Desertificação: entenda o que é, como ocorre e quais são as causas
As queimadas e o desmatamento podem contribuir para desencadear esse fenômeno
Aumento de temperatura do solo, perda da vegetação, falta de chuvas. Você sabia que tudo isso pode estar relacionado com o fenômeno da desertificação? Em entrevista ao Diário do Nordeste, o doutor em Geografia, Flávio Rodrigues do Nascimento*, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), explicou como ocorre esse processo, dando exemplos brasileiros.
O especialista, inclusive, já possui diversas publicações sobre o assunto, como o livro "O Fenômeno da desertificação" e "Global Environmental Changes, Desertification and Sustainnability".
Ao analisar a desertificação, ele percebe que ela está relacionada com o esgotamento da vegetação. Flávio destaca ainda que, além dos impactos ambientais, também existem impactos socioeconômicos, como a pobreza em áreas rurais, com a fome e a migração compulsória.
O que é desertificação?
A desertificação é um estado em que há degradação profunda do solo, fazendo a área se assemelhar a região de um deserto. Esse processo de degradação ambiental pode ser causado por fatores naturais, por fatores humanos ou ambos.
Em áreas que sofrem com desertificação, são identificadas algumas características, como:
- Lesão dos solos;
- Perda da capacidade bioprodutiva dos solos;
- Perda da capacidade de produção da vegetação.
Além disso, o professor Flávio destaca que os ecossistemas entram em definhamento, com ressecamento e redução dos recursos hídricos.
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Qual a diferença entre desertificação e desertização?
Apesar da semelhança dos termos, desertificação não é a mesma coisa que desertização.
A desertificação, além de ser um processo de desgaste do solo, também é identificado apenas em terras secas, áridas e subúmidas secas.
Já a desertização é uma formação natural e gradual de desertos, em locais em que o bioma é desértico. "Esses biomas de deserto são naturais e constituídos pela própria dinâmica da natureza, e não tem uma produção humana".
Expansão da área de desertização
No entanto, o professor Flávio alertou que existe um fenômeno em que áreas semiáridas e sub-úmidas secas estão sendo "engolidas pelo deserto" em meio às mudanças climáticas.
"O que acontece na borda dos desertos é que, a depender da degradação dessas áreas do entorno, elas podem ser engolidas pelo deserto à medida que o clima mude localmente de semiárido ou de subúmido seco para árido e assim o deserto natural é expandido. Isso é muito verificável no bioma do Deserto do Saara, pessoalmente ao sul do Saara onde tiveram colônias francesas que degradaram muito o solo e a vegetação".
Quais exemplos de desertificação?
A desertificação ocorre apenas em terras secas. No território nacional, os principais exemplos do fenômeno ocorrem na região Nordeste, especialmente nas zonas semiáridas. Também existem áreas afetadas pela desertificação no norte de Minas Gerais.
"Não há possibilidade de existência de desertificação em áreas que não sejam de terras secas", destaca Flávio. Por isso, outros processos semelhantes de degradação — em que ocorre o definhamento dos recursos hídricos e a seca dos solos — não se enquadram.
Assim, apesar de áreas do Rio Grande do Sul registrarem características semelhantes, o especialista explica que a dinâmica é do processo de arenização. "Durante muito tempo foi entendido como desertificação, mas como o clima lá não é de Terra Seca não pode ser classificado como desertificação", acrescenta.
Como ocorre o processo?
O processo de desertificação ocorre quando o clima vai se tornando gradualmente mais seco e com menos chuvas, em uma mudança natural. No local, também podem ser notadas mudanças como: secas recorrentes, temperaturas elevadas e balanço hídrico deficitário.
No entanto, a degradação ambiental por atividades humanas também pode influenciar o fenômeno. Isso porque a intervenção humana pode estar relacionada com o desmonte de solos, a redução da cobertura vegetal, o início de queimadas e com a diminuição da biodiversidade de um ecossistema.
"Então você tem uma perda da capacidade produtiva do ambiente que vai resultar em semelhança de um deserto e aí você tem um processo de desertificação. Isso é basicamente o que acontece aqui no Nordeste do Brasil", detalha.
Quais as causas?
Dentre os principais processos que desencadeiam esse fenômeno, Flávio destaca:
- Pecuária mal manejada;
- Irrigação de solos com águas de qualidade ruins e solos já salinizados;
- Processo de carvoejamento, produção de carvão;
- Mineração;
- Retirada da vegetação, da vegetação de caatinga;
- Desmatamento;
- Queimadas.
Quais as consequências?
As consequências da desertificação para um ecossistema são diversas, podendo resultar em:
- Redução da disponibilidade de água na superfície;
- Redução da vegetação da área;
- Aumento da temperatura do solo e da temperatura local;
- Aumento da sensação térmica;
- Redução do quadro de chuvas da região.
De modo geral, Flávio explica que a biodiversidade da região é diretamente impactada. "Você tem um ambiente que vai sendo agredido e perdendo as suas características de dinâmicas naturais e pode chegar ao limite e até mesmo ao seu esgotamento, fazendo com que seja difícil a vida no campo", afirma.
Por isso, além dos impactos ambientais, também existem impactos socioeconômicos, como a pobreza em áreas rurais, assim como fome e imigração compulsória.
Aumento da seca
O especialista destacou que a desertificação e a seca, apesar de serem fenômenos distintos, estão diretamente interligados.
"A desertificação aumenta os quadros e os níveis de secas. E as secas, por seu turno, como numa via de mão dupla, também incrementam a desertificação. Porque quanto mais seca você tem, mais ressecamento do solo, da vegetação, da capacidade bioprodutiva, do ambiente, e da redução das águas".
Como evitar a desertificação?
O combate à desertificação pode ser feito com o manejo e a conservação ambiental, segundo Flávio.
"Você tem diferentes tipos de desertificação, como as que são causadas por desmatamento, queimadas, por deixar o solo exposto, ou uso de algum degradante do solo que produz erosão. Tem que evitar que os solos sejam agredidos ou contaminados", afirma o especialista.
Nesse cenário, destaca que as políticas públicas são essenciais para evitar a desertificação, como o acesso ao crédito, para que as pessoas consigam produzir grupos sociais no campo que produzam de modo que se evite a degradação dos recursos naturais.
Flávio também explica que as tecnologias sociais são aliadas no combate à degradação do solo. "Você tem várias tecnologias sociais de manejo da água, manejo do solo, manejo da vegetação. É uma parte de sistemas agroecológicos que você pode fazer a sustentabilidade no campo sem produzir a desertificação".
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Quais problemas causados pela desertificação e arenização no meio ambiente?
Os problemas causados pela desertificação são diversos, como já detalhado acima. Já em relação ao fenômeno da arenização — mais presente no Rio Grande do Sul — também ocorre o processo de degradação do solo, ressecamento, diminuição da vegetação, redução da biodiversidade e da capacidade bioprodutiva do ambiente.
Uma das principais diferenças consiste que um processo — o de desertificação — ocorre em zonas secas, semiáridas e subúmidas secas, enquanto outro, no sul do Brasil, é em uma região subtropical e semitemperada.
"Essa perda ecossistêmica é tão profunda que dificulta o desenvolvimento econômico e a fixação humana para que consiga, na relação a sociedade e natureza, na produção do espaço, produzir e manter suas condições necessárias para isso", acrescenta Flávio.
*Flávio Rodrigues do Nascimento, doutor em geografia, com foco em Degradação ambiental e desertificação, é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC). Autor de livros como "O fenômeno da desertificação" e "Global Environmental Changes, Desertification and Sustainnability".