra orla de Sabiaguaba, em Fortaleza
Legenda: Área de dunas é a mais prejudicada por aumento do fluxo de pessoas
Foto: Carlos Marlon

Imagens antigas do litoral de Fortaleza mostram “outra” cidade: de casinhas à beira mar, faixas de areia curtas, pouco asfalto e muito verde. Intervenções na Av. Beira-mar e no Vila do Mar, por exemplo, transformaram a orla aos poucos, e devem chegar, em breve, à Sabiaguaba. Mas por lá, alertam ambientalistas, o tratamento tem de ser diferente.

O Projeto de Readequação do Comércio Tradicional da Sabiaguaba foi anunciado pelo Governo do Estado em janeiro deste ano, prevendo requalificação de 2,5 hectares de orla, com instalação de 17 estruturas de barracas de praia, píer e estacionamento.

A ideia, conforme a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), é “promover melhorias estruturais aos comerciantes tradicionais, além de promover melhor integração com a paisagem e harmonia com o meio ambiente”. O projeto aguarda licenciamento.

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No dia 1º de setembro, o Governo do Estado determinou destinação de crédito suplementar à Sema, para “apoio financeiro para barraqueiros integrantes das famílias tradicionais que serão impactados com a implantação do projeto”.

Artur Bruno, titular da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), garante que as mudanças são demandas antigas tanto dos comerciantes locais, “que atuavam sem qualquer infraestrutura e saneamento”, quanto da natureza, “que estava sendo impactada por forte poluição”.

R$ 5 mil
serão pagos mensalmente a cada um dos 17 barraqueiros da Sabiaguaba, enquanto durarem as obras, segundo a Sema.

Além dos quiosques, lista o secretário, serão instalados um ponto de apoio da Sema e um posto fixo da polícia ambiental. “Tudo foi e está sendo pensado de forma a promover a preservação da área e, ao mesmo tempo, favorecer o turismo sustentável”, garante Artur Bruno.

Respeito ao meio ambiente

Rusty de Sá Barreto, fundador do Ecomuseu Natural do Mangue e morador da Sabiaguaba, frisa que a intenção das comunidades não é transformar o bairro num destino turístico, mas preservá-lo “como um espaço de cultura, memória e como pulmão de Fortaleza”.

“Precisamos de algo maior, de valorização das comunidades como um todo. E, principalmente, de conscientização sobre os espaços públicos. O que vemos hoje é uma duna sendo tomada pelas pessoas para contemplar o pôr do sol sem nenhum respeito. Requalificação pra mim não é só a construção de equipamentos”, pontua.

O ambientalista reforça, porém, que “todos os comerciantes foram a favor do polo gastronômico”. “Não estive à frente, porque não represento a comunidade toda, e minha área é de educação ambiental, mas todos concordaram com essa forma de trabalho”.

Só espero que a população entenda que está lidando com uma área muito delicada da nossa capital. A Sabiaguaba é um dos últimos lugares com tradição natural do Ceará. Não é só uma passagem de carro: é o pulmão da nossa cidade.
Rusty de Sá Barreto
Ambientalista e morador da Sabiaguaba

Outras transformações da orla

As mudanças na Sabiaguaba seguem uma tendência já adotada em outros pontos do litoral fortalezense, como a Avenida Beira-mar, entre os bairros Praia de Iracema e Mucuripe; e o Vila do Mar, entre a Barra do Ceará e o Pirambu.

Anúncio em jornal de requalificação na Beira Mar, em Fortaleza
Legenda: Divulgação de intervenções na Av. Beira Mar, em outubro de 2003
Foto: Reprodução/Diário do Nordeste

A requalificação da Beira-mar, principal corredor turístico de Fortaleza, é uma das mais marcantes para a cidade: iniciou em 2018, teve conclusão atrasada pela pandemia e está com entrega prevista para o fim de 2021.

Em 3 anos de obras e com investimento de R$ 123 milhões, as modificações são visíveis: a faixa de areia aumentou consideravelmente, após engorda do aterro; os quiosques foram padronizados; e novas vagas de estacionamento foram construídas, assim como ciclovia e pista de cooper.

Em junho deste ano, o Diário do Nordeste fez uma reportagem especial sobre o que já foi entregue e o que ainda falta para a avenida ser concluída e se livrar da imagem de canteiro de obras.

Em setembro de 2007, Vila do Mar e urbanização da Beira Mar já estavam entre pacote de obras anunciado pela Prefeitura
Legenda: Em setembro de 2007, Vila do Mar e urbanização da Beira Mar já estavam entre pacote de obras anunciado pela Prefeitura
Foto: Reprodução/Diário do Nordeste

Vila do Mar

Outro importante pacote de mudanças feito na orla de Fortaleza foi o Projeto Vila do Mar, que incluiu construção de calçadão, quiosques, espaços de lazer, muro de contenção, galerias de drenagem e ciclovia entre a Avenida Pasteur e a Rua Santa Rosa, no bairro Pirambu.

Anúncio em jornal do início da obra do projeto Vila do Mar, em Fortaleza
Legenda: Anúncio do início da obra do projeto Vila do Mar, em Fortaleza
Foto: Reprodução/Diário do Nordeste

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A primeira parte das intervenções de urbanização, iniciadas em 2010, foi entregue ainda em 2012, na gestão da prefeita Luizianne Lins. Quatro anos depois, outros dois trechos foram concluídos. Ao todo, a requalificação se estendeu por cerca de 5 km de orla.

O arte-educador Fábio Lessa, 40, nascido e criado no bairro Pirambu, afirma que a repaginação da região por meio do projeto Vila do Mar foi positiva para a comunidade, que passou a preservar mais a orla e a própria praia.

Vila do Mar, em Fortaleza
Legenda: Calçadão do Vila do Mar, em Fortaleza

Por outro lado, as mudanças foram projetadas “por arquitetos e engenheiros que não conhecem o que a população precisa”, de modo que os próprios moradores solicitam, com frequência, as intervenções de que necessitam.

Temos um espaço bem grande no calçadão pra fazer atividades culturais e esportivas, e muitos colocam brinquedos infláveis, barraquinhas pra ganhar seu dinheiro.
Fábio Lessa
Morador do Pirambu

Fábio reforça, ainda, que a infraestrutura fortalece a região como destino turístico, ajudando a remover o estereótipo de lugar violento. “Temos visto que pessoas de fora começam a visitar, e incentivamos isso, essa valorização. Porque o Pirambu é um celeiro de cultura local”, pontua.

Interligação da orla de Fortaleza

Nesta sexta-feira (17), o prefeito de Fortaleza, José Sarto, ressaltou que o projeto de interligação da orla da Capital é uma das prioridades entre as 137 obras que estão em andamento na cidade e deverá ficar pronto até o fim do ano que vem.

Segundo o gestor, o Município investiu cerca de R$ 2 bilhões de reais em intervenções que estão em andamento ou irão começar em 2022. 

Não tem nenhuma ação (do plano de governo) que não tenha percentual executado. Por exemplo, a Beira Mar de Todos. Vamos interligar a orla: projeto Beira Rio, interligando Vila do Mar, passando por Mercado dos Peixes e o projeto da Sabiaguaba. Nós teremos a orla mais bonita do Brasil. Isso (a obra) vai terminar entre primeiro e segundo semestre do ano que vem”
José Sarto
Prefeito de Fortaleza

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Usos versus necessidades

Para o geógrafo Eustógio Dantas, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), a lógica de urbanização das orlas leste e oeste de Fortaleza tem atendido à demanda constante da sociedade por mais espaços de lazer e turísticos – que, até agora, “poupava” a Sabiaguaba.

As soluções aplicadas em faixas como a Av. Beira Mar e o Vila do Mar, segundo Eustógio, “não dialogam com a natureza”, e não deveriam ser replicadas na Sabiaguaba. “Avançamos muito no uso das praias para lazer e turismo, mas continuamos a adotar as mesmas obras de engenharia agressivas”, pontua.

Fortaleza não deveria ter sido construída como foi, os campos de dunas deveriam ter sido preservados, porque são áreas frágeis e importantes. Eles têm aquíferos, por exemplo, que poderiam resolver o problema hídrico da cidade.
Eustógio Dantas
Geógrafo e professor da UFC

O perfil ambiental da Sabiaguaba, ele destaca, é diferente das outras zonas de praia da Capital e por isso “os parâmetros para ocupação e requalificação devem ser diferentes, ou daqui a 30 ou 40 anos não teremos mais dunas”.

Outra questão, frisa o geógrafo, é que a urbanização do litoral oeste (Barra do Ceará e Pirambu) possibilitou e favoreceu a permanência das comunidades tradicionais, ao contrário do lado leste (Praia de Iracema e Meireles), “que gerou a expulsão lenta e gradual delas”.

Na Sabiaguaba, como continuação desse litoral leste, há forte tendência de que se dê este último processo, que ela seja valorizada para usos não necessariamente ligados às demandas das comunidades tradicionais.

A Sema garantiu, em entrevista ao Diário do Nordeste, que a comunidade foi ouvida para projeção das mudanças e que nenhuma família será desapropriada para as obras de requalificação.

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