Bullying e consumo de drogas levam a transtornos alimentares em adolescentes, aponta pesquisa da UFC

Embora os problemas afetem os dois sexos, meninas são mais impactadas. Redes educacionais buscam estratégias para minimizar conflitos.

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Transtornos alimentares podem levar a problemas de saúde tanto físicos como psicológicos.
Foto: Fernanda Siebra

Altos níveis de vitimização por bullying, consumo excessivo de álcool e o uso de substâncias para perda de peso sem receita médica estão associados a níveis mais elevados de sintomas de transtornos alimentares (TA) em adolescentes de ambos os sexos. 

Essa é a principal constatação de uma pesquisa conduzida pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com mais de 5 mil alunos de escolas públicas de Fortaleza, Eusébio e São Paulo. No Ceará, cerca de 3 mil responderam ao questionário anônimo.

O álcool foi a droga utilizada mais frequentemente pelos estudantes (30,9%) no ano anterior à pesquisa. Além disso, 44% se disseram vítimas de bullying e 45,7% apresentaram mais de um sintoma de TA.

De acordo com o Ministério da Saúde, essa categoria inclui a compulsão alimentar, a anorexia e a bulimia, podendo levar ao emagrecimento extremo, à obesidade ou a outros problemas físicos, bem como à depressão e a transtornos de personalidade.

Otávio (nome fictício), 15 anos, começou o Ensino Médio em 2021, em Fortaleza, com memórias desagradáveis sobre bullying no Ensino Fundamental, ainda do período anterior à pandemia. Estudante da rede pública, ele lembra que xingamentos eram comuns.

“Tinha gente que chamava umas meninas de ‘gorda’, de ‘baleia’. Outras vezes, era pela aparência. Uma amiga negra era atacada porque tinha cabelo muito crespo, mas ela deixava passar”, lamenta. 

O rapaz afirma que a escola promovia debates sobre o tema. Em algumas ocasiões, a coordenação chegava a reunir turmas no pátio e dar advertências. Segundo ele, os relatos caíram durante o ensino remoto, até pela limitação visual das câmeras de celular.

O questionário aplicado de forma anônima continha perguntas como:

  • Você provoca vômito quando você está se sentindo desconfortavelmente cheio?
  • Você se preocupa de ter perdido o controle do quanto você come?
  • Você perdeu recentemente mais de 5 quilos num período de 3 meses?
  • Você acredita estar gordo(a) apesar de as outras pessoas dizerem que você está muito magro(a)?
  • Você diria que a comida domina a sua vida?

 

Cada pergunta equivale a um ponto. Se duas respostas forem afirmativas, há um possível caso de anorexia, bulimia ou transtorno de alimentação compulsiva.

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Meninas mais afetadas

A pesquisa, coordenada no Ceará pela professora Fabiane Gubert, do Departamento de Enfermagem da UFC, indica ainda que, embora o fenômeno possa ser constatado nos dois sexos, entre as meninas, a maior idade e o uso de drogas ilícitas estão associados ao aumento dos sintomas de transtornos alimentares.

Isso pode ter a ver com uma maior propensão ao cultivo de uma aparência física padrão veiculada por mídias tradicionais e redes sociais. 

Para as autoras, entender esses fatores é relevante para o desenvolvimento de estratégias de prevenção a problemas de saúde durante e após a adolescência, sobretudo no repasse de informações qualificadas sobre alimentação saudável e redução do bullying.

Mediação e cultura de paz

Em nota, a Secretaria da Educação (Seduc) afirma promover ações visando à “promoção da cultura de paz e não violência nas escolas da rede pública estadual”, uma vez que considera “imprescindíveis ao sucesso do processo de ensino-aprendizagem os aspectos cognitivos e socioemocionais”. 

Entre elas, está a Célula de Mediação Social e Cultura de Paz, criada para fomentar ações de prevenção à violência dentro do espaço escolar através de núcleos de mediação e círculos de construção de paz nas escolas da rede pública estadual de ensino. 

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A Pasta também está implantando as Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra a Criança e o Adolescente. “Em Fortaleza, todas as escolas estaduais já contam com essa iniciativa. A Seduc vem realizando formação para 500 profissionais que integram as Comissões nas escolas estaduais na Capital”, declara.

A Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME) foi questionada sobre ações pedagógicas para combater os problemas no ambiente escolar, mas não enviou retorno até a publicação desta matéria.

Projeto mais amplo

A pesquisa faz parte de um estudo nacional maior, coordenado pela Unifesp em parceria com a UFC e a Universidade de São Paulo (USP). “Pesquisas e inovações em prevenção de transtornos mentais e uso e abuso de álcool e outras drogas”, financiado pelo Ministério da Saúde, avalia a efetividade do programa federal #Tamojunto 2.0, de prevenção ao uso de drogas por estudantes brasileiros.

O Programa tem como público-alvo alunos dos 7º e 8º anos do Ensino Fundamental II, com faixa etária de 13 e 14 anos, no qual são realizadas 12 aulas desenvolvidas durante o período escolar. 

O #Tamojunto também realiza três encontros direcionados aos pais ou responsáveis e à comunidade escolar com o objetivo de oferecer orientações sobre a temática e motivá-los a tomar uma posição mais ativa quanto à prevenção.

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