Com pandemia da Covid, Ceará teve queda de 5,7% nas taxas de cobertura vacinal em 2020
Especialistas afirmam que baixas coberturas vacinais, especialmente neste momento de retomada das atividades econômicas, sociais e escolares, podem deixar a população mais suscetível a outras doenças graves além da Covid-19.
Apesar de o Brasil ser reconhecido internacionalmente por bons índices de cobertura vacinal, todos os estados da federação sofreram queda nos registros de vacinação de rotina em 2020. O Ceará, por exemplo, saiu da taxa de 75,1% em 2019 para 70,8% ano passado, segundo o DataSUS, do Ministério da Saúde. A redução é de 5,7%.
A maior baixa no Estado, conforme relatório apurado pela Secretaria da Saúde (Sesa), foi na aplicação da vacina BCG, ofertada para crianças. Veja ao final da matéria um gráfico mostrando a evolução das taxas de cobertura vacinal no Brasil e a comparação com o Ceará e outros estados brasileiros.
A pandemia de Covid-19 é tida por especialistas e gestores públicos como uma das principais causas para a redução da cobertura vacinal no País. Tanto devido às medidas restritivas de isolamento e distanciamento social como ao medo da população de buscar a vacinação em postos de saúde e, possivelmente, se contaminar com o novo coronavírus.
Entretanto, uma unanimidade é que baixas coberturas vacinais, especialmente neste momento de retomada gradual das atividades econômicas, sociais e escolares, podem deixar a população mais suscetível a outras doenças graves além da Covid-19.
Robério Dias Leite, infectologista pediátrico e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações no Ceará (SBIm-CE), cita, por exemplo, que o sarampo é ainda mais transmissível do que a Covid-19 e que é preciso se prevenir.
É um cenário muito preocupante porque esse retorno [das atividades] pode ser acompanhado, também, do retorno de doenças ‘não-Covid’
BCG
No que diz respeito às estatísticas de BCG, por exemplo, que caíram de 86,05% em 2019 para 65,51% em 2020, Robério Leite acredita que a queda pode ser justificada pelo desabastecimento de imunobiológicos. “Acaba fazendo com que o recém-nascido não saia vacinado da maternidade e, sim, posteriormente, levando a uma queda na cobertura”, diz.
Negando o desabastecimento de qualquer imunobiológico obrigatório, o orientador da célula de Imunização da Sesa, Roberto Wagner Freitas, assegura que “todos os municípios estão abastecidos com as vacinas de rotina e campanha” e que, por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a pasta distribui para todo o Estado 48 desses produtos, entre soros, vacinas e imunoglobulinas, o suficiente para atender à totalidade de crianças.
Vacinação de adolescentes
Coordenadora de Imunização da Secretaria da Saúde de Fortaleza (SMS), Vanessa Soldatelli argumenta também que o fechamento de escolas devido à Covid-19 dificultou o acesso das equipes de saúde aos adolescentes. “Fazemos duas vezes por ano uma busca ativa dos estudantes, principalmente adolescentes, em relação à vacina contra o HPV”, destaca.
Como as escolas estão fechadas praticamente o ano todo, tivemos uma queda bem considerável nessa faixa etária. Porque os adolescentes, em geral, não procuram posto de saúde para receber a vacinação. A gente é quem faz essa busca ativa"
“No mundo todo, é um desafio vacinar adolescentes. Eles se sentem invulneráveis”, concorda Robério Leite, destacando que, nessa faixa etária, além da HPV, outra vacina importante é a Meningocócica C, que previne doenças graves como meningite. “A cobertura já é muito baixa e, com a pandemia [de Covid-19], se acentuou esse problema”, ressalta o médico.
Estratégia
Para bater metas de cobertura vacinal, Fortaleza tem investido em busca ativa por pessoas com esquemas vacinais atrasados e campanhas de multivacinação nos períodos de flexibilização do isolamento social. “A dificuldade maior é procurar uma unidade de saúde, principalmente, para vacinas que têm mais de uma dose no esquema”, relata Soldatelli.
Outra estratégia que, segundo a gestora, ajudou a manter uma boa cobertura vacinal na Capital em 2020, apesar da pandemia, foi a de, na contramão da orientação do Ministério da Saúde, manter a vacinação de rotina em crianças.
“Mantivemos a vacinação dentro das escolas, que eram equipamentos que estavam fechados e que usamos para evitar aglomeração e para que a gente pudesse continuar a vacinação de rotina. Ao fim de 2020, com todas as ações executadas, conseguimos ter uma cobertura vacinal boa. Todas as vacinas, as principais da criança, conseguimos atingir a meta”, afirmou.
O desafio, neste ano, será manter esse trabalho paralelamente ao esforço de vacinar toda a população contra a Covid-19, que Soldatelli entende ser “um processo mais complexo, que demanda muita gente e em muitos espaços”. Contudo, segundo a gestora, até o fim do ano deve ser feita “alguma ação para recuperar essas coberturas e, provavelmente, alguma campanha de multivacinação, também, para que a gente consiga atingir nossas metas”.
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Campanha de vacinação
Para o infectologista Robério Leite, o desejo latente da população em se vacinar contra a Covid-19 deveria ser aproveitado para reforçar a necessidade de atualização de todos os esquemas vacinais. “Para que a vacinação de rotina não se perca por causa da pandemia”, ressalta.
Sobre o Brasil já ter sido exemplo em imunização, o médico compara: “Como éramos o país do futebol, éramos o país que tinha, talvez, o PNI mais extenso do mundo, com grandes coberturas vacinais e controle de doenças. Isso tudo tem se perdido, infelizmente”. Isso porque, de acordo com o gestor, sem coordenação nacional, apenas com iniciativas individuais de cada município ou estado, não há como se conseguir imunidades coletivas.
Nesse sentido, o gestor da Sesa, Roberto Wagner, lembra que na próxima quinta-feira (22) será aberta a Semana de Vacinação das Américas (SVA) de 2021, iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que objetiva o fortalecimento dos programas de imunização dos países da região e a promoção da confiança das pessoas em imunização, principalmente durante a pandemia de Covid-19.
“A Sesa vem sempre enfatizando a importância de manter a vigilância das coberturas vacinais, identificar crianças faltosas ou com esquema incompleto e realizar parcerias e articulação com sociedades científicas e civis” para manter a cobertura da vacinação de rotina, garante Wagner.